Valor Econômico
Rejeição ao sobrenome Bolsonaro e os
esqueletos no armário tornam Flávio um candidato pesado para o Centrão carregar
Os políticos mais astutos, daqueles que tiram
as meias sem descalçar os sapatos - façanha que se atribuía a Getúlio Vargas -
têm faro, intuição, instinto, ou nome que o valha, que acionam para tomar
decisões ou decifrar a conjuntura, em momentos-chave da política nacional.
Eles já erraram, mas o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro são, ainda assim, exemplos de
políticos de faro aguçado em campos opostos. Quando os malfeitos eliminaram do jogo
os potenciais sucessores de Lula após o segundo mandato - os ex-ministros José
Dirceu e Antonio Palocci -, o petista tirou da cartola a “mãe do PAC”, a então
chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. E fez a sucessora.
No dia 26 de novembro, na cerimônia de sanção do projeto que ampliou a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, Lula relembrou um episódio do passado, em que nas palavras dele, seu faro acertou.
Ele relembrou o discurso histórico de Ulysses
Guimarães (MDB) na promulgação da Constituição de 1988. “Eu estava lá embaixo
na minha cadeirinha do líder do PT [no plenário da Câmara], e era unânime:
‘Doutor Ulysses vai ser o novo presidente da República com essa Constituição’”,
relatou. “Aí eu peguei minha Constituição, levei para casa e comecei a ver os
direitos do trabalhador, e eu comecei a pensar, o Doutor Ulysses não vai ser
[presidente]”. De fato, em 1989, Ulysses ficou em sétimo lugar na eleição
presidencial, com 4,7% dos votos.
Lula intuiu, um ano antes, que o emedebista
seria derrotado porque as conquistas dos trabalhadores eram abstratas,
dependiam de regulamentação para vigorar. E segundo o presidente, o povo não
quer saber de direitos que não se materializam, que não colocam comida na mesa.
“[Democracia] é o direito de votar, mas é o direito de comer, de trabalhar, de
estudar... O que adianta um regime democrático se eu estou com fome?”,
desafiou.
A propósito de faro, é comum ouvir nas rodas
de Brasília que o presidente do PSD e secretário de Governo de São Paulo,
Gilberto Kassab, “fareja o poder”.
O assunto vem à tona diante do anúncio do
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) de que obteve o apoio do pai, preso em uma
cela da Polícia Federal, para disputar a Presidência da República no ano que
vem. A notícia chacoalhou a República e contrariou os caciques do Centrão, que
há meses tentavam convencer Bolsonaro a escolher o governador paulista,
Tarcísio de Freitas (Republicanos), como herdeiro político.
Mas a novidade não surpreendeu quem já
calculava que Bolsonaro não admitiria aposentar tão cedo o sobrenome. Flávio declarou
que levar o nome “Bolsonaro” para a urna é o seu maior ativo.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto,
gosta de repetir aos interlocutores a proeza de Bolsonaro nas eleições de 2022,
que atribui ao faro político do ex-presidente. Em São Paulo, o PL marchava, com
os outros partidos do Centrão, para a coligação do governador Rodrigo Garcia
(PSDB), até Bolsonaro fincar o pé de que o seu candidato ao governo tinha que
ser Tarcísio.
Valdemar duvidou, ponderou que Tarcísio era
um técnico, era carioca, e não sustentaria uma campanha daquela envergadura,
até se render. É curioso lembrar que naquele pleito, o PSD flertou até com o PT
de Fernando Haddad. Mas Kassab “farejou” o poder em Tarcísio. Depois, se tornou
o homem-forte do governo paulista.
Outra queda de braço, naquela disputa, foi
sobre o candidato a senador. Bolsonaro impôs o nome do ex-ministro Astronauta
Marcos Pontes (PL) para desespero de Valdemar. Mas o “azarão” se elegeu com
mais de 10 milhões de votos, à frente do ex-governador Márcio França (PSB), que
era o favorito.
Novamente, é o instinto de Bolsonaro, somado
a outros dois fatores - a confiança restrita aos filhos e a permanência do nome
na política - que explicam a escolha de Flávio, a reboque de tantos revezes
como a prisão e a inelegibilidade. A redução da pena, com o PL da dosimetria,
ainda é uma expectativa, e a anistia não vingou.
Para alavancar o projeto presidencial, a
ideia é compensar a alta rejeição do senador com vantagens asseguradas pelo
espólio do pai. A começar da largada com uma margem estimada de 20% dos votos,
que se atribui à fatia do bolsonarismo fiel, que votará no candidato de
Bolsonaro, e garantiria uma vaga no segundo turno, conforme cálculos do PL.
Em paralelo, Flávio tem o suporte de um
partido que expandiu com Bolsonaro, e não parou de crescer. A estratégia,
encabeçada pelas dezenas de inserções do PL, veiculadas na programação do rádio
e da televisão nas últimas semanas, foi lançar uma nova campanha de filiação.
De meados de novembro pra cá, quase 300 mil novas fichas de filiação haviam
sido assinadas. Depois de homologadas, podem dar à legenda um capital de até 1
milhão de filiados. “Foi a saída para manter a militância engajada”, explicou
uma fonte do PL, diante da prisão do líder oposicionista.
Mas a rejeição ao sobrenome Bolsonaro e os
esqueletos no armário tornam Flávio um candidato pesado até para o Centrão
carregar. A pesquisa Datafolha desta semana mostrou que 45% dos entrevistados
rejeitam o ex-presidente, 44% rechaçam Lula, enquanto 38% não votariam em Flávio.
Em suma, a escolha do primogênito põe à prova o faro de Bolsonaro na
adversidade.

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