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A resistência do populismo – Editorial | O Estado de S. Paulo
Mesmo com as dificuldades políticas que ora desafiam vários dos líderes populistas que chegaram ao poder nos últimos anos, o sentimento de desconforto de parte considerável da sociedade que alimentou o discurso desses demagogos, inclusive no Brasil, mostra-se ainda bastante vigoroso. Foi o que constatou uma ampla pesquisa do instituto Ipsos, de cujos resultados se pode depreender que eventuais reveses eleitorais de alguns populistas não significarão necessariamente o fim da onda que os impulsionou.
Realizada entre março e abril deste ano, a pesquisa ouviu 18.528 adultos em 27 países de todos os continentes, entre os quais o Brasil. No geral, 70% dos entrevistados consideram que a economia de seus países está capturada pelos interesses dos ricos e dos poderosos. Além disso, 66% entendem que a política tradicional ignora “pessoas como eu”, e 54% afirmam que a sociedade de seus países está “fraturada”. A região do mundo que teve os piores resultados nessas questões foi a América Latina.
No Brasil, 78% dos entrevistados disseram ver a sociedade “fraturada”, o segundo índice mais alto entre os países pesquisados – fica atrás somente da Polônia, com 84%, e muito à frente dos Estados Unidos (60%), país que tem apresentado forte polarização desde a campanha eleitoral à presidência que consagrou Donald Trump. Em 2016, ano do impeachment da presidente Dilma Rousseff, 77% dos brasileiros disseram considerar a sociedade “fraturada”. Ou seja, nada mudou de lá para cá.
É significativa também (75%) a parcela dos brasileiros que consideram que a economia do País foi capturada pelos interesses dos ricos e dos poderosos, bem acima da média dos países pesquisados. Há três anos, 69% dos brasileiros tinham essa opinião. O recrudescimento desse sentimento provavelmente se explica pela persistência da estagnação econômica e do desemprego, que afetam em cheio os humores de uma classe média que viu sua renda se deteriorar enquanto uma elite política, empresarial, e estatal mantinha privilégios.
Talvez como resultado disso, 72% dos brasileiros disseram considerar que os partidos tradicionais e os políticos em geral não se importam com “pessoas como eu” – isto é, com os cidadãos comuns. Essa fatia da população, que era de 64% em 2018, tem sido o esteio dos demagogos, que se apresentam como os únicos dispostos a dar ouvidos aos eleitores que se julgam esquecidos pelos políticos.
Também está em expansão, de 48% em 2016 para 53% neste ano, o porcentual de brasileiros que, desencantados com a política e com os políticos, defendem a atuação de um líder “forte”, que esteja disposto a “quebrar as regras”. Para 73% dos brasileiros, esse líder “forte” é necessário para “retirar o país do controle dos ricos e dos poderosos”.
Essa demanda populista é possivelmente consequência da percepção, verificada em parte considerável das entrevistas em todos os países pesquisados, de que a vida real das pessoas comuns não é compreendida ou levada em conta pelos especialistas envolvidos na formulação de políticas públicas. Para 62% dos entrevistados, em média – 59% no Brasil –, os especialistas “não entendem a vida das pessoas como eu”. Depreende-se que o líder populista, ao contrário, seria o único capaz de entender essas pessoas e traçar políticas adequadas a suas necessidades.
Por fim, a pesquisa mensurou a persistência da xenofobia em larga escala, um dos grandes motores do populismo. Na média, 60% dos entrevistados disseram que os empregadores deveriam priorizar trabalhadores nacionais em detrimento dos imigrantes se o desemprego estiver alto. Além disso, 43% consideram que os imigrantes tiram serviços públicos dos “reais” compatriotas – no caso do Brasil, que tem recebido um número grande de refugiados venezuelanos, o total dos entrevistados que pensam assim saltou dez pontos porcentuais entre 2016 e 2019, passando de 27% para 37%.
Todos esses números são um indicativo claro de que os fatores que geraram a onda populista ao redor do mundo continuam se impondo, e em alguns casos, inclusive no Brasil, estão ainda mais potentes – o que mostra a urgência da revalorização da política como o único mecanismo verdadeiramente democrático de solução de impasses e avanço social.
Tímidos sinais Editorial | Folha de S. Paulo
Indicadores econômicos sugerem certa melhora; governo precisa contribuir para restaurar confiança
Os temores de uma recaída na recessão econômica, que assombraram o país na virada do primeiro para este segundo semestre, estão afastados. Menos claro, porém, é se os indicadores a apontar alguma melhora bastarão para sustentar uma retomada mais sólida.
O pior do pessimismo se dissipou com a divulgação do crescimento de 0,4% do Produto Interno Bruto no segundo trimestre, o equivalente a 1,6% em termos anualizados. Particularmente favorável foi o desempenho dos investimentos, com alta de 3,2% no período (taxa anualizada de 13,4%).
Entretanto os resultados não serão suficientes para evitar o terceiro ano consecutivo de expansão pífia do PIB, na casa de 1% ou menos —e, para 2020, muito poucos acreditam em algo acima de 2%.
De todo modo, os dados preliminares do terceiro trimestre sugerem continuidade. O varejo se destaca, com desempenho positivo nos últimos meses. A construção civil, setor mais atingido pela crise, também ensaia uma recuperação.
A indústria, no entanto, permanece frágil. Além dos problemas existentes desde antes da recessão, houve o impacto da crise argentina. A queda das exportações do setor chegou a 40% nos oito primeiros meses de 2019, na comparação com o mesmo período de 2018.
Essa perda pode subtrair 0,5 ponto percentual do PIB este ano, segundo estimativas da Fundação Getulio Vargas. Com a dissipação desse choque e a subida gradual da confiança, a produção deve crescer.
O mercado de trabalho ainda patina. A tendência é de avanço, mas em lentidão exasperadora. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego ficou em 11,8% no trimestre encerrado em agosto, apenas um pouco abaixo dos 12,1% do período correspondente do ano passado.
Celebrou-se a criação de 121,4 mil vagas com carteira assinada em agosto, o melhor resultado para o mês em seis anos. Entretanto contam-se 38,8 milhões de trabalhadores informais, numa população ocupada de 93,6 milhões.
Felizmente, a política monetária se moveu em direção expansionista. A taxa básica de juros, hoje em 5,5%, ainda precisa se refletir mais no custo do crédito, mas já se nota rápido aumento dos financiamentos para pessoas físicas. O setor imobiliário, em particular, tem se beneficiado.
Por fim, há uma agenda de investimentos em setores que passam por melhorias regulatórias, como óleo e gás. O saneamento também pode ser tornar atraente, se prosperar o projeto que abre o setor para investimentos privados.
Tudo considerado, parece plausível que o país em breve passe a crescer em ritmo superior a 1% ao ano —mesmo porque se trata de uma taxa baixíssima para uma economia ainda deprimida. O PIB do segundo trimestre deste ano, cabe lembrar, ainda se mostrou 4,8% inferior ao dos primeiros três meses de 2014, antes do início da recessão encerrada em 2016.
As alternativas à disposição do governo estão limitadas pela penúria orçamentária. Resta contribuir para o restabelecimento da confiança de empresários e consumidores, o que demanda continuidade das reformas e, com mais otimismo, estabilidade política.
Ativismo climático ganha densidade na política global – Editorial | O Globo
Fenômeno se reflete no crescimento dos partidos Verdes na eleição para o Parlamento da EU
São inúmeras as evidências científicas de um grave desequilíbrio ambiental. Elas podem ser corroboradas por uma miríade de imagens colhidas por todo o planeta, incluindo o Brasil, sobre os efeitos devastadores de secas prolongadas, temperaturas recordes, incêndios e chuvas torrenciais.
Alguns governantes, porém, persistem no negacionismo. É lícito supor que assim seja por conveniências políticas, por mais que elas os deixem próximos do obscurantismo, doutrina contrária ao progresso intelectual e material.
Na psicologia, o fenômeno da negação tem sido bastante estudado como mecanismo de defesa individual.
Porém, quando isso se torna determinante no rumo de governos e na execução de políticas públicas, constitui-se fator de risco. Na melhor hipótese, porque dissimula a inépcia política e administrativa na capacidade de responder a um problema real, como o das mudanças climáticas.
Governos como o de Jair Bolsonaro precisam reconhecer que equacionar a relação entre a produção, o consumo e a conservação ambiental é caminho sem volta. Líderes políticos que não entenderem esse fato arriscam-se a ficar aplastados, atropelados pela História.
Se os retratos das catástrofes cotidianas evocam o fim de um ciclo da industrialização, as cenas de protestos contra a inércia na proteção ambiental, cada vez mais frequentes em todo o planeta, confirmam a emergência de uma novidade na política global: o ativismo climático.
Não é casual que os partidos empenhados na defesa ambiental tenham avançado de maneira significativa nas últimas eleições da União Europeia. A “onda verde” de maio passado fraturou a tradicional hegemonia do Partido Popular Europeu, da Aliança dos Socialistas e dos Democratas Progressistas no Parlamento da UE.
Estavam em disputa 751 cadeiras legislativas. Os Verdes conseguiram eleger 67 deputados (15 a mais do que possuíam), desbancando os reformistas e conservadores (61). Tornaram-se a quarta força política mais votada na Europa. Ficaram em segundo lugar na Alemanha, atrás apenas dos conservadores da chanceler Angela Merkel, da União Democrata Cristã.
Cerca de um terço dos votos “verdes” alemães veio de eleitores com menos de 30 anos de idade. O Norte da Europa foi a região que mais impulsionou os ambientalistas nas urnas. Lá, jovens mudaram sua rotina e organizam manifestações semanais nas ruas contra mudanças climáticas, como a da última sexta-feira, em Portugal. Neste contexto, surgiu a liderança carismática de Greta Thunberg, sueca, 16 anos. Semana passada, em Nova York, esteve à frente dos protestos contra a devastação da Amazônia.
A ascensão do ativismo climático ao primeiro plano da política global não deve ser subestimada.
Contas externas confortáveis, mas com uma folga menor – Editorial | Valor Econômico
É preciso ampliar a capacidade produtiva doméstica para que os ciclos de expansão econômica pressionem menos as contas externas do país
Principal indicador de vulnerabilidade externa da economia, o déficit em conta corrente segue confortável, mas ficou um pouco menos favorável depois de uma revisão metodológica conduzida pelo Banco Central. O país ainda conta com um bom colchão de proteção contra um eventual choque externo. Ficou menor, porém, a margem de manobra para acomodar uma eventual aceleração da economia acima da capacidade produtiva doméstica - o que reforça a importância da agenda de reformas para aumentar os investimentos e a produtividade.
Em dezembro de 2018, o Brasil tinha um déficit equivalente a 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) nas suas transações correntes com outros países, incluindo comércio exterior, serviços (turismo, aluguel de equipamentos) e rendas primárias (pagamentos de juros da dívida externa, remessas de lucros e dividendos). Nesse percentual, o déficit era bastante contido. Em geral, economistas consideram seguros déficits em torno de 3,5% do PIB.
Até julho, porém, o déficit externo apresentou uma alta de cerca de 0,5 ponto percentual do PIB, chegando a 1,31% do PIB. Contribuíram para essa alta o lento crescimento da economia brasileira, que pressionou sobretudo remessas de lucros e dividendos; e a desaceleração da economia mundial, que enfraqueceu a demanda por produtos exportados pelo Brasil.
Em agosto, o déficit em conta corrente deu um novo salto de cerca de 0,5 ponto percentual do PIB, para 1,84% do PIB. Dessa vez, o que pesou foi uma revisão na metodologia estatística adotada pelo Banco Central. A autoridade monetária prevê que as contas externas fechem o ano de 2019 com um déficit de 2% do PIB, o que significa uma alta de 1,2 ponto percentual em relação o resultado inicialmente apurado par 2018.
A revisão estatística era necessária para que as contas externas refletissem, de fato, os fluxos de moeda estrangeira que entram e saem do país. Havia uma lacuna na contabilidade dos recursos que grandes exportadores deixavam fora do país.
Até uma década atrás, os exportadores eram obrigados a trazer para o país os dólares arrecadados nos embarques ao exterior. A exigência foi criada na década de 1930, num contexto de escassez de divisas causada pela Grande Depressão. Serviu ao país em vários períodos de crise no balanço de pagamentos, como na década de 1980. Mas deixou de fazer sentido depois que o Brasil adotou o regime de câmbio flutuante e acumulou um alto volume de reservas internacionais.
No governo Lula, foi dado um importante passo na liberação cambial, ao na prática se extinguir a exigência de cobertura nas exportações. Embora justificada, porém, o BC perdeu uma importante fonte de dados estatísticos, já que os recursos deixaram de ter contratos de câmbio fechados no mercado doméstico. Essa deficiência foi suprida com as estatística do censo de capitais estrangeiros no exterior.
Os dados revelaram que os exportadores estavam usando uma parte dos recursos para fazer pagamentos típicos da conta corrente, como juros e serviços, por isso o déficit nessa rubrica aumentou. Uma parte dos recursos foi utilizada para quitar empréstimos intercompanhias. Como esses capitais fazem parte nos investimentos diretos no país (IDP), esse fluxo também diminuiu.
O IDP é um capital considerado mais estável para o financiamento do déficit em conta corrente, já que está menos sujeito a paradas súbitas nas crises internacionais. O investimento direto recuou de 5,09% do PIB em julho, pela metodologia antiga, para 3,91% do PIB, na nova metodologia. A relação entre o IDP e o déficit em conta corrente ficou, também, menos favorável para o Brasil. Em dezembro de 2018, o IDP equivalia a quase seis vezes o déficit em conta corrente; em agosto, passou representar pouco mais de duas vezes.
Ainda é uma situação bastante confortável, mas é preciso considerar que o baixo déficit em conta corrente é, em boa medida, reflexo do baixo crescimento da economia. Uma aceleração mais forte tenderia a pressionar rapidamente o déficit. No passado, ciclos de expansão da economia brasileira foram interrompidos justamente por essa vulnerabilidade externa. Por isso é necessário insistir na abertura da economia, o que aumenta a produtividade e facilita os ajustes externos. Também é preciso ampliar a capacidade produtiva doméstica para que os ciclos de expansão econômica pressionem menos as contas externas do país.
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