- Folha de S. Paulo
Ensino domiciliar é como um seguro contra fogo
O ensino domiciliar está longe se ser uma prioridade da educação, área em que não faltam grandes problemas para o governo tentar resolver. Há, ademais, fortes evidências de que a expansão da educação gratuita a jovens, a partir do século 19, foi uma das melhores políticas públicas jamais adotadas.
Também é verdade que o direito de ensinar em casa é, hoje, uma pauta restrita quase que exclusivamente à direita religiosa, que não quer ver seus filhos expostos a ideias que possam contrariar ou questionar seus dogmas. Lamento por essas crianças. Elas foram prejudicadas na loteria cósmica, mas, infelizmente, não há muito o que se possa fazer para mudar isso.
Em termos de arquitetura institucional, porém, é importante que a matrícula numa escola oficial não seja uma obrigação para a qual inexistam válvulas de escape. E não é difícil ver o porquê disso.
Imaginemos que o presidente Jair Bolsonaro tenha sucesso em seus intentos macabros e consiga militarizar todas as escolas da rede pública. Aí, pais que não estejam de acordo com a filosofia governamental e não possuam meios para pagar pelo ensino privado não teriam alternativa que não a de ver seus filhos batendo continência e praticando ordens unidas, o que configuraria clara violação a princípios éticos e até mesmo constitucionais. Basta lembrar que a Carta assegura o direito à objeção de consciência.
O problema é que, no Ocidente, a partir da segunda metade do século 20, apesar de surtos localizados de ditaduras, nos acostumamos a ver Estados que atuam pelo bem-estar do cidadão e nos esquecemos de que eles podem também ser uma formidável força de opressão. Boas instituições levam em conta a possibilidade de retrocesso e nunca eliminam os freios e contrapesos que favorecem a resistência ao oficialismo e às maiorias circunstanciais.
Ensino domiciliar é como um seguro contra fogo. É bom ter a apólice na gaveta e jamais precisar usá-la.
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