- O Globo
Ao assumir o governo do Rio, Wilson Witzel anunciou que era “chegada a hora de libertar o estado da irresponsabilidade e da corrupção”. Um ano e oito meses depois, chegou a hora de o estado se libertar dele. O ex-juiz foi afastado do cargo, acusado de comandar uma organização criminosa no Palácio Guanabara.
A decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, situou Witzel no topo de uma quadrilha que embolsava verbas da saúde. Segundo o Ministério Público, “o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia”. O ex-secretário Edmar Santos, preso em julho, delatou o chefe e os comparsas.
Os investigadores afirmam que a quadrilha fraudou compras de respiradores e contratos com organizações sociais. Os resultados foram visíveis: o governo prometeu construir sete hospitais de campanha, mas só inaugurou dois. O Rio já perdeu 16 mil vidas para o coronavírus.
Eleito com discurso moralista, o ex-juiz foi acusado de replicar o esquema que levou Sérgio Cabral para a cadeia. O procurador Eduardo El Hage, que investigou os dois governadores, disse ter se sentido num “túnel do tempo”. O enredo se repetiu em detalhes, incluindo a lavagem de dinheiro no escritório de advocacia da primeira-dama.
Witzel era um ilustre desconhecido quando deixou a magistratura para se candidatar ao governo. Permaneceu anônimo até a reta final da campanha, quando a pregação a favor das armas o ajudou a surfar a onda bolsonarista. Sem uma única sentença relevante, ele usou o título de juiz para posar de vestal. A propaganda era tão falsa quanto o diploma de Harvard que ostentava no currículo.
Megalômano, o doutor mal se instalou no Guanabara e já passou a sonhar com o Planalto. A ambição fez ruir a dobradinha com Jair Bolsonaro, que só pensa na reeleição. Agora o presidente comemora a desgraça do ex-aliado, embora seus filhos também estejam enrolados em transações com dinheiro vivo.
Preso na sexta-feira, o notório Pastor Everaldo ajudou a unir a dupla de farsantes. Em 2016, ele batizou Bolsonaro no Rio Jordão, num ritual encenado para atrair o eleitorado evangélico. Dois anos depois, abençoou a candidatura de Witzel, que buscava uma legenda de aluguel para entrar na política.
O ex-juiz já estava prestes a ser cassado pela Assembleia Legistativa. Com a posse de Cláudio Castro como governador em exercício, a conclusão do processo de impeachment tende a se tornar uma mera formalidade. O mandato de Witzel, o Breve, parece causa perdida. Agora seu desafio é permanecer solto, enquanto operadores e ex-secretários amargam os primeiros dias no xadrez.
Na sexta, o ex-juiz celebrou o fato de ainda poder dormir no Palácio Laranjeiras, onde já foi acordado duas vezes pela polícia. “Não fui despejado”, festejou. Quando for instado a mudar de endereço, ele poderá levar uma recordação: a patética faixa azul e branca que mandou confeccionar para a própria posse.
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