- O Globo
Discussão sobre o futuro do Censo foi atropelada pela ordem do governo de corte de orçamento, em meio a críticas de Bolsonaro ao IBGE
O Censo 2020 está no meio de uma polêmica na qual há confusão de conceitos e vários riscos. Demógrafos e especialistas já estavam discutindo sobre o número ideal de perguntas, quando veio a ordem de reduzir o questionário para ficar mais barato. O ministro Paulo Guedes nega qualquer interesse de intervenção, mas em entrevista ele disse que se quer fazer 360 perguntas. Na verdade, o número é bem menor.
O Censo faz dois questionários. Um deles teria 37 perguntas, e o corpo técnico do IBGE sugeriu cortar para 34. Esse é respondido em todos os domicílios. O outro teria 112 e foi cortado para 96. Esse só 10% da população responde. Essas reduções não foram consideradas suficientes. Eu reuni na Globonews o sociólogo e ex-presidente do IBGE Simon Schwartzman e o professor José Szwako, do Iesp-Uerj, para um programa a respeito do assunto.
— Dá para diminuir essa parte geral? Talvez dê. O que precisa ser calculado é a economia que vai se conseguir com isso. Quanto tempo o pesquisador vai ficar na casa da pessoa é importante, mas não é a única. Pode-se reduzir as perguntas e mesmo assim não diminuir o custo —explica Simon. Esse é um ponto relevante, porque o custo maior é pelo fato de o Brasil ser um país continental e a logística ser complexa. O risco é deixar de fazer perguntas indispensáveis e mesmo assim não conseguir a economia que o governo quer. Para se ter uma ideia, o orçamento original era de R$ 3,4 bilhões, mas o governo quer que fique em R$ 2,3 bilhões.
— Nem o ministro, nem a presidente do IBGE têm um dado substantivo de como fazer esse corte. Há um grupo técnico de fora do IBGE trabalhando. É muito delicado tirar perguntas que podem ser fundamentais para o desenvolvimento de políticas públicas. O instituto tem competência para fazer essa redução, e já foram propostos alguns cortes, mas o corpo técnico não está sendo ouvido. O Censo já teve dois testes feitos. O IBGE conta com especialistas preparados para isso, estatísticos, demógrafos, sociólogos. Nesse ritmo e nessa pressão, os resultados podem ser desastrosos. Se tirar uma pergunta, pode interromper o fluxo do questionário —diz Szwako.
O chefe do grupo de trabalho que está preparando uma sugestão de corte é o economista Ricardo Paes de Barros e em entrevista ao GLOBO ele levantou a seguinte questão: é necessário ter informação sobre desemprego no Censo? O Brasil já tem uma excelente pesquisa de desemprego, a Pnad Contínua, mas o Censo traria o desemprego em cada cidade.
—É um dado que vai ficar velho, porque só será refeito daqui a 10 anos, por isso a pergunta crucial é quanto de informação específica você precisa de cada município no Censo. Se o município usa muito essa informação, a pergunta não pode sair do Censo. Sobre educação, o Inep tem informação escola por escola, aluno por aluno, uma base de dados de 50 milhões de pessoas, por que precisa estar no Censo? —questiona Simon.
—Saber o dado do desemprego em cada cidade é fundamental para a política de desenvolvimento local. A Pnad dá informação, mas não nesse nível intra municipal. Nesse ritmo e sema participação do corpo técnico me parece arriscado. Pode-se saber quanta gente tem matriculada, mas é preciso saber a realidade de cada um. Quanto mais pobre, mais chance tema criança de estar fora da escola. Há cruzamentos entre bases de dados que são cruciais, o que uma não diz a outra pode dizer. É evidente que se pode fazer algum corte, mas tem que se saber em que condições será feito —diz Szwako.
Simon Schwartzman contou que há uma rediscussão do censo em todo o mundo. A Alemanha parou de fazer. Na Inglaterra, o que será feito em 2021 pode ser o último, porque há bases de dados mais completos e mais ágeis. Quando perguntei se essa realidade serve para o Brasil, país continental e com áreas muito remotas, ele disse que há um debate de curto prazo, que é restrição orçamentária, e outro para o Censo de 2030.
Havia uma discussão entre especialistas sobre o futuro do Censo, mas ela foi atropelada pela ordem governamental de redução do questionário, por questões fiscais. E isso ocorreu no meio de outros ruídos. O próprio presidente Jair Bolsonaro fez críticas violentas e infundadas às estatísticas do IBGE. Simon alerta que não pode ser feito “meio Censo”. Szwako teme a quebra da autonomia do Instituto.
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