- Folha de S. Paulo
Bolsonaro espera que os governadores se saiam mal mas o tiro pode sair pela culatra
O confinamento mandatório tem se generalizado como resposta à Covid-19 e, diferentemente do voluntário, impõe custos importantes às pessoas; seu potencial para a manipulação política é assim elevado. Que efeitos poderão produzir?
A estratégia era clara para Bolsonaro quando introduziu uma clivagem entre confinamento e caos econômico.
Governadores e prefeitos seriam responsabilizados pelo horror sanitário: afinal são os gestores dos serviços de saúde. Por outro lado, caberia ao presidente a responsabilidade pelo colapso da renda e aumento da pobreza. Quanto menos protagonismo no combate à pandemia —um inimigo que ninguém derrota, mas apenas controla danos— melhor.
Essa é a estrutura dual da responsabilização política em nosso arranjo institucional: ela cria papéis distintos para os diferentes atores políticos.
Responsabilizar os atores subnacionais pelo impacto econômico do confinamento é a estratégia dominante: se ele der certo, fica provado que a crise não era tão severa como alegado; se malograr, pode alegar que não daria certo mesmo.
A estratégia, no entanto, malogrou. O comportamento bizarro de Bolsonaro e seus comentários provocaram estarrecimento. Ele hiperpolitizou a questão e arca agora com seus custos junto à opinião pública.
O confinamento, por outro lado, produz efeitos na direção contrária à perseguida: poderá trazer ganhos reputacionais para os governadores e influenciar a visão do eleitorado sobre a confiança nas instituições e na democracia.
Há evidências que esse efeito conhecido no jargão como “rally round the flag” (união de todos contra uma ameaça) esteja ocorrendo nos estados, e não no nível nacional.
O estudo recente “The Effect of Covid-19 Lockdowns on Political Support: Some Good News for Democracy?”, por André Blais e coautores, examina a questão especificamente em relação aos confinamentos no contexto da Covid-19. Os autores baseiam-se em informações de pesquisas realizadas nas semanas anteriores e posteriores à decretação do confinamento, junto a 15 mil entrevistados de 15 diferentes países europeus.
A conclusão é que ele causou um aumento significativo da intenção de voto no partido do primeiro-ministro/presidente e nos níveis de confiança em relação ao governo e de satisfação com a democracia.
As atitudes em relação à clivagem esquerda-direita não se alteraram. Esse efeito é independente e se sobrepõe a já reconhecida lógica partidária da adesão aos confinamentos.
Identifico sinais que algo similar pode estar acontecendo nos estados: o esforço coletivo generalizado contrasta cada vez mais com o papel dissonante do presidente na pandemia.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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