- Valor Econômico
Bancada feminina tem uma boa agenda no Congresso
Em outubro de 2019, Melinda Gates publicou na revista Time uma carta aberta prometendo investir US$ 1 bilhão na próxima década em projetos para expandir o poder e a influência das mulheres nos Estados Unidos. A data desse anúncio foi cuidadosamente escolhida: naquele mês completavam-se dois anos do surgimento das primeiras denúncias contra o então todo-poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein, desencadeando um amplo movimento a favor da quebra do silêncio em casos de assédio e agressão sexual.
A hashtag #MeToo viralizou e foi fundamental para a condenação de Weinstein - num primeiro momento pública, e depois judicial - e para a promoção do debate sobre a condição feminina no mercado de trabalho. Depois de se alastrar das redes sociais para a sociedade, o #MeToo está enfrentando uma crise típica dos grandes movimentos populares surgidos nos últimos anos: como vencer a improvisação, a organização difusa e a ausência de lideranças e construir uma agenda de prioridades para obter resultados concretos na melhoria das condições de vida das mulheres?
Melinda Gates entende que a repercussão em torno do #MeToo representa uma janela de oportunidade para alavancar o “ativismo de sofá” numa ação coletiva em prol da igualdade de gêneros. Para isso, pretende usar sua fortuna para fomentar iniciativas voltadas a três prioridades: i) redução das barreiras ao desenvolvimento profissional feminino; ii) estimular a ascensão de mulheres nos setores de tecnologia, mídia e governo, que têm um grande impacto na sociedade e iii) mobilizar acionistas, consumidores e trabalhadores para pressionarem as empresas a se tornarem mais diversas, tanto em termos de gênero quanto de cor.
De acordo com Melinda Gates, há mais CEOs chamados James do que mulheres liderando as 500 maiores empresas nos Estados Unidos. E apesar de representarem 51% da população, apenas 24% das cadeiras no Congresso americano são ocupadas por parlamentares do sexo feminino. No Brasil, a situação é ainda pior: embora tenham melhorado de forma expressiva seu desempenho nas últimas eleições, as mulheres representam apenas 15% da Câmara e do Senado.
Para ter uma ideia de como a bancada feminina no Congresso brasileiro tem pautado as discussões sobre proteção às mulheres e promoção de igualdade de gênero em nosso país, realizei um levantamento de todos os projetos de lei e propostas de emenda à Constituição sobre esse tema apresentados por deputadas e senadoras na atual legislatura.
De 162 proposições analisadas, mais da metade (86) trata de prevenção e combate à violência contra as mulheres. Nossas parlamentares partem do diagnóstico de que os avanços obtidos com a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) ainda são insuficientes. A contar pelo número de propostas, preocupa principalmente a ineficiência das medidas protetivas previstas na legislação atual.
Para combater a recorrência de situações em que o agressor descumpre as determinações judiciais de se manter longe da vítima, deputadas e senadoras sugerem, entre outras ações, monitoramento com tornozeleiras eletrônicas, concessão facilitada de prisão preventiva, majoração do valor da fiança, busca e apreensão de armas de fogo e notificação compulsória às autoridades policiais e judiciais por parte de profissionais da saúde que tenham identificado sinais de violência em suas pacientes.
Um outro grupo de projetos promete atacar o problema da efetividade da Lei Maria da Penha em duas frentes diferentes: de um lado, procurando facilitar o acesso à Justiça das vítimas, com a ampliação dos mecanismos de proteção às autoras e testemunhas nos processos; de outro, elevando as sanções aos agressores, como a imposição do dever de ressarcir despesas do SUS e do INSS com o atendimento aos alvos de sua violência e a vedação de ser nomeado para cargos públicos. Também faz parte da agenda das parlamentares a concessão de benefícios para as mulheres agredidas, como licenças e a possibilidade de movimentar suas contas no FGTS para o custeio de tratamento médico, a fim de se recuperarem dos traumas físicos e psicológicos.
A segunda dimensão com mais projetos na agenda das parlamentares brasileiras diz respeito à maternidade. Tramitam no Poder Legislativo federal propostas para humanizar o acolhimento das gestantes desde o pré-natal, incluindo o direito à opção quanto ao tipo de parto, a prioridade de atendimento e transferência em caso de falta de vagas nos hospitais e a criação de espaços públicos para a amamentação. Também é objeto de sugestão a alteração da legislação para aumentar o período de estabilidade de emprego para as gestantes e a extensão da duração da licença-maternidade para 180 dias para todas as trabalhadoras, abrindo inclusive a possibilidade para que esse prazo seja compartilhado com os pais.
Para promover uma maior igualdade de gêneros no mercado de trabalho, deputadas e senadoras recorrem às cotas para reverter a predominância de homens nos cargos mais altos do setor público e privado, estabelecendo percentuais mínimos para mulheres nos postos de gerência e direção de empresas, entidades da sociedade civil e órgãos públicos. Há ainda iniciativas de desenvolvimento de políticas públicas para apoiar o imenso contingente da população feminina dedicada às atividades de cuidado com familiares que necessitam de atenção especial em função de suas condições de saúde, deficiências ou idade.
Por fim, um número expressivo de proposições procura atacar justamente o fato de possuirmos tão poucas mulheres na política brasileira. Medidas nesse sentido envolvem desde a ampliação do percentual mínimo de candidatas em cada partido (atualmente o patamar é de 30%) ao estabelecimento de critérios mais efetivos para a distribuição dos recursos do fundo partidário, chegando até mesmo à imposição de paridade no número de vagas a serem preenchidas por mulheres e homens nos Legislativos de todo o país.
Há no Congresso Nacional uma pauta extensa de propostas voltadas para a melhoria das condições das mulheres que merece receber mais atenção da sociedade. Estimular uma maior igualdade entre os gêneros deveria mobilizar nossa atenção não apenas em torno do 08 de março. Fica o alerta (for #MeToo).
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
Nenhum comentário:
Postar um comentário