domingo, 30 de agosto de 2020

Hélio Schwartsman - A arte de envenenar

- Folha de S. Paulo

Por aqui prefere-se a arma de fogo; na Rússia, o envenenamento

Aqui nas Américas, a gente nem pestaneja. Se você quer eliminar um desafeto, a etiqueta praticamente obriga ao uso de uma arma de fogo, mas outros povos têm outras preferências. Os russos, por exemplo, gostam de venenos. A vítima mais recente, o blogueiro oposicionista Alexei Navalni, que segue internado num hospital de Berlim, foi, ao que tudo indica, submetido a altas doses de um inibidor de colinesterase.

Qual tradição é melhor? Difícil dizer, mas, se você se interessa pelo assunto, uma boa pedida é "The Royal Art of Poison" (a real arte de envenenar), de Eleanor Herman. Durante a maior parte da história da Europa, sempre que um membro de família real ou da elite política morria jovem, a suspeita de envenenamento se impunha. Algumas vezes, a morte era mesmo obra de um rival. Os italianos eram proverbialmente bons nisso. Florença e Veneza tinham fábricas estatais para desenvolver venenos e antídotos, que testavam em prisioneiros.

Os envenenamentos acidentais, contudo, também eram frequentes. É que a realeza se valia de uma série de produtos, especialmente cosméticos e remédios, feitos à base de metais pesados, que, no longo prazo, intoxicavam os usuários. As precárias condições de higiene também favoreciam o surgimento de doenças com sintomas semelhantes ao de envenenamento.

Em algumas cortes, a paranoia era tanta que se contratavam exércitos de provadores de comida e bebida e testadores de roupas e lençóis, além de médicos especializados em autópsias. Esses médicos até eram capazes de distinguir alguns quadros de envenenamento dos de morte natural, mas sempre diziam que não havia sinais de dolo. Afinal, se estavam realizando uma autópsia real, isso significava que o poder havia mudado de mãos.

Putin e os serviços de inteligência russos têm seu próprio capítulo no livro, que é de 2018, mas está ficando perigosamente desatualizado.

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