Não há nada resolvido nas relações comerciais entre Estados Unidos e China e o acerto feito em um jantar em Buenos Aires entre o presidente americano Donald Trump e o líder chinês Xi Jinping apenas retira por 90 dias a ameaça de retaliações mútuas - mantendo as existentes. A euforia dos mercados financeiros é tão compreensível quanto efêmera.
Há estranhas dissonâncias entre o comunicado do Departamento de Estado americano, que avançou os objetos de negociação, as entrevistas do diretor do Conselho Nacional de Economia, Larry Kudlow, e o laconismo do texto oficial chinês. Tudo indica que Trump, sempre ávido por autopromoção, esteja fazendo propaganda e não sendo fiel aos fatos. Segundo Washington, Xi concordou em "comprar quantidades substanciais de bens agrícolas e industriais", o que é possível como gesto de boa vontade. Kudlow, porém, chegou a mencionar disposição de Pequim de compras de US$ 1,3 trilhão - dez vezes mais do que os EUA exportam para a China em um ano. Assim como anunciou a intenção chinesa de zerar tarifas de automóveis, que Pequim não confirma.
O que vem a seguir no comunicado é uma lista de desejos de Trump e um prato indigesto para Pequim, que teria aceito discutir "mudanças estruturais sobre transferência forçada de tecnologia, proteção da propriedade industrial, espionagem e ataques cibernéticos" entre outras coisas. O ultimato de Trump, outro blefe, é que ele pretende uma solução sem ambiguidades para estas simples questões - em 90 dias.
Os líderes chineses, desde o início, não se recusam a discutir esses e muitos outros pontos. Em geral, quem tem virado a mesa de negociações é o time de Trump e o próprio presidente, cujo estilo para obter acordos é conhecido: sob ameaças e imposições de tarifas, pede o máximo que espera conseguir. Esse estilo pode até impressionar países frágeis ou dependentes dos EUA, mas não os líderes da segunda maior economia do mundo.
Pequim pode engolir alguns desaforos porque as demandas de Trump são também as de vários outros países com os quais a China tem enormes interesses comerciais: União Europeia e Japão, por exemplo. Os EUA são o mais forte e o mais estridente porta-voz do mal-estar com a forma com que a China obtém sua tecnologia, enquadra joint-ventures com empresas estrangeiras, copia e pirateia patentes, ou as obtêm por meios ilegais de espionagem.
Essas queixas não são novas, embora a insurgência contra elas seja. As multinacionais e os governos fizeram de conta que não viram os truques chineses porque a China lhes mostrou que esse era o pedágio para ter acesso a um dos maiores mercados do mundo. Enquanto a China produziu mercadorias baratas de baixo conteúdo tecnológico isto teve efeito positivo, para os chineses, que estão deixando a pobreza, e para o mundo, que assistiu à pressão deflacionária decorrente da máquina produtiva da China.
A história mudou com a ambição chinesa de agora concorrer com europeus, americanos e japoneses nos setores de fronteira da tecnologia, para os quais dispõem de recursos gigantescos. A ascensão econômica da China veio, como era inevitável, acompanhada de aspirações geopolíticas e militares e obriga os EUA a aceitarem (ou não) sua emergência como superpotência global. O reconhecimento desse status, porém, obriga os demais países a exigir que, já que agora a China tem essa estatura, que jogue de acordo com as regras comuns.
Este é o elo que une a reunião do G-20, da qual Trump esteve praticamente ausente, com seu encontro com Xi no sábado. A resolução da reunião do G-20 aponta para a reforma da Organização Mundial do Comércio e a aceitação desgostosa dos EUA a incluir no comunicado a "importância do multilateralismo" sugerem que as mudanças que se pretende fazer na OMC visam enquadrar as más práticas chinesas.
De toda forma, discussões amplas e abertas na OMC podem ser mais produtivas e os resultados finais, mais equilibrados e menos nocivos à China do que o enfrentamento direto com os EUA, que começa a prejudicar o país.
Trump quer limitar o papel da China na nova ordem global. O governo Obama tentou com a Parceria Transpacífico - que Trump rejeitou - estabelecer os termos do jogo econômico do futuro ao qual a China teria de se adequar. A trégua entre Trump e Xi e a reforma da OMC são caminhos na mesma direção, mas a estrada é longa e o percurso não se medirá em dias, mas em anos.
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