segunda-feira, 8 de junho de 2020

Rio e São Paulo têm maiores atos antirracismo e contra governo Bolsonaro

Protestos a favor do presidente também foram registrados nas duas cidades e em Brasília, mas reuniram menor número de manifestantes

Bruno Marinho, Guilherme Caetano, Bruno Góes, Leonardo Sodré e Victor Farias | O Globo

RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA — As cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo concentram as maiores manifestações antirracismo e contra o governo do presidente Jair Bolsonaro registradas na tarde deste domingo. Também foram feitos protestos neste domingo com "panelaços" e "buzinaços" em diversas capitais contra o presidente. Na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, um protesto contra o racismo toma uma pista lateral da via. Organizado por coletivos e movimentos de comunidades do Rio, a manifestação gritou palavras de ordem contra a morte de pessoas negras no país em ações policiais. Em São Paulo, os manifestantes se concentraram no Largo da Batata, na região Oeste da capital paulista. O ato foi convocado por organizações de esquerda, como a Frente Povo Sem Medo, lideranças de torcidas organizadas e coletivos do movimento negro.

No ato do Rio, a polícia militar e o presidente Jair Bolsonaro foram os principais alvos dos manifestantes, que lembraram também a morte da vereadora Marielle Franco, em março de 2018. O assassinato do adolescente João Pedro, em São Gonçalo, durante operação policial na comunidade do Salgueiro, também foi muito reclamada pelos protestantes.

A concentração do protesto começou na altura do monumento à Zumbi dos Palmares, um dos maiores ícones do movimento negro no país, por volta das 14h. Cercada por um forte contingente de segurança, ela caminhou até a Igreja da Candelária sem incidentes. A polícia militar, formada por homens do Batalhão de Choque e do Batalhão Especial de Policiamento em Estádios, restringiu o grupo à faixa lateral da avenida e revistou manifestantes. Há relatos de pessoas que foram detidas ao chegarem ao protesto.

Em São Paulo, cartazes, bandeiras e cantos entoados na grande praça no bairro de Pinheiros tratavam de pautas diversas. Sobressaíram-se as críticas ao descaso do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus, a medidas consideradas autoritárias pelo presidente Jair Bolsonaro e a mortes de pessoas negras causadas pela polícia.

O protesto encheu o largo e frustrou a tentativa dos organizadores de manter o distanciamento de pelo menos um metro entre os manifestantes, para evitar a infecção pelo novo coronavírus. Ainda assim, os organizadores promoveram uma brigada de saúde, com dezenas de voluntários, que percorreram o local distribuindo álcool em gel e cartilhas ensinando a "lutar contra o fascismo em tempos de Covid", com orientações de higiene.

Lideranças do movimento negro e de grupos de esquerda marcaram presença. O ex-presidenciável Guilherme Boulos discursou de cima do carro de som do grupo Democracia Corinthiana.

– Vocês acompanharam a polêmica da última semana, se era para vir ou não ao ato por causa da pandemia. Mas a divisão não é entre quem veio e quem não veio. A divisão é quem está do lado da democracia e quem está com o fascismo – discursou Boulos.

Outro a discursar foi Emerson Osasco, que ganhou notoriedade após participar do protesto na semana passada na Avenida Paulista. Ele é diretor e conselheiro da torcida corintiana Gaviões da Fiel e uma das lideranças à frente das últimas manifestações contra Bolsonaro.

No mesmo carro de som, ele citou George Floyd, morto pela polícia americana, no episódio que incendiou protestos antirracistas pelo mundo.

- A gente não pode nacionalizar a morte dos negros. Se mexeu com um, em qualquer lugar do mundo, mexeu com todos. Eles podem nos perseguir, mas não vão nos calar - afirmou Osasco.

Movimentos sociais e estudantes, além de partidos políticos como a recém-criada UP (Unidade Popular), PSOL e PSTU, estiveram presentes.
Por volta das 15h30, uma via inteira da avenida Brigadeiro Faria Lima, sentido norte-sul, estava tomada. Faixas pedindo "Fora, Bolsonaro" foram estendidas na rua. O ato foi encerrado por volta das 16h30.

Um princípio de confusão ocorreu durante a dispersão. Um manifestante se desgarrou do grupo que caminhava numa das principais vias do bairro de Pinheiros e quebrou uma porta de vidro de uma agência bancária. As lideranças do movimento correram em direção ao manifestante para impedir que ele continuasse a depredar a agência.

Atos simultâneos em Brasília
Mais cedo, manifestantes ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em dois atos simultâneos. Um grupo se posicionava a favor da democracia e contra o governo Bolsonaro, além de defenderem o Sistema Único de Saúde (SUS) e criticarem a morte de pessoas negras. O outro movimento tinha como objetivo defender o presidente. O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A concentração começou às 9h em frente à Biblioteca Nacional, a poucos quilômetros do Palácio do Planalto. Em meio à pandemia do coronavírus, os grupos usaram máscaras, porém, a despeito das recomedações das autoridades sanitárias, foram registradas aglomerações. Além de cartazes criticando Bolsonaro, os manifestantes gritavam pela sua saída da Presidência da República. Uma faixa defendia: "Todos pela democracia". Os manifestantes também cantavam músicas como "ai, ai, ai, empurra o Bozo que ele cai".

Um grupo de enfermeiros carregou cruzes em homenagem aos colegas que morreram no combate à Covid-19. Eles também pediam mais investimento no SUS. A exemplo dos protestos ocorridos na semana passada no Rio de Janeiro e em São Paulo, torcidas organizadas de times de futebol participaram do ato.

Neste domingo, em menor número, os defensores do presidente também fizeram ato na Esplanada. Eles rezaram pelo país e sustentavam uma bandeira de Israel. Em um carro de som, os apoiadores do presidente gritavam "Bolsonaro 2022".

Em Brasília, os dois grupos foram separados pela Polícia Militar. Um largo canteiro central também os dividiu. O acesso à Praça dos Três Poderes ficou fechado. Os organizadores dos dois movimentos pediam que os manifestantes não entrassem em brigas.

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, esteve na Esplanada. Pelo Twitter, ele disse que não participou dos movimentos. "Fui à Esplanada dos Ministérios agradecer aos integrantes das Forças de Segurança, pelo trabalho abnegado e competente que realizam, em prol de manifestações pacíficas. É atitude de camaradagem, comum entre nós, militares", escreveu.

Depois da dispersão dos protestos, apoiadores de Bolsonaro foram à Praça dos Três Poderes. O acesso ao local foi liberado pela Polícia Militar do DF. Lá, manifestantes carregavam faixas contra o STF e o Congresso. Mensagens como "intervenção militar com Bolsonaro no poder presidente"; "fim dos comunistas no poder e no STF"; e "a favor dos 3 poderes: Exército, Marinha e Aeronáutica" foram exibidas. Em um palanque, bolsonaristas discursaram contra a investigação sobre Fake News. Segundo um deles, "a ditadura já foi instaurada". Outra manifestante saudou a presença de "lutadores de MMA" que participaram do ato para "proteger" aliados de Bolsonaro.

Copacabana
Pela manhã, a Praia de Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, também reuniu grupos contra e a favor ao governo. Os manifestantes com críticas ao presidente se concentram no posto 4 da orla com faixas pedindo justiça pela morte da deputada Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Já os apoiadores, vestindo camisetas e portando bandeiras do Brasil, se concentram no posto 5. Lutadores de academia acompanharam o ato a favor do governo e insultaram manifestantes da oposição. Eles tentaram se aproximar do grupo no posto 4, mas foram impedidos pela Polícia Militar.

A maioria dos jovens que se manifestaoucontra o presidente afirmou participar do movimento antifascista e eram integrantes da Casa Nem, que acolhe a comunidade LGBTQ+ em vulnerabilidade.

— Estamos aqui para mostrar que aqui em Copacabana as vidas negras e LGBTQ+ importam. Essa é uma causa urgente — disse uma das líderes, Indianara Siqueira.

Muitos agentes do grupamento de Rodas especiais e Controle de Multidões (Recom) faziam o policiamento na orla. No Posto 4, um deles solicitou os documentos de todos os participantes do ato antifascista.

Mais inflamado e em número maior, o ato de apoio ao presidente Jair Bolsonaro integrou a Marcha da Família pró Bolsonaro com Deus. Eles gritavam palavras de ordem contra o comunismo e o governador do Rio, Wilson Witzel. Diversos lutadores de academias participaram do movimento e foram orientados a tomarem a dianteira durante a caminhada. Uma das faixas que carregavam dizia "queremos outro STF".

— Democracia é respeitar o voto e estamos aqui para mostrar que queremos que nosso voto seja respeitado — disse uma das integrantes do movimento, que não quis se identificar para a equipe do GLOBO.

Os polícias que estavam no local se posicionaram em barreira, impedindo que o grupo seguisse em direção ao outro protesto. Eles se dispersaram e uma parte seguiu em direção ao Arpoador. Mesmo assim, cinco lutadores foram até o Posto 4 para insultar os participantes do protesto de oposição, mas não chegaram perto devido a grande quantidade de policiais. Um homem com uma câmera que acompanhava esse grupo e não quis se identificar fez fotos dos fotógrafos e repórteres da imprensa. Ainda durante os protestos, agentes da Recom pediram a documentação de pelo menos três profissionais da imprensa.

Avenida Paulista
A Avenida Paulista, em São Paulo, amanheceu repleta de policiais, mas sem manifestantes. Na semana passada, o endereço – um dos símbolos da capital paulista – foi palco de confronto entre grupos antagônicos. Por conta de uma decisão da Justiça, os grupos contrários ao governo Jair Bolsonaro decidiram fazer sua manifestação no início da tarde deste domingo, em outro endereço da capital, deixando a Avenida Paulista para os apoiadores do presidente.

O ato pró-Bolsonaro estava previsto para ter início às 11h. Uma grande quantidade de policiais e viaturas foram mobilizados por precaução. Por volta das 12h30, um grupo de aproximadamente 40 pessoas, identificados como "Damas de Aço", se reuniu perto da sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Raquel Rezende, uma das lideranças, afirmou ser defensora do "ato patriótico".

No entorno do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na mesma avenida, policiais revistavam pedestres. As estações de metrô permaneceram abertas, e a ciclovia tinha movimento intenso. De uma ponta à outra da avenida, policiais montados a cavalo patrulhavam as ruas.

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