Valor Econômico
Caminho que as eleições têm tomado, com
muita raiva e ódio, não deve ajudar a economia e tende a reduzir o nível de
felicidade do país
Lilyhammer é uma de minhas séries favoritas
na TV. Ambientada na Noruega, ela mostra uma cultura que conhecemos pouco, de
bastante confiança entre as pessoas e nas instituições. Verdade que com muita
“criminalidade” também, a parte engraçada da série, e um bocado de neve: para
alguém que, como eu, não gosta de frio, nem de dias escuros, dá arrepios.
Talvez por isso, me impressione tanto a
liderança dos países nórdicos no World Happiness Report publicado esta semana (worldhappi ness.report/).
A Finlândia aparece mais uma vez como o país mais feliz dentre os 146 países
analisados, seguida pela Dinamarca e Islândia. A Suécia e Noruega estão na
sétima e na oitava posições, respectivamente. O Brasil aparece relativamente
bem, na 38ª colocação.
Nesta sua décima edição, o relatório busca aprofundar uma série de questões sobre o tema da felicidade, inclusive a permanente pergunta sobre o que faz as pessoas felizes. Dois temas mais relacionados à economia me pareceram especialmente interessantes: a felicidade como alternativa ao PIB, enquanto métrica de progresso, e como foco das políticas públicas, em lugar do crescimento econômico.
Utilizei o Relatório sobre a Felicidade
Mundial pela primeira vez no início de 2020, tentando entender o porquê dos
protestos ocorridos em 2019 na América Latina, em especial no Chile, na
Colômbia, na Bolívia e no Peru. A explicação mais comum era então a
desaceleração do crescimento econômico, com o fim do super ciclo de
commodities. Ocorre que os países que mais contribuíram para o PIB da região
crescer menos - Argentina, Brasil e Venezuela - não eram aqueles onde havia
protestos.
De fato, os países com mais manifestações
vinham tendo desempenho econômico acima da média. Nos 20 anos anteriores, os
PIBs per capita de Bolívia, Chile, Colômbia e Peru haviam crescido a uma média
de 2,3%, 2,5%, 2,2% e 3,4% ao ano (a.a.), respectivamente, contra uma média
para a América Latina e Caribe de 1,2% a.a. No decênio 2009-18, o contraste
fora ainda maior: essas taxas haviam sido de 3,2%, 1,8%, 2,3% e 3,2% a.a.,
contra uma média regional de 0,6% a.a.
O Chile é, talvez, o melhor exemplo. O PIB
per capita chileno é 61% mais alto que a média da região. O país se
caracterizou nas últimas décadas pela boa gestão macroeconômica, com inflação
(média de 2,7% a.a. em 2009-18), taxa de desemprego (7,3%) e déficits público
(1,3% do PIB) e em conta corrente (2,5% do PIB) relativamente baixos. Ainda
assim, o Chile viveu um longo período de violentos protestos, que só diminuíram
com a decisão de se votar uma nova constituição (a ser submetida neste domingo
a plebiscito) e uma radical mudança de governo. Mudanças políticas radicais
também ocorreram na Bolívia, na Colômbia e no Peru.
A explicação que o Relatório daria, talvez,
é que as pessoas nesses países não estão felizes. O Chile, apesar de uma renda
per capita 65% superior à brasileira, está seis posições atrás de nós no ranking.
A Colômbia tem PIB per capita um pouco superior ao nosso, mas está 28 posições
atrás. A mesma explicação talvez se aplique também à polarização política em
países ricos como os Estados Unidos, que ocupa a 16ª posição no ranking, apesar
de ter PIB per capita superior ao de todos os dez primeiros colocados, com
exceção da Suíça e de Luxemburgo.
Medir felicidade é, claro, difícil. O
Relatório faz isso desde seu início por meio de pesquisas realizadas pela
Gallup com habitantes de cada país; em geral, cerca de mil entrevistas por país
por ano. Há um esforço de correlacionar os resultados com uma série de
variáveis, concluindo-se pela importância da renda, do apoio social, da saúde
(expectativa de vida), da liberdade de fazer escolhas, da ausência de corrupção
e da generosidade. Assim, por exemplo, apesar da renda mais alta, os EUA têm
uma expectativa de vida mais baixa que todos os dez primeiros colocados no
ranking: na média, 7% menor no caso de homens, 5% no de mulheres. E nos EUA a
expectativa de vida está em queda (ver on.ft.com/3B5vZrr), ao contrário da renda.
Ao aceitar a felicidade como uma métrica
alternativa ao crescimento econômico, chega-se a um cardápio mais amplo de
políticas públicas a serem enfatizadas. Esse não é, porém, o foco central do
Relatório. Mais interessante, nesse sentido, é o esforço que a OCDE tem feito
com os indicadores do Better Life (www.oecdbetterlifeindex.org/).
Na lista de indicadores aí considerados estão alguns conhecidos, como renda,
habitação, educação e saúde, mas também outros menos comuns, como comunidade,
engajamento cívico, equilíbrio vida-trabalho e satisfação com a vida.
Esse é um menu interessante para quem está
montando programas para um eventual novo governo. Nele, o Brasil vai em geral
melhor em outros indicadores que não a renda per capita, exceção à segurança
pública, onde também estamos comparativamente bem mal. Mas, claro, comparados à
média da OCDE, ainda temos bastante espaço para melhorar em quase todas as
áreas. Infelizmente, o caminho que as eleições têm tomado, com forte
polarização e muita raiva e ódio, não é um bom prenúncio. Esse caminho não deve
ajudar a economia, mas tende a reduzir o nível de felicidade do país.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da
FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do
FGV Ibre
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