Bruno Villas Bôas | Valor Econômico
RIO - Depois de uma década em queda, a pobreza cresceu fortemente no país durante a recessão. De acordo com levantamento do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), obtido com exclusividade pelo Valor, pouco mais de 9 milhões de brasileiros foram empurrados para baixo da linha de pobreza em 2015 e 2016, reflexo da deterioração do emprego e da renda. Desses, algo como 5,4 milhões tornaram-se extremamente pobres (ou miseráveis).
O retrato foi traçado a partir do cruzamento de dados da "Síntese de Indicadores Sociais", divulgada na sexta-feira pelo IBGE, com a série histórica disponível da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). As linhas de cortes foram as usadas pelo Banco Mundial e pelo IBGE: US$ 1,90 per capita por dia (R$ 133,72 mensais) para extrema pobreza e US$ 5,50 por dia (R$ 387,07 mensais) para a pobreza moderada.
Conforme divulgou o IBGE na sexta-feira, 52,2 milhões de pessoas viviam abaixo da linha de pobreza em 2016, ou 25,4% da população. No caso da pobreza extrema, eram 13,35 milhões de pessoas, 6,5% da população. Ao divulgar esses números, porém, o IBGE não apresentou comparativos de anos anteriores, devido a uma mudança no questionário da pesquisa no fim de 2015. Porém, o Iets cruzou as linhas de cortes e criou uma série comparável, embora frise diferenças metodológicas.
Segundo Samuel Franco, pesquisador do Iets e responsável pelos cálculos, cerca de 40 milhões de pessoas deixaram a linha de pobreza moderada de 2004 a 2014. Ele lembra que nem a crise financeira de 2008 tinha sido capaz de interromper esse processo. "O retrocesso ocorre de 2014 para 2015. É quando a crise começa a afetar a renda, a provocar desemprego, a gerar informalidade. Os empregos perdidos na construção civil, por exemplo, afetou muitos trabalhadores", disse o pesquisador do Iets.
Francisco Ferreira, economista do Banco Mundial, chegou a conclusões parecidas. Pelas contas dele, a parcela da população brasileira em situação de extrema pobreza cresceu de 4,1% em 2014 para 6,5% em 2016, maior nível desde 2007. Já a pobreza moderada passou de 22,1% em 2014 para 25,4% em 2016, maior nível desde 2011. Segundo ele, o crescimento seria preocupante, mas faz ressalva sobre a intensidade do aumento do número da extrema pobreza, que pode estar superdimensionada.
"Pessoas que perderam o emprego e estão reportando renda zero para o IBGE podem estar vivendo de alguma poupança guardada ou de ajuda de parentes", disse o economista do Banco Mundial, acrescentando que, com todo o retrocesso, as conquistas de redução da pobreza durante a "década de ouro" da economia não foi completamente apagada. "O copo meio vazio é que tivemos retrocesso; o copo meio cheio é que nem todas as conquistas foram perdidas."
Quem mais sofreu com o aumento da pobreza foram as crianças e os adolescentes. Dos 42,2 milhões de pessoas de zero a 14 anos de idade, metade vivia em situação de pobreza no país em 2016, segundo dados do IBGE. Para Celia Lessa Kertenetzky, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), essa incidência maior sobre crianças e adolescentes é particularmente trágico e compromete o futuro do país.
"Considerando a incidência de crianças e adolescentes nas famílias pobres, estamos comprometendo o futuro. Vários estudos mostram as consequências negativas de ser criado e crescer em meio à pobreza, em termos de maior probabilidade de ter educação insuficiente, empregos precários, com remuneração insuficiente, e portanto, gerar mais famílias pobres", disse ela.
Segundo a Síntese de Indicadores Sociais, a longa crise enfrentada pelo país fez o número de pessoas de 16 a 29 anos que não estudavam e nem trabalhavam crescer rapidamente nos últimos dois anos, chegando a 25,8% da população dessa faixa etária em 2016, ou 11,6 milhões de pessoas. Desse total, 61,6% nem sequer procuravam trabalho, em parte porque não acreditavam que iriam encontrar.
A pobreza calculada pelo IBGE também retratou a desigualdade estrutural e histórica do país. Quase a metade da parcela pobre da população vivia no Nordeste (24,7 milhões). Os Estados com piores indicadores foram Maranhão (52,4%), Amazonas (49,2%) e Alagoas (47,4%). Uma mulher preta ou parda sem cônjuge e com filho tinha alta probabilidade de ser pobre. Existiam 7,389 milhões de pessoas com essas características em 2016, das quais 64% viviam eram pobres.
Especialistas lembram que o aumento da pobreza ocorre num período em que a crise fiscal de governos enfraquece a rede de proteção social dos mais pobres. Em 2017, o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal, não teve reajuste. Parte dos Estados suspendeu programas sociais locais, como o Renda Melhor, no Rio, que tinha como objetivo complementar a renda da parcela mais pobre da população.
Para Celia Lessa Kertenetzky, a redução da pobreza passa agora pela retomada do crescimento econômico, com geração de empregos de qualidade e políticas ativas, mencionando exatamente os programas sociais efetivos e a educação de qualidade.
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