Se a realidade será um obstáculo suficiente às ideias delirantes do presidente Donald Trump ainda é uma questão em aberto. Mas o líder da nação mais poderosa do mundo, logo após seu discurso de posse, não hesitou em transformar palavras em atos. Na segunda-feira, assinou ordem executiva comunicando que os EUA abandonaram oficialmente a Parceria Transpacífico, um acordo comercial com 11 países da região do Pacífico que reuniria 40% do PIB mundial. O ato veio na sequência do anúncio de que Trump quer renegociar os termos do Nafta com seus parceiros, México e Canadá, e foi precedido por encontro do presidente com alguns grandes grupos empresariais americanos, no qual afirmou que sua intenção é implantar tarifas alfandegárias "verdadeiramente altas" para garantir a criação de empregos no país.
Décadas de liberalismo econômico pregado (e nem sempre praticado) pelos EUA estão rapidamente ruindo a golpes de caneta do mais velho e mais endinheirado presidente que o país já elegeu. Para além do protecionismo, os primeiros atos de Trump se dedicaram a cumprir promessas de campanha. Um deles deu início ao estrangulamento orçamentário do Obamacare, que tornou obrigatório o seguro saúde e destina subsídios a quem não pode custeá-lo integralmente. Ontem, Trump deu licença à construção de dois oleodutos rejeitados por Obama e criticados por ambientalistas, desde que usem aço americano, e reclamou do excesso de regulação na área.
Trump não só não abandonou sua prosa de candidato ao adentrar a Casa Branca como insistiu em posições que contribuem para minar a credibilidade das instituições. Seu discurso de posse foi também um grito de guerra contra os políticos de ambos os partidos. Caracterizou sua ascensão não como a posse regular de mais um presidente, e sim como a "transferência do poder de Washington, devolvendo-o a vocês, o povo". Que um bando escolhido de milionários e de generais esteja à altura da tarefa é algo só concebível por um genuíno demagogo.
Trump não apenas desmoralizou os partidos políticos, primeiro ao vestir-se de republicano que nunca foi e, depois, já como presidente eleito. Ele desqualificou investigações dos órgãos de segurança do Estado que indicaram ter havido interferência russa contra a rival democrata Hillary Clinton.
Se como candidato Trump propagou calúnias e mentiras, faz agora algo mais grave. Envolve-se em questões menores, como o do número de cidadãos presentes em sua posse, e diante de evidências contundentes de que ela teve menor participação diante dos mesmos eventos de Obama, decreta que havia mais gente na sua sagração - e ponto. Diante da polêmica inútil, chamou sua conselheira e coordenadora de campanha, Kellyanne Conway, que argumentou com "fatos alternativos", termo apropriado para descrever a realidade paralela em que vive Trump. O episódio folclórico deixa de ser mais um - afeta a honestidade do presidente como tal, demonstrando sua intenção de distorcer a realidade e seus trejeitos autoritários de só considerar verdade aquilo que julga sê-lo.
O secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, foi mais longe. Um dia após Trump ter dito, em visita à CIA, que estava "em guerra com a mídia" e que os jornalistas estavam entre as "pessoas mais desonestas do mundo", se meteu a pontificar com todas as letras o que a imprensa deveria cobrir ou não, além de acusá-la de perseguir seu atual patrão.
Onipotente, Trump formou sua torre de Babel com um ministério de plutocratas que estão dizendo que não pensam como seu chefe em questões cruciais, como as relações com a Rússia e em outras amplamente propagadas na campanha presidencial. Se Trump já é a imagem em si da incerteza, a desarmonia dos neófitos com os quais pretende governar os EUA a amplifica para além do razoável.
Seu nepotismo - pôs parte da família na equipe de transição e seu genro, Jared Kushner, no governo - é condizente com uma típica "república de bananas". Suas negativas em apresentar declaração do Imposto de Renda e a transferência de seus negócios para membros da família são um ponto vulnerável óbvio, que já lhe traz dores de cabeça. Cidadãos pela Responsabilidade e Ética, entidade que reúne respeitados advogados liberais, entrou com processo contra o presidente, por, ao não se afastar nitidamente de suas empresas, violar a Constituição por fazer negócios com governos estrangeiros. E esses foram apenas os primeiros quatro dias do governo Trump.
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