- Valor Econômico
País caminha para número alto de mortes e recessão gravíssima
O cenário para a economia brasileira continua a se deteriorar. Com o ambiente político cada vez mais nebuloso, pioram as perspectivas para a atividade econômica e para as contas públicas, em meio a uma crise de saúde gravíssima. Bancos e consultorias seguem o ritual de redução das estimativas para o desempenho do PIB em 2020, e a avaliação crescente é que a recuperação depois do tombo será lenta. Retrações de 6% a 7% aparecem em várias projeções.
Na saúde e na economia, o Brasil parece caminhar para o pior dos mundos, devido à falta de coordenação na resposta à pandemia da covid-19, com a insistência do presidente Jair Bolsonaro em afrouxar o isolamento social, na esperança de acelerar a retomada da atividade.
O quadro é de um número elevadíssimo de casos e mortos pela covid-19, aliado a um mergulho da atividade econômica no segundo trimestre e, tudo indica, por uma retomada vagarosa. A incerteza é enorme, num país em que é raro passar um dia sem uma nova crise ou ruído político desnecessário. Não há nenhuma previsibilidade, o que tira a segurança para as decisões de consumo e investimento.
Em meio à grave crise na saúde, Bolsonaro provocou a saída de dois ministros da área em menos de um mês, insistindo em contrariar as prescrições dos especialistas e trombando com governadores e prefeitos. Essa resposta desastrada ao problema sanitário afeta a imagem do país, prejudicando o investimento.
Em entrevista à repórter Marli Olmos, do Valor, o presidente da Mercedes-Benz no Brasil e América Latina, Philipp Schiemer, destacou a falta de confiança que o Brasil desperta pela ausência de coordenação para enfrentar a pandemia. “Em poucos meses, o Brasil perdeu a credibilidade que havia conquistado com as reformas trabalhista e previdenciária”, disse Schiemer, para quem a falta de articulação entre o governo federal, Estados e municípios vai atrasar a recuperação da economia. “A confiança do consumidor só vai voltar se a crise da saúde for controlada”, resumiu ele, em entrevista publicada na sexta-feira.
No exterior, a saída do segundo ministro da Saúde em menos de 30 dias também chama a atenção. Ao comentar o episódio no Twitter, o presidente da consultoria de risco político Eurasia Group, Ian Bremmer, disse que Bolsonaro é “de longe o líder mais incompetente numa democracia em sua resposta ao coronavírus”. A imagem de inépcia do presidente brasileiro nas ações de combate à doença se soma à percepção negativa no exterior sobre a política ambiental e a política externa do governo brasileiro. São fatores que contribuem para afastar o investidor estrangeiro do país.
A saída de Sergio Moro do governo há algumas semanas deflagrou uma grande crise política, com as denúncias do ex-ministro de que Bolsonaro queria interferir na Polícia Federal. Esse elemento de instabilidade tem pesado nos preços dos ativos brasileiros. O real sofre forte desvalorização, com o dólar perto de R$ 6. A consultoria Capital Economics estima que a crise política no Brasil já resulta num prêmio adicional de 0,5 ponto percentual na diferença entre as taxas dos títulos da dívida externa brasileira e dos papéis do Tesouro americano. Como as tensões entre o presidente e o Judiciário e o Legislativo não parecem próximas do fim, o risco político deve permanece elevado.
Isso contribui para nublar ainda mais as perspectivas para a economia brasileira, já bastante negativas. Na sexta-feira, o BTG Pactual revisou a sua estimativa para o PIB de 2020, cortando a projeção de um recuo de 4% para um tombo de 7%. O banco diz que o primeiro trimestre foi ruim e o segundo trimestre será ainda pior - indicadores de abril mostraram que o impacto das medidas de isolamento social é maior do que os analistas imaginavam. Com isso, o BTG Pactual passou a projetar no segundo trimestre um mergulho do PIB de 14,6% em relação ao trimestre anterior - a previsão anterior era de recuo de 6,8%. Na visão do banco, a duração das medidas de distanciamento continuam “altamente incertas, uma vez que não há ainda nenhum sinal de que a epidemia vai se estabilizar no Brasil”. Tampouco há clareza sobre o ritmo da recuperação quando o isolamento social terminar aqui e no exterior, avalia o BTG Pactual.
Para combater os efeitos da pandemia, a avaliação dominante é que é preciso tomar medidas fortes para tentar proteger a renda de famílias e empresas. Uma expansão de gastos é necessária e inevitável, ainda que o Brasil parta de uma posição fiscal ainda delicada. O problema é que temores quanto à sustentabilidade de longo prazo das contas públicas voltaram a surgir. A falta de coordenação política do governo, num ambiente de fortes pressões por aumentos de gastos, reacende a luz amarela em relação ao quadro fiscal. Na virada do ano, a reforma da Previdência e a expectativa de juros baixos por um longo tempo haviam melhorado a percepção de solvência das contas públicas, mas o panorama atual começa a inquietar alguns especialistas.
No começo do mês, o Congresso aprovou projeto de ajuda a Estados e municípios que permite o reajuste de salários de funcionários públicos mesmo em meio à pandemia. Bolsonaro acenou com o veto, mas, depois de se reunir com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na quinta-feira, há incerteza a respeito do que fará. O BTG Pactual estima que o déficit primário neste ano atingirá R$ 940 bilhões, o equivalente a 13,5% do PIB - em 2019, o rombo ficou em 0,9% do PIB. Para a dívida bruta, a expectativa é de um salto para 96,3% do PIB, muito acima dos 75,8% do PIB do ano passado. Para 2021, o banco projeta déficit primário de 3,5% do PIB e endividamento de 96,9% do PIB.
O relatório do banco lembra que a magnitude do déficit primário é proporcional ao tamanho da recessão e à duração das medidas de combate aos efeitos da crise do coronavírus, com uma reforçando a outra e amplificando o impacto sobre as contas fiscais. “Quanto maior a recessão e os seus efeitos econômicos em termos de perda de riqueza, em especial no mercado de trabalho, maior serão as demandas para estender os programas de ajuda do governo”, diz o BTG Pactual. Ainda que temporárias, as medidas deste ano poderão ampliar o ônus fiscal a ser resolvido no pós-crise, avalia o banco.
Com o país à deriva, sem uma estratégia definida de combate à pandemia e com Bolsonaro envolvido em sucessivas crises, o risco de a economia ter uma recessão muito forte e uma recuperação fraca é crescente. Isso torna especialmente difíceis as perspectivas para o emprego, além de piorar o cenário fiscal, pelo efeito sobre a arrecadação.
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