segunda-feira, 8 de junho de 2020

*Marcus André Melo - Bolhas ideológicas?

- Folha de S. Paulo

É mais fácil deparar-se com informação contrária online que off-line

Entre fevereiro e março deste ano ocorreu um incremento gigantesco (24,4%) no tráfego do Twitter, equivalente a 1 bilhão de novos acessos. No Facebook, o incremento foi de 20,6% (4,3 bilhões de novas visitas).

São grandes as expectativas de que essa intensa digitalização afete a política, polarizando-a ainda mais. Elas assentam-se em processos de exposição seletiva à informação que levariam à formação de bolhas digitais. O viés de autosseleção impediria assim a exposição à informação contrária fazendo que as bolhas operem como câmaras de eco. As evidências sobre essas questões, contudo, são controversas.

O incremento citado, por exemplo, levou a uma explosão no acesso aos jornais mainstream nos EUA—o ao New York Times aumentou em mais de 50%— enquanto o dos blogs partidários não se alterou.

Em relação às bolhas, o gigantesco esforço de mapeamento por Joshua Tucker (Universidade de Nova York) e coautores tampouco corrobora o argumento padrão. Os autores investigam o tamanho das bolhas nos EUA em pesquisa com 1.500 usuários do Twitter que também forneceram acesso às 642 mil contas que seguem e aos 1,2 bilhão (sim, o número é estonteante) de tuítes que elas contêm. Os autores estimam a distribuição ideológica das contas com base em seus seguidores e tuítes que recebem e desagregaram as contas de políticos, veículos de mídia e público em geral.

O estudo detecta forte segmentação e apatia: 40% dos usuários não seguem contas de veículos de mídia, e 53% não seguem contas de políticos. Mas uma minoria hiperativa, nos extremos ideológicos, à esquerda e à direita, segue mais de 11 contas de mídia (18%) ou de políticos (7%). Liberais seguem veículos de mídia liberais e conservadores seguem veículos conservadores, porém há grande sobreposição ideológica entre os quintis da distribuição ideológica. O mesmo ocorre em relação a políticos e os tuítes recebidos.

Para cada duas pessoas escolhidas ao acaso, mais da metade das contas que elas seguem vem do mesmo espectro ideológico. Contudo a sobreposição ideológica entre tuítes recebidos pelos quintil (os 20%) mais conservador e o mais liberal chega a 44%. Para contas seguidas, ela chega a 71%.

Há também um efeito moderador no comportamento offline: dentre os 61% dos usuários conservadores que não acessavam veículos mais à esquerda como o New York Times, 45% assistiam ao noticiário televisivo em redes mais à esquerda, como a MSNBC. A bolha conservadora que consome veículos conservadores offline e online é estimada em apenas 24%.

Assim é mais fácil alguém se deparar com informação contrária as suas posições online do que offline.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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