Analistas divergem sobre eventual aumento do investimento público, avaliando que corte de juros, se ocorrer, terá pouco efeito para fortalecer recuperação da atividade
Por Thais Carrança e Anaïs Fernandes | Valor Econômico
SÃO PAULO - Diante da piora do cenário externo com a epidemia de coronavírus e da probabilidade de mais um ano de baixo crescimento, economistas veem com ceticismo o impacto de novos cortes de juros para dar mais gás à retomada, ainda que possa haver espaço para reduções adicionais da Selic.
Há divergências, porém, quanto à conveniência de aumentar o investimento público. Alguns analistas defendem a medida, avaliando que o problema do crescimento no curto prazo é de insuficiência de demanda. E há quem considere não existir nenhum espaço para a política fiscal e que é preciso insistir na agenda de reformas.
Para Gilberto Borça Junior, mestre em Economia pela UFRJ, com a forte queda nos juros e uma dinâmica da dívida menos “maligna”, há fôlego fiscal para o governo brasileiro oferecer algum estímulo à demanda através de investimentos públicos, fazendo frente, no curto e médio prazo, à deterioração do cenário externo e a uma economia doméstica ainda bastante fraca.
Segundo Borça Jr., projeções sugerem que, com a Selic em mínimas históricas, seria possível estabilizar a relação entre a dívida bruta e o Produto Interno Bruto (PIB) com um resultado primário mais baixo - e, eventualmente, até algum déficit. “A taxa de juros caiu tanto que a dinâmica da dívida não é tão maligna assim. Pode valer ter um programa razoável de investimentos em infraestrutura, que deem algum impulso adicional para a atividade se recuperar, já que essa é uma economia que sofre há alguns anos com insuficiência de demanda agregada”, defende.
Ele cita o setor da construção, que sofreu, pelo lado da demanda, com o aperto fiscal do setor público, que investia em infraestrutura, mas também pela oferta, já que grandes empresas do segmento se viram às voltas com os desdobramentos da Operação Lava-Jato. “Para o curto prazo, algum tipo de política para o setor de construção talvez seja um dos caminhos para reativar a economia”, disse.
Na mesma linha, Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o governo deveria adotar uma mudança de estratégia com relação ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da atual redução do banco via devoluções ao Tesouro, para voltar a conceder empréstimos ao setor de infraestrutura. “O governo também pode ampliar o crédito para o setor de construção, que é o único que está respondendo à queda de juros”, diz, sugerindo o uso da Caixa para esse fim.
Marconi avalia que seria desejável também uma ampla renegociação da dívida de empresas e consumidores, mas acredita que esse não é um caminho que será seguido pela atual gestão. Também uma renegociação da dívida dos Estados poderia liberar recursos para investimentos, acredita.
O economista avalia que há espaço para cortes de juros pelo Banco Central, devido à ociosidade do mercado de trabalho e inflação sob controle, mas que um novo afrouxamento monetário é mais relevante para reduzir o custo da dívida pública, abrindo espaço para investimentos, do que para estimular a atividade.
Entre os que não acreditam na via do estímulo ao investimento público está o presidente do Insper, Marcos Lisboa. O economista avalia que são duas as prioridades para o Brasil voltar a crescer com mais força e de maneira sustentável: parar com os ruídos que afetam o país e avançar com as reformas.
“Em primeiro lugar, seria saudável parar com todos esses ruídos que estão contaminando a agenda do país”, diz Lisboa, citando os conflitos entre Executivo e Congresso, as recentes intervenções do Banco Central no mercado de câmbio e falas do ministro da Economia sobre esse tema, que compete à autoridade monetária.
“O segundo ponto é avançar com a agenda de reformas”, afirma o economista. “O Brasil tem problemas estruturais e nossa economia vai continuar com um crescimento medíocre se não fizermos reformas estruturais.”
Para o presidente do Insper, o atual debate sobre baixar ou não os juros diante dos impactos esperados do coronavírus sobre a economia global é uma questão de segunda importância. “Um dos nossos grandes erros de política econômica foi atribuir relevância desproporcional a juros e câmbio”, afirma Lisboa, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda. “A política monetária é só um instrumento para controlar a inflação e permite pequenos ajustes da economia no curto prazo. É só isso, não tem nenhum grande papel além disso.”
Ainda conforme Lisboa, a irresponsabilidade fiscal durante longo período eliminou instrumentos anticíclicos. “Com o não enfrentamento das despesas obrigatórias, o Brasil perdeu instrumentos de política econômica de curto prazo”, afirma. “Temos uma dívida pública alta, despesas obrigatórias altas e um Orçamento totalmente engessado, então se voltar a gastar muito, a dívida volta a subir.”
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também vê com descrença o uso de instrumentos de estímulo à demanda de curto prazo. “O espaço para ampliar o investimento público é zero”, diz Vale. “O governo poderia recorrer à saída não honrosa de capitalização de estatais como no fim do ano passado, mas isso desmoraliza a regra do teto e espero que o governo não o faça.”
Para Vale, o ideal seria aproveitar o momento de instabilidade para fazer avançar a agenda de reformas, com a PEC Emergencial e a tributária como prioridades. Segundo ele, o governo deveria enviar sua proposta para a tributária rapidamente, para tentar fazer a votação na Comissão Mista em dois a três meses e levar a discussão a plenário ainda neste ano. “Essa é a melhor resposta que o governo poderia dar. Ela acalmaria o mercado e traria uma certa tranquilidade olhando para frente”, afirma. “Mas acho difícil acontecer.”
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