sábado, 27 de abril de 2019

Na Espanha, ultradireita jura fim da 'ditadura progressista'

Com 10% nas pesquisas, Vox deve chegar ao Parlamento nas eleições de domingo

Lucas Neves / Folha de S. Paulo

MADRI - O clima no começo da noite desta sexta (26) nos arredores da Praça de Colón, centro de Madri, era de entrada de estádio de futebol. Centenas de "torcedores" caminhavam em direção ao local erguendo ou enrolados em bandeiras e entoando o equivalente a cantos de torcida, "puxados" por um e logo retomados em coro.

Todos convergiam em direção ao comício de encerramento da campanha do Vox, o primeiro partido de ultradireita desde a redemocratização da Espanha, iniciada há mais de 40 anos, com chances reais de conquistar cadeiras no Congresso dos Deputados.

As eleições gerais acontecem neste domingo (28), e a legenda criada em 2013 por dissidentes do Partido Popular (establishment conservador espanhol) aposta em uma vigorosa presença online e no discurso áspero frente ao separatismo da Catalunha (que virou "o" tema da campanha) para ir além do status de azarão.

Na multidão aglomerada na praça, chama a atenção a quantidade de jovens na casa dos 20 anos, tanto homens quanto mulheres. Há também alguns idosos e famílias, com carrinhos de bebê e tudo.

Do mar de bandeiras do país e do partido (estas, verdes) emergem aqui e ali cartazes, como o que leva a inscrição "Venezuela = PSOE [sigla dos socialistas ibéricos, atualmente no poder]; Vox = Espanha" e outro que propõe a rima de colhões com soluções.

O "esquenta" para a atração principal da noite, o discurso do líder Santiago Abascal, inclui pronunciamentos de Rocío Monasterio, candidata à chefia de governo da comunidade autônoma de Madri e dona, nas palavras do mestre de cerimônias, do sorriso mais temido pela esquerda.

No púlpito, ela promete à audiência que a "ditadura progressista" cairá dali a 48 horas, quando forem anunciados os resultados da eleição dominical. Fala repetidamente em valores patrióticos, no imperativo de recuperar uma dignidade nacional supostamente perdida pelo caminho.

Defende prisão perpétua para criminosos reincidentes e, antes de se despedir, puxa um coro para "Puigdemont, a prisión!", em referência ao ex-presidente regional da Catalunha, hoje autoexilado na Bélgica e artífice, em 2017, do processo que culminou no plebiscito ilegal sobre a independência da comunidade.

Logo é a vez do número 2 do Vox, o ex-militar Javier Ortega Smith, ir ao microfone repisar os temas da soberania espanhola e da liberdade, por sua vez retomados minutos depois pelo protagonista do evento, Abascal.

O líder partidário mostra logo aquele que é seu cartão de visitas, ao lado do anti-separatismo feroz: a pauta de costumes.

"Os progressistas nos ridicularizam, nos estigmatizam com a alegação de que não somos modernos. Mas nossos valores são eternos", diz. "São o amor à família como célula básica da sociedade, o amor à pátria e o respeito à fé dos nossos pais."

Durante os quase 40 minutos de pronunciamento, ele quase não apresenta propostas concretas.

Prefere repassar tópicos caros ao conservadorismo radical, como a oposição à imigração e ao multiculturalismo ("não vamos adaptar os cardápios das nossas escolas [a restrições alimentares de alunos muçulmanos, por exemplo]"); a crítica aos supostos excessos do "feminismo supremacista" e das políticas de promoção da igualdade de gênero; e a retórica pró-armas e antiaborto.

A certa altura, canta de galo: "Já ganhamos, porque pusemos esses assuntos sobre a mesa, e eles nunca mais poderão ser esquecidos".

Paradoxalmente, pouco antes, advogara pela liberdade de "olhar para nosso passado sem comissões da verdade, sem condenar nossos avós" --referência à Guerra Civil Espanhola (1936-39) e à ditadura franquista que a sucedeu (1936-75).

Sobram ainda farpas para os institutos de pesquisa, que dão cerca de 10% das intenções de voto ao partido, ou seja, o quinto lugar no ranking ("metade desses vendidos vai fechar no dia 29"), e uma bem familiar a ouvidos brasileiros, dirigida a professores que doutrinariam seus alunos ("daqui a pouco, vão proibir 'Dom Quixote' dizendo que é islamofóbico").

Depois de um arremate épico com um "render-se não é uma opção, não está em nosso DNA! Por uma Espanha sem medo!", toca o Hino Nacional. Um rápido show de fogos nas cores do Vox encerra os trabalhos.

"Esse partido representa o futuro e a esperança, recuperou o idealismo", diz, na saída, o técnico comercial Luiz Sánchez, na casa dos 60 anos. "Para mim, não haverá surpresa no domingo. O Vox vai ser a terceira força política deste país."

Entusiasmo compartilhado pelo autônomo Javier Martínez, que foi à Praça de Colón na sexta com a mãe, Amparo.

"Ninguém aqui quer voltar ao franquismo, como acusam nossos críticos. O que desejamos é atacar o nacionalismo catalão, o feminismo radical e a ditadura do politicamente correto, que hoje impede, por exemplo, de fazer qualquer brincadeira com as mulheres", afirma.

Martínez, no entanto, tem dúvidas sobre a viabilidade de se entregar a chefia de governo ao jovem partido. "Acho que ele tem de estar na base de sustentação, para corrigir rumos. Mas talvez ainda seja inexperiente para comandar."

Ou seja, quer deixar o jogador no banco.

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