- Valor Econômico
Pelos dados da Bloomberg, o Brasil seria o 2º país mais atingido, com redução de 0,32 pontos no PIB
Não sem razão, o impacto do coronavírus no comércio e na economia tem sido motivo de preocupação geral, de este a oeste, ainda que não se projete por enquanto a possibilidade de uma pandemia.
A China, onde tudo começou - ali também surgiu o Sars (Síndrome Respiratória Aguda Severa) em fins de 2002 - é responsável por 17% do PIB global. Ali se origina boa parte das peças e componentes usados por diversos segmentos industriais na montagem e produção em outros países. A paralisação das atividades produtivas em Wuhan, epicentro do novo vírus, já afeta a indústria de carros no Japão e indústria de eletrônicos dos Estados Unidos, por exemplo.
As consequências são previsíveis no curto prazo, uma vez que a China responde por cerca de 20% do fornecimento de peças e componentes em todo o mundo. Só na Ásia, com perspectivas de ser a região mais imediatamente afetada, os componentes chineses são 40% da cadeia de suprimento.
Com 40.645 casos confirmados mundo afora (40.234 em território chinês, incluindo Hong Kong) e 910 óbitos, conforme levantamento até a tarde de ontem, o PIB chinês não deve crescer além dos 5,5% este ano, segundo as últimas estimativas. Seria o nível mais baixo de expansão anual da economia desde o ano 2000.
Surpreendentemente, não se ouve falar no Brasil sobre os efeitos do coronavírus na cadeia produtiva, no comércio externo e, muito menos, no PIB. A Bloomberg Economics alinhou o Brasil na lista de países cujas taxas de crescimento tendem a sofrer algum impacto a partir da interrupção da cadeia de fornecimento de peças e componentes produzidos na China.
Pelos dados da Bloomberg, o Brasil seria o segundo país mais atingido, com uma redução de cerca de 0,32 pontos no PIB, atrás da Coreia do Sul, com 0,408 pontos.
A balança comercial também é outro ponto de vulnerabilidade, na medida em que o Brasil é um dos mais importantes exportadores de commodities para a China. Qual o grau de impacto? Por quanto tempo? Ainda não se sabe.
A rigor, o inesperado surto que rapidamente se transformou em epidemia e mais recentemente ganhou o status de Emergência de Saúde Pública Global por parte da OMS tornou o mundo mais confuso do que já estava e não se pode abstrair o fato de que também o Brasil será afetado. “O coronavírus trouxe dúvidas sobre o nível de crescimento do PIB”, comentou o economista Luiz Roberto Cunha, professor e decano do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio, um especialista em índices.
Na pior das hipóteses, imagina ele, o PIB brasileiro já tem assegurado expansão de 1% este ano (pelo efeito estatístico da média sobre média), a questão é se conseguirá atingir a marca entre 2,5% e 3% que a maioria dos economistas tem projetado para 2020.
“Vivemos hoje em uma combinação confusa de fatores que mistura câmbio, comportamento das cadeias produtivas, hiato do produto (capacidade ociosa da indústria, que tem se mantido alta), exportações, enfim, todo mundo está muito cuidadoso”, atestou Luiz Roberto, na torcida para que a China consiga voltar logo à normalização do seu setor industrial.
No cenário internacional, não deixa de ser também uma incógnita o papel que a evolução positiva da economia americana poderá desempenhar no mundo. Seria o coronavírus um fator de estímulo para a expansão ainda maior dos Estados Unidos, a ponto de confirmar a profecia de Trump?
Nesta conjuntura indecifrável - “não há parâmetros para fazer comparação com o passado e nem para prever o futuro”, nas palavras de Luiz Roberto -uma dose adicional de dúvida se agrega às incertezas com a suspeita de que o coronavírus possa ser transmitido pelo ar, algo que não foi confirmado, mas que tampouco foi descartado.
O fato é que o perigo de pandemia ronda o universo. O economista e ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Lawrence Summers, voltou a falar no estudo que realizou em 2016, com atualização em 2018, sobre o tamanho dos prejuízos de uma pandemia, cujos riscos, segundo ele, são enormes.
O estudo chama-se “Pandemic Risk: How large are the Expected Losses?” (Riscos de Pandemia: Quão Grandes são os Prejuízos Esperados?), assinado por Summers, em conjunto com Victoria Fan e Dean Jamison. Estima que uma gripe pandêmica mataria 720 mil pessoas no mundo, com prejuízo total que poderia chegar a cerca de US$ 500 bilhões, incluindo neste cálculo as vidas perdidas pelo efeito da doença.
Também apurou uma diferença do nível do prejuízo por grupo de países, em função da renda. Para os de alta renda, o impacto de uma pandemia representaria perda de cerca de 0,3%, enquanto que para os de baixa renda média, o prejuízo poderia chegar a 1,6%. O estudo alerta para a necessidade de melhorar a capacidade dos países de se prepararem contra as grandes epidemias e pandemias.
Esse preparo deveria abranger medidas sanitárias de prevenção e contenção, mas também providências de ordem financeira e econômica de modo a minorar o impacto dos potenciais prejuízos. O processo de contaminação do coronavírus é complexo e ainda desconhecido. Faz com que um grupo de azarados viajantes seja mantido confinado em um navio na costa japonesa, sem perspectiva de uma solução à vista. Faz com que uma pessoa se contagie em um congresso realizado em Cingapura e, ato contínuo, infecte os hóspedes de várias nacionalidades em um hotel nos alpes suíços. Isso é o que se sabe até aqui. Outras situações semelhantes podem ser desconhecidas. Milhões de pessoas viajam pela Ásia. Milhões de asiáticos viajam todos os anos para os EUA.
O processo de contaminação parece longo e disruptivo. É preciso que se tenha do governo uma avaliação das consequências possíveis para a economia brasileira.
*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”.
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