- Folha de S. Paulo
Os democratas da Ucrânia precisam tentar uma Lava Jato que não acabe em Bolsonaro
O primeiro projeto claro de privatização desse governo parece ser a privatização do golpe. Na última sexta-feira, em uma inauguração em Goiás, Bolsonaro defendeu zerar o imposto de importação de armamentos e disse por que vai fazer isso: “É uma boa medida que vai ajudar a todo o pessoal dos artigos 142 e 144 da nossa Constituição”.
Como se sabe, o submundo do crime bolsonarista mente que o artigo 142 da Constituição autoriza uma intervenção militar.
Armar golpistas é parte do plano de “ucranizar” o Brasil, termo que os bolsonaristas usam para defender conflitos de rua como os que se seguiram às manifestações de 2013-2014 na Ucrânia.
Uma matéria do Washington Post de 30 de outubro de 2019 indicava a preocupação das autoridades americanas com o fluxo de extremistas de direita que iam lutar na do leste da Ucrânia para adquirir experiência de combate.
Em 2016, a polícia gaúcha descobriu que neonazistas estavam recrutando brasileiros para lutar contra a Rússia no infame Batalhão Azov, onde a infiltração neonazista era forte.
Nas últimas manifestações bolsonaristas havia bandeiras ucranianas. No caso da bandeira azul e amarela com o tridente do príncipe Vladimir, alguém poderia dizer que era só a bandeira de um país com seu brasão sobreposto. Mas, mesmo se for, o que ela está fazendo em uma manifestação brasileira? A bandeira de Cuba em uma manifestação de esquerda é só uma bandeira caribenha ou é um manifesto?
A Ucrânia poderia simbolizar várias coisas, mas, em caso de dúvida, os manifestantes também carregavam a bandeira vermelha e preta usada pela facção de extrema-direita ucraniana Pravy Sektor (“Setor Direito”), envolvida nos violentos conflitos de rua de 2014.
A tentativa de formar milícias bolsonaristas é sinal de que Bolsonaro não conta com o apoio do comando das Forças Armadas para tentar seu golpe. Vejam só o que conta como boa notícia no Brasil de hoje.
Mesmo assim, os militantes armados podem acirrar o conflito nas ruas para forçar uma intervenção militar “artigo 142” ou para tentar entusiasmar golpistas no Exército dispostos a desertar.
A radicalização de rua também acontece ao mesmo tempo em que Bolsonaro entrega o Orçamento federal aos políticos mais corruptos de Brasília. Na interpretação otimista, está fomentando (e armando) a radicalização para desviar atenção dessas transações e, de novo, veja o que é a interpretação otimista no Brasil de Bolsonaro.
Na interpretação pessimista, o centrão está sendo comprado para eleger um sucessor de Rodrigo Maia que ajude a mesma escalada autoritária que as milícias defenderão nas ruas.
A propósito, a Ucrânia, como o Brasil, vem tentando consolidar sua democracia, e não tem nada a ver com as maluquices de Bolsonaro.
Desde a revolta de 2014, sua posição no ranking da Transparência Internacional (126º), que lista os países segundo a percepção de corrupção (dos menos corruptos para os mais corruptos) melhorou, mas ainda é pior que a do Brasil (106º), mesmo com a piora de percepção brasileira após as revelações da Lava Jato.
Não somos nós que precisamos copiar os extremistas ucranianos, os democratas de lá é que precisam tentar uma Lava Jato que não acabe em Bolsonaro.
*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)
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