Editoriais / Opiniões
Boas notícias na economia trarão votos a
Bolsonaro
O Globo
Resultados positivos na inflação, emprego e
crescimento terão efeito na urna — mas não se sabe quanto
Boas notícias continuam a se suceder na
economia brasileira. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
anunciou nos últimos dias três indicadores positivos — inflação, desemprego e
crescimento — que deverão ter impacto relevante nas eleições de outubro.
A inflação acumulada em 12 meses continua
em trajetória descendente e ficou em agosto abaixo de 10% pela primeira vez em
um ano (9,6%, pelo IPCA-15). Foi o segundo mês consecutivo de deflação,
resultado dos malabarismos do governo Jair Bolsonaro para segurar os preços dos
combustíveis e da energia. As expectativas para os preços até o fim do ano são
otimistas.
O desemprego atingiu 9,1%, 4,6 pontos percentuais abaixo do patamar de um ano atrás. O contingente de ocupados chegou a 98,7 milhões, recorde na série histórica iniciada em 2012. É verdade que a informalidade continua alta (39,8%). Mas ela vem caindo, e a maior parte da alta no nível de emprego advém da criação de postos de trabalho no setor formal — sinal do êxito inequívoco da reforma trabalhista promovida em 2017 pelo governo Michel Temer.
Por fim, o PIB cresceu 1,2% no segundo
trimestre. Nos últimos 12 meses, a alta acumulada foi de 2,6%, resultado da
recuperação do setor de serviços, o maior gerador de empregos. Boa parte do
crescimento se concentrou no primeiro semestre deste ano, cujo PIB subiu 2,5%
na comparação com o mesmo período de 2021. Numa lista com 29 das principais
economias do mundo, o crescimento brasileiro no trimestre ficou em sétimo
lugar.
As privatizações neste ano aceleraram (o
último sucesso foi a venda do aeroporto de Congonhas, em São Paulo), e há uma
chance razoável de o Brasil fechar 2022 com o primeiro resultado no azul em
oito anos nas contas públicas — em razão, é bom lembrar, do adiamento do
pagamento de dívidas judiciais e da alquimia fiscal que permitiu ao governo
federal distribuir um sem-número de benesses e auxílios de cunho eleitoral, com
boa parte da conta transferida ao caixa de estados e municípios. É certo também
que o refluxo da maré internacional — com indicadores pessimistas na China e na
Europa — em algum momento deverá alcançar as praias brasileiras, mas por
enquanto surfamos uma onda positiva.
Historicamente, bons indicadores econômicos
estão associados a maior aprovação do governo, e aprovação em alta se converte
em mais votos. Numa campanha eleitoral, debates, entrevistas e sabatinas são
fundamentais para informar eleitores engajados, mas a decisão do eleitor médio
sofre mais influência da situação econômica. É esperado, portanto, um efeito
positivo dos indicadores na votação do presidente Jair Bolsonaro e de seus
aliados.
A dúvida é até que ponto se dará a
conversão das boas notícias econômicas em votos — e se o tempo que resta até a
eleição (quatro semanas para o primeiro turno e oito para o segundo) será
suficiente para Bolsonaro virar o quadro ainda desfavorável nas pesquisas. No
primeiro debate entre os candidatos, ele não teve sucesso ao tentar elencar as
conquistas de seu governo na economia. Enrolou-se nos números e transmitiu a
sensação de estar despreparado para tratar do tema. Mas quem precisa se
preocupar mais com os indicadores econômicos positivos é seu rival, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja estratégia de campanha é tirar o
foco da corrupção e mudar o assunto justamente para a economia.
Manutenção de emendas do relator deteriora
Orçamento de 2023
O Globo
Na proposta enviada por Bolsonaro ao
Congresso, R$ 19,4 bilhões serão gastos sem critério nem transparência
É um absurdo o presidente Jair Bolsonaro
ter mantido as emendas do relator, conhecidas pela sigla RP9, na proposta de
Orçamento da União de 2023 enviada na quarta-feira ao Congresso. Pior foi ter
repetido o erro de prever para esse fim mais do que a soma das demais emendas.
Bolsonaro reservou R$ 38,7 bilhões aos parlamentares, dos quais R$ 19,4 bilhões
abastecerão as emendas RP9, que deram origem ao famigerado orçamento secreto.
São gastos destinados a fins paroquiais, feitos sem critério nem transparência,
flanco aberto à corrupção.
A aberração das emendas do relator retirou
do Executivo a capacidade de comandar as políticas públicas, como escreveu o
colunista do GLOBO Merval Pereira. Quase R$ 20 bilhões do Orçamento vão parar
nas mãos de deputados e senadores da base de apoio do governo para que gastem
como bem entenderem, segundo tão somente os seus interesses políticos, quando
não pecuniários.
O dinheiro não vai para os brasileiros que
mais precisam. Recebem aqueles que moram no reduto eleitoral do congressista do
governo agraciado. Na maior parte das vezes, o investimento vai na contramão de
uma estratégia sensata para os estados, para as regiões, para o país. Não têm
sido raras as denúncias e evidências de pura roubalheira, casos que ainda
esperam apuração rigorosa.
Enfraquecido e preocupado com a
possibilidade de perder o mandato por impeachment, Bolsonaro comprou o apoio do
Centrão transferindo aos líderes do Congresso o controle sobre uma vultosa
fatia do Orçamento. Tal decisão é a culminação de um problema antigo. No
sistema político brasileiro, um presidencialismo multipartidário, quando quem
está à frente do Executivo é ou fica fraco, o preço cobrado pelo Legislativo
sobe.
Quando estava em situação de extrema
vulnerabilidade, a presidente Dilma Rousseff atendeu a uma demanda histórica
dos congressistas. Eles reclamavam do poder do governo de contingenciar suas
emendas. Para liberar a execução, tinham de ir em romaria aos ministérios e
quase implorar. Dilma abriu mão da discricionariedade na execução das emendas
individuais. Não foi suficiente para que escapasse do impeachment, mas serviu
para erodir o poder de barganha do Executivo. Para satisfazer a sanha dos
congressistas, Bolsonaro teve de ir além. Abriu mão também da transparência e
do controle sobre a execução.
Talvez a única boa notícia sobre as emendas do relator seja que o próximo presidente não é obrigado a mantê-las. O difícil será convencer os congressistas. Se perderem o orçamento secreto, muitos poderão partir para a retaliação. O principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também se mostrou um gerente sofrível de coalizões, como comprovaram os casos do mensalão e petrolão. Seja quem for o eleito em outubro, a questão continua à espera de uma solução que preserve a transparência e a qualidade do gasto público. Com quase R$ 20 bilhões em emendas do relator, ambas são impossíveis.
Acima do esperado
Folha de S. Paulo
PIB mostra vigor no 2º trimestre, mas
permanecem incertezas em relação a 2023
O crescimento do Produto Interno Bruto
novamente superou
expectativas. A alta de 1,2% no segundo trimestre do ano, divulgada
nesta quinta (1º), já permite antever crescimento acima de 2,5%
neste ano.
A se confirmar tal prognóstico, será o
melhor desempenho desde 2013 —sem incluir na conta o ano atípico de 2021, que
marcou a recuperação do impacto da pandemia. Também relevante, a produção no
segundo trimestre superou em 3% o patamar imediatamente anterior à crise
sanitária, quase retomando o pico da série histórica, observado no início de 2014.
A demanda interna teve expansão robusta e
disseminada, que deve se manter por algum tempo. O consumo aumentou 2,6% e os
investimentos também surpreenderam, com alta de 4,8%. Do lado da oferta,
nota-se dinamismo na indústria (2,2%) e nos serviços (1,3%).
Além da retomada de atividades direcionadas
às famílias, na continuidade da abertura pós-pandemia, há inúmeros fatores que
contribuem para o momento positivo. Preços de matérias-primas ainda elevados e
a boa safra ampliaram a renda do agronegócio, que no conjunto perfaz cerca de
25% do PIB.
A retomada do emprego é outro vetor
importante. Embora a renda do trabalho no trimestre encerrado em julho esteja
ainda 2,9% abaixo do mesmo período de 2021, a taxa de desocupação caiu a 9,1%,
menor nível desde 2015.
Com isso, a massa salarial se expande cerca
de 6,1% no período, o suficiente para manter o ânimo do consumo, que deve
ganhar algum fôlego extra com a entrada do Auxílio Brasil de R$ 600 mensais
para cerca de 21 milhões de beneficiários.
Também há o impacto positivo da redução da
inflação, ainda que por ora concentrado nos combustíveis —proporcionado por
cortes de impostos federais e estaduais.
Para 2023, contudo, o cenário é mais
duvidoso. Além das dificuldades no âmbito internacional, como juros em alta no
mundo desenvolvido e conflitos geopolíticos, há enorme incerteza em relação à
política econômica do próximo governo —qualquer que seja o vencedor da eleição
presidencial.
Novas temeridades na gestão do Orçamento
podem trazer impacto negativo nas variáveis financeiras, como taxas de câmbio e
juros.
A política monetária contracionista para
combater a inflação terá peso crescente adiante. Juros básicos em 13,75% ao ano
são escorchantes para padrões históricos e devem conter a demanda por crédito e
o ímpeto do consumo. O aumento recente da inadimplência também é um sinal de
alerta.
O PIB traz alívio, enfim, mas não significa
que estão superadas as fragilidades da economia nacional.
Lua crescente
Folha de S. Paulo
Nasa volta ao satélite de olho em Marte e,
do ponto de vista terrestre, na China
Está marcada para este sábado (3) a decolagem
rumo à Lua do foguete SLS, na missão Artemis 1 da Nasa (agência
espacial americana). O voo não tripulado ocorre meio século após o último pouso
de astronautas no satélite, com a Apollo 17.
No panteão grego de deuses, Ártemis é irmã
gêmea de Apolo, ambos filhos do grande Zeus. O vínculo entre os dois programas
dos EUA vai além da mitologia, contudo, relançando uma corrida espacial
impulsionada por objetivos estratégicos bem terrestres.
Na edição anterior, a nêmesis era a União
Soviética, cuja descendente Rússia ainda tem presença espacial e ora se enreda
em guerra prolongada na Ucrânia, ponta de lança da Otan. No front sideral da
nova Guerra Fria, a China tem a vez de se preparar para a longa marcha.
Marte figura como objetivo final das
potências, com paradas estratégicas na Lua. A nação asiática já enviou três
sondas robóticas ao satélite, sempre com sucesso, e planeja montar lá uma base.
Em 2009, a sonda americana LCROSS confirmou
a existência de água em crateras no polo lunar. O recurso seria crucial para
missões ao planeta vermelho, como fonte de oxigênio para tripulantes e
hidrogênio para propulsão, mas pode não ser abundante.
Ainda na administração Barack Obama, o
governo americano decidiu contrastar os planos lunares de chineses. O voo atual
serve para estudar o equipamento que, em poucos anos, levaria até cinco
astronautas por vez à Lua.
Decerto que tais missões servem igualmente
a propósitos científicos e tecnológicos. As rochas ali coletadas contribuíram
para entender melhor o Sistema Solar, por exemplo, e novas missões, com
instrumentação 50 anos mais avançada, contribuirão para expandir o conhecimento
humano.
Difícil acreditar, no entanto, que os EUA
se aventurem a gastar US$ 100 bilhões com Artemis só para avançar a ciência,
como faz parecer a propaganda da Nasa. O programa reanima o orçamento da
própria agência e do complexo industrial a ela associado.
Em paralelo, a Nasa lustra o prestígio com
as imagens deslumbrantes do telescópio James Webb, por um décimo daquele valor.
Nem por isso é o caso de pôr em dúvida a
imensidão de dados que o instrumento soberbo fornecerá para a astronomia e a
astrofísica na próxima década. Ver a ciência avançar com a disputa geopolítica
na Terra sempre é melhor do que despender bilhões em desastres humanitários
como na Ucrânia.
Bolsonaro deve explicações
O Estado de S. Paulo
A compra de imóveis em dinheiro vivo costuma servir à lavagem de dinheiro. A família Bolsonaro comprou 51 imóveis em dinheiro vivo. Está claro que o presidente deve explicações
O governo Bolsonaro tem problemas sérios
envolvendo corrupção e gestão obscura de recursos públicos, com destaque para
negociações suspeitas de vacina anti-covid, pedidos de dinheiro por pastores
evangélicos no Ministério da Educação e, principalmente, o orçamento secreto –
que cria as condições ideais para o florescimento da corrupção, por permitir
gastos sem transparência e sem critério. Tudo isso é rigorosamente contrário à
promessa de Jair Bolsonaro de combate implacável à corrupção. No entanto, há
algo ainda mais explicitamente avesso à moralidade pública e diretamente
relacionado ao presidente da República: o sistema metódico de compra de imóveis
com o uso de dinheiro vivo da família Bolsonaro.
O caso é gravíssimo e deveria merecer mais
atenção dos eleitores brasileiros. Afinal, o Brasil aprovou a Lei da Ficha
Limpa, de iniciativa popular, justamente porque a sociedade se cansou de
políticos delinquentes. Está claro que Bolsonaro precisa explicar a origem dos
milhões de reais em dinheiro que ele e sua família conseguiram movimentar na
negociação de dezenas de imóveis, aparentemente sem ter renda suficiente que a
justifique.
O site UOL revelou que, desde os
anos 90, o presidente, seus irmãos e seus filhos negociaram 107 imóveis, dos
quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com o uso de
dinheiro vivo. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante pago em dinheiro
vivo equivale a R$ 25,6 milhões.
Não é crime comprar um imóvel usando
dinheiro vivo. Mas essa modalidade de pagamento, especialmente se é recorrente,
consiste em forte indício de lavagem de dinheiro. É justamente um dos crimes
pelos quais o ex-presidente Lula da Silva foi condenado no caso do triplex do
Guarujá. O crime de lavagem de dinheiro consiste em “ocultar ou dissimular a
natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens,
direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Uma vez que o dinheiro vivo não tem rastreabilidade, seu uso é muito propício
para ocultar ou dissimular a real origem de determinado recurso.
Quando veio à tona que a família Bolsonaro
comprou 51 imóveis envolvendo pagamento em dinheiro vivo, o presidente não
contestou o dado. Limitou-se a perguntar, com sua habitual truculência: “Qual o
problema comprar com dinheiro vivo algum imóvel?”.
Ora, não foi apenas “algum imóvel”. Foram
51. E tudo fica ainda mais suspeito quando se toma conhecimento de que as
declarações de bens e renda da família Bolsonaro entregues à Justiça Eleitoral,
como revelou o Estadão, não indicam guarda de dinheiro em espécie em casa.
De 1998 até agora, apenas o filho Carlos informou ter guardado R$ 20 mil em
espécie por ao menos oito anos.
Tudo isso é escandaloso – e demanda pronto
e inequívoco esclarecimento. Os mesmos eleitores que, com razão, cobram de Lula
da Silva explicações sobre os casos cabeludos de desvio de recursos públicos
nos governos do PT devem exigir de Bolsonaro que explique qual foi a
mágica financeira que permitiu que ele e seus filhos parlamentares, cujos
salários não superam R$ 40 mil brutos, fossem capazes de movimentar milhões de
reais no ramo imobiliário, e tudo em cash.
Nem Bolsonaro nem seus filhos foram
capazes, até agora, de esclarecer os muitos indícios da prática de rachadinha
(apropriação de salários de assessores parlamentares) por parte do clã. Ou
seja, há a suspeita de ocultação da origem de bens (pelo uso de dinheiro vivo
na compra de 51 imóveis) e, ao mesmo tempo, há a suspeita da origem ilícita
desses recursos (a rachadinha), elementos do crime de lavagem de dinheiro. Por
muito menos, e com base em indícios muito mais frágeis, inúmeras pessoas foram
denunciadas e chegaram a ser presas na época da Lava Jato.
Como candidato à reeleição e, sobretudo,
como candidato que se apresenta como incorruptível, Bolsonaro tem o dever de
esclarecer a origem desses recursos. Quem quer ser (ou continuar a ser)
presidente da República não pode deixar dúvidas sobre sua honestidade, ainda
mais quando se está diante de suspeitas de lavagem de dinheiro.
A resistência da economia brasileira
O Estado de S. Paulo
O significativo crescimento do PIB no 2.º trimestre é grande prova de resiliência do País; juros em alta no Brasil e cenário internacional confuso desafiam continuidade desse desempenho
A capacidade de reação da economia
brasileira chega a surpreender. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,2% no segundo trimestre
do ano na comparação com o trimestre anterior, constatado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra a força e a
intensidade com que o País conseguiu enfrentar os imensos problemas que se
acumularam desde o início da pandemia e os novos que o cenário mundial trouxe.
É uma grande prova de resiliência. É também um elemento precioso para alimentar
o discurso ufanista com que o presidente Jair Bolsonaro tenta impulsionar sua
campanha pela reeleição, hoje fortemente ameaçada por outra candidatura.
Afinal, na hipótese – pouco provável, ressalte-se – de repetição desse
desempenho ao longo de quatro trimestres sucessivos, o crescimento em 12 meses
alcançaria 4,9%.
O governo Bolsonaro comemora esses números.
Além da expressiva expansão do PIB, melhoram os principais indicadores do
mercado de trabalho e a inflação dá sinais de recuo. A área técnica do governo
garante que, “desde 2021, a economia brasileira demonstra capacidade de
sustentar a retomada da atividade após choques adversos, como a pandemia e a
elevação histórica da inflação mundial”.
Os números divulgados pelo IBGE são, de
fato, auspiciosos. O crescimento é generalizado. O setor de serviços teve alta
de 1,3%; a indústria, de 2,2%; e a agricultura, de 0,5%. Na comparação com o
segundo trimestre de 2021, o aumento do PIB no período abril-junho de 2022 foi
de 3,2%. No acumulado dos quatro trimestres terminados em junho de 2022, a
expansão foi de 2,6%. No ano, a alta é de 2,5%.
Ao mesmo tempo que é preciso ressaltar o
impacto positivo da evolução recente da economia, é necessário examinar as
razões da melhora e, em especial, avaliar sua resistência. A expansão do PIB
decorre principalmente da gradual normalização de atividades que haviam sido
fortemente comprimidas no período mais difícil da pandemia, como os serviços.
Havia uma grande demanda reprimida por serviços, sobretudo os presenciais, em
razão da necessidade de redução de aglomerações e contatos pessoais durante a
pandemia. Assim, do lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 5,3% na
comparação com o resultado de 2021.
Também a recuperação do mercado de trabalho
fez crescer a demanda por serviços e bens em geral. Por fim, medidas do governo
Bolsonaro em favor das pessoas de baixa renda, entre as quais a antecipação do
pagamento do 13.º de aposentados e pensionistas e a liberação de saques do
FGTS, igualmente impulsionaram a demanda.
É possível que o impacto dessas medidas
sobre a evolução do PIB já tenha se esgotado ou se torne bem menos intenso
doravante. Parte da perda pode ser compensada pelo aumento do valor do
benefício do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, que vale até dezembro.
Outros fatores, porém, podem ter efeito
mais relevante nos próximos meses. Um deles, a alta contínua pelo Banco Central
da taxa básica de juros, a Selic, será mais sentido daqui para a frente. A alta
é expressiva: a Selic, hoje fixada em 13,75% ao ano, estava em 2% ao ano até
março do ano passado. Mesmo reconhecendo a melhora no cenário inflacionário, o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse há pouco que “muito do
que a gente fez (na condução da política monetária) ainda não tem efeito na
economia”. Por isso, afirmou, “não podemos baixar a guarda”.
Apesar da frequente revisão para cima das
projeções para o crescimento do PIB em 2022, Campos advertiu para a necessidade
de “olhar a continuidade desse processo”. Há desaceleração da economia mundial
e a inflação continua alta nos principais países. No plano interno, a política
fiscal é marcada por medidas populistas ou destinadas a beneficiar aliados do
governo, e a proposta de Orçamento para 2023 sintetiza a irresponsabilidade na
gestão do dinheiro público. E a taxa de investimentos, que garante o
crescimento futuro, embora venha subindo, é muito baixa (18,7%) se comparada
com a de outros países em desenvolvimento.
Populismo na saúde
O Estado de S. Paulo
Ao derrubarem ‘rol taxativo’ da ANS, parlamentares arriscam a segurança futura dos usuários de planos de saúde
O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL)
2.033/2022, que transforma o chamado “rol taxativo” da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) em mera “lista de referência” de procedimentos médicos
que devem ser cobertos pelos planos de saúde. O projeto, que já havia sido
aprovado pela Câmara dos Deputados, seguiu para sanção ou veto do presidente
Jair Bolsonaro.
A aprovação do PL 2.033 foi um erro. A um
só tempo, o Congresso gerou insegurança jurídica no setor de saúde suplementar,
pois flexibilizou os limites de cobertura previstos nos contratos firmados
entre os usuários dos planos e as empresas, e esvaziou o poder de regulação
técnica da ANS.
A julgar por seus discursos, os
parlamentares que aprovaram o PL 2.033 sobrepuseram o interesse eleitoral à
segurança jurídica e econômica de cidadãos e empresas. Decerto não quiseram
lidar de forma mais responsável com um tema tão sensível em ano eleitoral.
Muitos desses parlamentares concorrem à reeleição neste ano, de modo que não
lhes interessa contrariar os 49 milhões de usuários de planos de saúde privados
no País. Ocorre que, ao agirem assim, colocaram em risco a segurança futura dos
mesmos cidadãos que hoje eles dizem proteger. Isso tem nome: populismo.
O “rol taxativo” da ANS não é uma maldade
dos técnicos da agência reguladora nem tampouco é fruto da ganância das
operadoras de planos de saúde. Há boas razões para que haja uma lista bem
definida dos procedimentos médicos que devem ser cobertos pelas empresas do
segmento.
Com o equilíbrio que o tema requer, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia decidido em meados de junho que a
taxatividade do rol da ANS se impunha por dar previsibilidade à administração
das empresas que operam os planos de saúde. De fato, a ninguém interessa uma
cobertura ilimitada de procedimentos terapêuticos no papel se, ao fim e ao
cabo, as empresas não tiverem condições de arcar com seus custos, totalmente
imprevisíveis.
O STJ também teve o cuidado de não deixar
totalmente desamparadas as famílias de pessoas acometidas por doenças raras ou que
necessitam de terapias que não constam do rol da ANS. Em casos excepcionais,
julgou a Corte, a Justiça poderá determinar a cobertura com base em avaliações
técnicas. Eis o mérito da decisão: trata exceções tais como são. Já o PL 2.033
torna regra essa excepcionalidade.
De acordo com o projeto, qualquer
tratamento terapêutico que não conste do rol da ANS deverá ser coberto pelos
planos quando houver comprovação de eficácia baseada em evidências científicas,
quando for recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no
Sistema Único de Saúde (Conitec) ou caso seja indicado por um órgão de saúde de
renome internacional para seus nacionais.
A lei de mercado, no entanto, é implacável.
Em que pesem as supostas boas intenções dos parlamentares, a imprevisibilidade
de custos levará as empresas a elevar o valor das mensalidades dos planos.
Muitos cidadãos não terão condições de arcar com esse aumento. A consequência é
óbvia: crescerá a pressão sobre o já combalido e subfinanciado SUS.
Desempenho da economia pode suavizar
desaceleração
Valor Econômico
Com impulsos fiscais e parafiscais já
dados, e outros que possam vir, a desaceleração esperada para o 3º trimestre
pode ser amenizada
A economia brasileira cresceu mais do que o
previsto no segundo trimestre do ano (1,2%) em relação ao primeiro trimestre,
que teve sua taxa revista para cima (1,1%). A remoção de entraves não
econômicos à expansão, o passado, explica parte da recuperação - o
arrefecimento da pandemia e praticamente o fim das restrições às atividades
presenciais, o que liberou a energia do setor de serviços, que compõe 70% do
PIB. A outra parte diz respeito ao presente: o ano eleitoral e as estratégias
de gastos dos governantes para se manterem no poder.
O setor de serviços, pelo lado da oferta,
recuperou sua expansão e mantém um ritmo de atividade já razoavelmente superior
ao de antes da pandemia. O fim dos obstáculos à mobilidade fez com que a
rubrica “outras atividades de serviços”, onde entram aquelas mais diretamente
dependentes de salários e proximidade física, se destacassem em crescimento por
qualquer padrão de comparação: de um trimestre contra o anterior, ante o mesmo
período do ano passado ou o acumulado em quatro trimestres. Sem a plena
mobilidade não haveria esta expansão. Sem o aumento do consumo das famílias,
também não.
O consumo das famílias deu um salto de 2,6%
no segundo trimestre e de 5,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Foi
nesse trimestre que o desemprego caiu com mais força (a 9,1%) e, em
consequência, que a massa salarial aumentou com força, ainda que os salários
continuassem caindo. A oferta de crédito, apesar da elevação da taxa de juros e
da alta da inadimplência, seguiu aumentando em dois dígitos.
O calendário político deu um estímulo
considerável ao consumo das famílias, que em valores atingiu o maior ponto da
série com ajuste sazonal com valores a preços de 1995 (comparação até 2010). O
fim do auxílio emergencial, criado na pandemia, reduziu o avanço do consumo no
primeiro trimestre do ano em relação ao anterior, mas o governo promoveu nova
liberação emergencial do FGTS (R$ 30 bilhões) e outra antecipação do 13º
salário de aposentados e pensionistas (R$ 56 bilhões). A preços correntes, isto
explica em parte o aumento das despesas de consumo do primeiro trimestre (R$
1,406 trilhão) para o segundo (R$ 1,490 trilhão).
O arsenal eleitoral do governo não se
esgotou e o Auxílio Brasil, que começou a ser pago em agosto, levará para a
economia mais R$ 60 bilhões, ou cerca de R$ 40 bilhões a mais do que os
recursos que já circulariam em decorrência do Bolsa Família, cujo valor médio
era um terço de seu substituto. Estimularão ainda indiretamente o consumo a
remoção federal dos impostos sobre combustíveis (R$ 52 bilhões em um ano) e a
redução das alíquotas de ICMS sobre itens essenciais, como transportes,
telecomunicações e combustíveis (cerca de R$ 65 bilhões em um ano).
No bom desempenho da economia do trimestre
influíram ainda o aumento de 4,8% do investimento (formação bruta de capital
fixo), impulsionado pela expansão forte da construção (2,7% no trimestre, 9,9%
ante o mesmo trimestre de 2021). Eles se beneficiaram dos gastos feitos por
Estados e municípios, repletos de recursos em caixa. A maior parte dos
governadores tenta agora a reeleição.
A grande valorização das cotações das
commodities ajudou a movimentar a economia e empurrar para cima a contribuição
da agricultura, prejudicada por adversidades climáticas, que ficaram para trás
(o setor avançou 0,5% no segundo trimestre, ainda assim, menos que os demais
componentes da oferta, como indústria e serviços).
Maiores cotações de produtos exportados
pelo país e desvalorização do real não produziram, no entanto, um impulso do
setor externo à economia. As importações cresceram e as exportações recuaram no
segundo trimestre. Segundo o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para
a América Latina do Goldman Sachs, a demanda externa reduziu o PIB em 1,34
ponto percentual. Esse resultado foi amenizado pela expansão de 2,5% da demanda
final doméstica.
As revisões do PIB de 2022 entraram, então,
em alta, para perto dos 3%. Se não houver crescimento no segundo semestre, o
PIB fechará o ano em 2,6%. Não se descarta que, com impulsos fiscais e
parafiscais já dados, e outros que possam vir, a desaceleração esperada para o
3º trimestre seja postergada ou amenizada. A queda da inflação, além disso,
pode dar novo alento ao consumo, assim como os salários, que ensaiam uma
recuperação.
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