- Folha de S. Paulo
Quem deslegitimou tentativa de depor Bill Clinton agora aplaude ação democrata
A Suprema Corte do Reino Unido saiu do seu retiro secular e mostrou cartão vermelho para a intenção do premiê Boris Johnson de deixar fechado o Parlamento por cinco semanas. Os progressistas de todo o planeta comemoraram.
A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, rompeu um longo período de hesitação e instalou inquérito que pode levar ao impeachment de Donald Trump. Nova salva de palmas na centro-esquerda.
Os adeptos da conversa do “jogo pesado constitucional”, difundida pelo best-seller “Como as Democracias Morrem”, também se uniram ao coro. Desta vez está tudo certo, afirmaram. Quando os deputados republicanos tentaram o impeachment de Bill Clinton, em 1998, aí não podia.
Desta vez a oposição britânica pôde recorrer ao Judiciário para impedir o que entende ser um abuso das prerrogativas do premiê. Mas adivinhe o que ocorrerá no futuro, quando um governante trabalhista quiser dar uma paradinha mais longa na partida, e os conservadores apelarem às cortes? “Tapetão! Falta, seu juiz!”
Teorias que se ajustam ao gosto da freguesia entretêm, mas não prestam para compreender a realidade.
O que fica dentro das regras está, por definição, permitido. Todo mundo pode pedir o impeachment. Mas que assuma o risco de uma derrota ou do desgaste no presente, como estão fazendo agora os democratas. E aceite que seu adversário lance mão da mesma arma quando, lá na frente, os papéis se inverterem.
Não cola gritar golpe quando se é vítima, mas cantar a Marselhesa quando se é autor de recursos integrantes da ordem constitucional.
A beleza da democracia está na combinação entre a estabilidade das linhas do gramado e do regulamento do campeonato, de um lado, e a incerteza do resultado final, do outro.
Vale para partidos, cidadãos e autoridades. Quem entra em campo certo da vitória, e com o poder de mudar durante o certame o que estava acertado, este atua em outra liga.
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