segunda-feira, 8 de junho de 2020

Sinais positivos, mas ainda com grandes incertezas – Editorial | Valor Econômico

Se voltarmos à situação de abril, o “fundo do poço” ainda estaria por vir

Na semana passada, a Receita Federal apresentou um dado alentador, em meio a essa enxurrada de notícias ruins ligadas à pandemia do coronavírus. Com base nas notas fiscais eletrônicas, o fisco informou que as vendas apresentaram, em maio, um aumento de 11,1%, na comparação com abril, em decorrência das medidas de estímulo econômico, adotadas pelo governo. O crescimento ocorreu em todas as regiões do país.

Há uma queda significativa, explica a Receita, quando os resultados de abril e maio são comparados com os mesmos meses de 2019. Ou seja, as medidas de isolamento para reduzir o contágio da população pelo novo coronavírus derrubaram as vendas, como era esperado.

Mas, o que os dados divulgados parecem sugerir é que o mês de abril deste ano pode ter sido “o fundo do poço”. O secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, disse ao Valor que os dados do início de junho indicam que a trajetória ascendente das vendas continua.

Ainda é cedo para afirmar que existe uma tendência de alta e em que intensidade ela está ocorrendo, pois é necessário esperar os resultados finais de junho e julho. Mas os dados da Receita parecem em linha com outros indicadores, que mostram uma certa reação da economia no mês passado, na comparação com abril.

Os dados divulgados recentemente pela Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) apontaram para uma alta de 11,06% nas vendas de veículos em maio, em relação a abril. O quadro é dramático, pois, mesmo com essa recuperação, as vendas no mês passado apresentaram uma queda de 71,98% na comparação com maio de 2019.

A demanda total por voos da Gol Linhas Aéreas cresceu 5% e a oferta subiu 12% em maio, na comparação o mês anterior. Quando comparada com o resultado de maio de 2019, a demanda total caiu 93,7%.

Diante destes e outros indicadores, o governo comemora o fato de que o pior da crise não aconteceu em maio, como alguns economistas chegaram a prever. Ao contrário, a atividade econômica deu sinais de certa reação no mês passado.

É preciso, no entanto, avaliar os números com cuidado, pois muitos obstáculos ainda estão no caminho de uma recuperação consistente da economia. Na semana passada, este jornal informou que as dez maiores varejistas de capital aberto no país aumentaram em quase 40% as provisões em seus balanços para devedores duvidosos. Isto mostra o receio dos varejistas com eventuais calotes dos consumidores e eles estão adotando uma atitude preventiva.

Também foi noticiado pelo Valor que os pedidos de recuperação judicial subiram 68,6% de abril para maio e as falências, 30%. Os pedidos de recuperação levantados pela Boa Vista mostram a prevalência de pequenas empresas (94,8% do total) e do setor de serviços (55,6%). A consultoria Pantalica Partners estima em três mil as companhias que deverão pedir recuperação judicial, caso se confirme queda de 6% do Produto Interno Bruto neste ano.

Há ainda a expectativa de aumento do desemprego e também sobre a continuidade das medidas de estímulo. Se elas terminarem antes da recuperação da atividade, a renda cairá mais ainda, com repercussão negativa sobre o consumo das famílias. A atividade econômica poderá se estabilizar em um patamar muito baixo.

O cenário de indefinição aumenta quando vários epidemiologistas conceituados afirmam que a reabertura da economia está sendo feita de forma precipitada, pois algumas regiões do país ainda não atingiram o pico da contaminação. Na noite de quinta-feira, o Ministério da Saúde informou que o Brasil tinha registrado um total de 34.021 mortes pelo coronavírus, com 1.473 novos óbitos registrados nas últimas 24 horas, e 614.941 casos confirmados. Mais mortes em um único dia que nos Estados Unidos, até então o epicentro da pandemia.

Vários economistas já alertaram que uma reabertura precipitada poderá levar a novo isolamento social, abortando este princípio de retomada. Este fenômeno já foi observado em outros países, como foi o caso do vizinho Chile. Se os devidos cuidados não forem tomados pelas autoridades brasileiras, poderemos, infelizmente, voltar à situação de abril. Neste caso, o “fundo do poço” ainda estaria por vir.

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