Editoriais / Opiniões
A César o que é de César
O Estado de S. Paulo
Ao condenar a manipulação religiosa para fins eleitorais, a CNBB faz importante defesa do regime democrático. O Estado é laico e, nele, deve imperar a liberdade política
Perante as inúmeras tentativas de usar a
religião para angariar votos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) lembrou recentemente que a manipulação religiosa “desvirtua os valores
do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser
debatidos e enfrentados em nosso Brasil”. Em nota publicada no último dia 2, os
bispos católicos manifestaram preocupação com a instrumentalização da religião
“protagonizada por políticos e religiosos”.
O problema não é teórico e vem causando danos muito além da própria liberdade política. A manipulação da religião para fins políticos tem sido ocasião de violência. No dia 31 de agosto, um fiel foi baleado dentro da igreja da Congregação Cristã no Brasil, em Goiânia, por discordar das falas do pastor que pregava o voto contra a esquerda. O disparo foi feito por um policial militar de folga que se envolveu na discussão política.
Em tempos confusos, como são os atuais, a
nota da CNBB é muito importante, reafirmando um aspecto fundamental do regime
democrático. A manipulação religiosa não é apenas um desvirtuamento de valores
e convicções pessoais para fins político-eleitorais. Ao colocar o exercício da
liberdade política como uma escolha entre o bem e o mal, essa
instrumentalização da fé ataca o caráter laico do Estado – a separação entre
Igreja e Estado – e a própria ideia de liberdade política. A mensagem dos
manipuladores é a de que a adesão a um credo religioso implica uma específica
escolha na urna. Não poucas vezes, a tramoia é feita sem nenhum pudor, sendo o
próprio líder religioso candidato a cargo político.
Ao condenarem a manipulação religiosa, os
bispos católicos reafirmam a existência de um âmbito de liberdade fundamental
no Estado Democrático de Direito. Líder religioso não pode impor um determinado
voto a seus fiéis – assim como patrão, cônjuge ou quem quer que seja não pode
impor voto a ninguém. Há liberdade política, reconhecida e protegida pela
Constituição.
A CNBB menciona um aspecto fundamental
relativo à autonomia entre religião e política. “A Igreja (católica) é advogada
da justiça e dos pobres, exatamente por não se identificar com os políticos nem
com os interesses de partido”, diz a nota da entidade, citando um ensinamento
do papa Bento XVI. A manipulação religiosa consiste justamente em identificar
credo religioso com um político ou partido específico. Em suas expressões mais
severas – que limitam de forma ainda mais radical a liberdade política –, essa
manipulação chega a apresentar candidatos a cargos políticos como enviados de
Deus.
É preciso defender a liberdade política. E,
precisamente por existir liberdade política, cada pessoa tem o direito de
definir o seu voto de acordo com suas convicções e sua visão de mundo. O
caráter laico do Estado não impõe valores, sejam religiosos ou cívicos, a seus
cidadãos. Cada um é livre para, dentro da lei, escolher e apoiar o que bem
entender.
No caso dos católicos, os bispos lembram
que “nossa fé comporta exigências éticas que se traduzem em compaixão e
solidariedade concretas”. Logicamente, cada credo religioso tem suas doutrinas
e suas especificidades. De toda forma, o que parece necessário destacar é a
gritante incongruência entre discurso religioso (seja qual ele for) e
desrespeito a quem pensa de forma diferente.
A manipulação religiosa da política tem
sido fonte contínua de atritos e tensões, produzindo um ambiente de
agressividade incompatível com o Estado Democrático de Direito. Segundo o Estadão revelou,
lideranças evangélicas ligadas à esquerda estão preocupadas com a escalada da
violência política, também dentro de instituições religiosas. Há disputa,
pluralidade de ideias e embate de propostas, mas a democracia é
fundamentalmente um regime de paz.
A liberdade – em suas diversas dimensões,
também a política e a religiosa – não é um slogan vazio, e muito menos pretexto
para agredir os demais. É um princípio fundamental inegociável, que, entre
outras consequências, demanda respeito ao outro e à sua consciência.
Necessário limite à autonomia do MP
O Estado de S. Paulo
Investigação sobre Bolsonaro ocorria sem
supervisão do Judiciário, levantando suspeita de que não era para valer
A conduta complacente da Procuradoria-Geral
da República (PGR) em relação ao presidente Jair Bolsonaro tem sido ocasião
para expor os efeitos deletérios – e a incompatibilidade com o Estado
Democrático de Direito – de uma atuação do Ministério Público (MP) sem controle
e sem supervisão. Recentemente, uma decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo
Tribunal Federal (STF), lembrou que não cabe investigação da PGR à margem do
conhecimento e da supervisão do Poder Judiciário.
Perante indícios da prática de crimes por
parte do presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto
Aras, tem determinado a abertura de “investigações prévias” no âmbito da PGR.
Com essa prática – adotada, por exemplo, em questões relativas à atuação do
presidente da República na pandemia –, Augusto Aras tem-se protegido das
críticas de que a PGR seria omissa em relação a eventuais crimes praticados por
Jair Bolsonaro. A existência de investigações prévias seria a prova de que o
Ministério Público vem cumprindo seu dever constitucional.
No entanto, essas investigações prévias –
não submetidas a qualquer tipo de controle fora do Ministério Público – ainda
não produziram nenhum resultado prático. Tal situação tem levantado uma
suspeita grave. Em vez de servirem para uma proteção efetiva da ordem jurídica,
tais procedimentos internos da PGR parecem funcionar em sentido contrário, como
se o seu objetivo fosse evitar que os indícios de crimes sejam de fato
investigados. Como não há nenhum controle, a sociedade não tem como saber o que
de fato está acontecendo. Certamente, essa falta de supervisão e de
transparência contraria a Constituição de 1988. A autonomia funcional e
administrativa atribuída ao Ministério Público não é sinônimo de
irresponsabilidade.
Deve-se reconhecer que, até agora, o
Judiciário vinha sendo bastante conivente com esse modo de proceder do
Ministério Público. Em 2015, indo além do que prevê o texto constitucional, o
STF entendeu que o Ministério Público dispõe de competência para promover
investigação de natureza penal. Ainda que tenha fixado alguns critérios para
essa atividade investigativa, a decisão do Supremo ajudou a consolidar, na
prática, esse jeito de operar do Ministério Público pouco republicano, sem
controle. É precisamente esse o quadro que agora começa a mudar, à luz da
experiência com Augusto Aras na PGR.
O trabalho do Ministério Público precisa
ser supervisionado pelo Judiciário. Sob esse argumento, a ministra Rosa Weber
determinou o trancamento de investigação prévia instaurada na PGR para apurar
se Jair Bolsonaro teria praticado crime por ocasião da reunião com embaixadores
em julho. Com a decisão, a apuração do caso continua nas mãos do Ministério
Público, mas será realizada nos autos da petição apresentada por deputados
federais e sob a supervisão da Justiça.
Na República, nenhuma função estatal está
acima da lei. A população não pode ficar refém de omissões ou opacidades do
Estado.
O mau sinal da queda do petróleo
O Estado de S. Paulo
Cotação do petróleo é termômetro da atividade econômica global; queda reduz inflação, mas indica possível recessão
As cotações do petróleo continuam a
surpreender. Depois de terem ultrapassado US$ 120 o barril em março, baixaram
há dias para a faixa entre US$ 81 (tipo WTI) e US$ 88 (tipo Brent). A queda de
cerca de 30% é, de fato, impressionante e de grande impacto. Há seis meses, o
petróleo assustava o mundo e impulsionava a inflação nas principais economias,
e também no Brasil; agora, ajuda a aliviar a pressão. Convém, porém, moderar o
entusiasmo. O petróleo ficou mais barato porque a economia mundial vai mal. E
em algum momento a crise externa terá reflexo na atividade econômica no Brasil.
No Brasil, em particular, a queda da
cotação do óleo associou-se a medidas populistas do governo Bolsonaro. O
governo fez fortes pressões sobre a Petrobras e os governos estaduais, o que,
com a queda do preço do petróleo, resultou em redução substancial do preço da
gasolina nas refinarias e, em particular, nas bombas.
O impacto sobre a inflação foi
impressionante. Embora o preço da comida continue a subir, houve duas deflações
mensais sucessivas e a variação acumulada de 12 meses caiu para menos de dois
dígitos. Isso fez a inflação transformar-se de pesadelo para o presidente Jair
Bolsonaro em tema para animar sua campanha pela reeleição – que, não obstante,
continua sob risco em razão da má qualidade de sua gestão que prejudica a
maioria da população.
A retomada da atividade econômica, que
levou os analistas do setor privado a elevar as projeções do crescimento do PIB
brasileiro em 2022, igualmente beneficia a campanha de Bolsonaro. As projeções
para o desempenho da economia em 2023, no entanto, continuam sendo revistas
para baixo. O novo cenário mundial, que faz cair as cotações do petróleo,
justifica a cautela desses analistas.
Aos efeitos da pandemia, agora prejudicando
fortemente a atividade econômica na China, seguiram-se medidas dos bancos
centrais para conter a alta dos preços. A guerra na Ucrânia adicionou mais
problemas a um mundo às voltas com uma crise sanitária sem precedentes que
prejudicava a circulação de importantes bens e insumos.
Projeções de organismos internacionais já
indicavam a desaceleração da economia mundial. O desaquecimento das atividades
pode se intensificar. O endurecimento da política monetária nos principais
países já produz efeitos sobre o consumo e a atividade econômica, e ainda não
terminou. Em sua reunião de setembro, o Banco Central Europeu (BCE) aumentou os
juros em 0,75 ponto porcentual e já avisou que novas altas deverão ser
decididas em suas próximas reuniões, para conter a inflação na zona do euro,
que “está muito alta”.
O endurecimento da política monetária se
estende para outros países, o que intensifica as projeções de uma recessão
mundial. Declarações recentes do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco
central norte-americano), Jerome Powell, foram interpretadas como indicação de
que a instituição não desistirá de combater a inflação, ainda que à custa de um
aperto monetário mais forte, o que afeta a atividade econômica e a geração de
emprego.
Presidente pesado
Folha de S. Paulo
Distância entre Lula e Bolsonaro cai
lentamente, a despeito do uso da máquina
A mais
recente pesquisa Datafolha confirma o progressivo, porém
moroso, estreitamento da diferença numérica entre os dois principais candidatos
à Presidência.
Embora a distância seja a menor desde maio,
observa-se desde o início da campanha um quadro de poucas mudanças, no qual
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a menos de um mês do pleito, mantém os mesmos
45% das intenções de voto da sondagem da semana passada, ante 34% de Jair
Bolsonaro (PL), que oscilou dois pontos para cima.
Para notar uma tendência mais consistente
de crescimento das intenções de voto no atual mandatário, é preciso considerar
um período maior de tempo.
Há quatro meses, ele marcava 27%, enquanto
Lula tinha 48%; em julho, foi a 29%, variação ainda dentro da margem de erro de
dois pontos percentuais para mais ou para menos. Nas duas sondagens seguintes,
em agosto e início de setembro, ficou nos 32%.
O movimento é acompanhado por uma melhora
paulatina da avaliação do governo, como costumeiramente ocorre em períodos
eleitorais. Desde o início do ano, a parcela dos que consideram a administração
federal ótima ou boa se elevou de 22% para 31%.
Bolsonaro avançou muito pouco, porém, na
redução de sua acachapante rejeição, que alcança 51% do eleitorado —não muito
diferente do pico de 55% apurado em junho. O contingente dos que dizem não
votar em Lula em nenhuma hipótese é bem menor, embora tenha subido de 33% para
39% desde maio.
Não por acaso, o petista mantém vantagem
na simulação de
um hoje mais provável segundo turno, de 53% a 39% —cifras quase
idênticas às da pesquisa anterior (53% a 38%). A diferença, no entanto, caiu de
29 para 14 pontos neste ano.
Tudo considerado, são evidentes as
fragilidades de Bolsonaro na busca pela reeleição, a despeito do desembolso
descomunal de dinheiro público em medidas eleitoreiras. A elevação do Auxílio
Brasil a R$ 600 e a deflação produzida pela redução de impostos sobre
combustíveis surtiram efeito modesto, até aqui, nas intenções de voto.
A aprovação a seu governo ainda é inferior
à obtida em 2014 pela petista Dilma Rousseff (36%), que se reelegeu a muito
custo e não concluiu seu segundo mandato.
O presidente continua muito mal entre
eleitores mais pobres, mulheres e nordestinos. Entre beneficiários diretos ou
indiretos do Auxílio Brasil, Lula lidera por 56% a 28%.
Convém não subestimar, todavia, as
vantagens do incumbente na disputa eleitoral —ainda mais tratando-se de um que
não mostra nenhum escrúpulo na exploração da máquina pública e até de um evento
nacional como o bicentenário da Independência.
Europa sem gás
Folha de S. Paulo
Continente vive escassez de energia devido
à guerra e se aproxima da recessão
Um dos desdobramentos econômicos mais
dramáticos da guerra na Ucrânia é o baque no fornecimento de gás para a Europa
por parte da Rússia. Multiplicou-se por dez o custo da principal fonte de
energia para fábricas e residências, o que eleva a probabilidade de uma
recessão nos próximos meses.
O impacto no continente é brutal, a começar
pela escalada da
inflação, que chega a dois dígitos em vários países. As contas de
luz em alta têm provocado protestos populares, uma aposta de Vladimir Putin
para erodir a unidade do apoio ocidental à Ucrânia.
Nas últimas semanas, contudo, os sinais de
progresso militar da Ucrânia parecem reforçar o alinhamento. Até agora, a
carestia não alterou substancialmente a posição popular —pesquisa recente na
Alemanha indica que 70% são favoráveis ao apoio ao país agredido.
Diante desse fato, Putin não hesitou em
radicalizar o uso do gás como arma, chegando a ponto de descontinuar o fluxo
por meio dos gasodutos como represália às sanções adotadas pelos europeus.
Nas últimas décadas, a orientação
geopolítica, sob liderança da Alemanha, foi ancorar a produção industrial no
fornecimento de gás russo barato. A dependência se tornou perigosa, atingindo
mais de 40% das importações —a parcela caiu a 9% nos últimos meses.
A dificuldade na busca de opções é óbvia.
Nos primeiros meses da guerra, gás e petróleo russos continuaram a chegar,
mesmo com sanções, a preços mais altos ocasionados pelo próprio conflito,
financiando a máquina de guerra de Putin. Estima-se que neste ano a receita com
exportações tenha chegado a cerca de US$ 140 bilhões.
A decisão política de descontinuar a
dependência da Rússia está tomada, mas não será indolor. A União Europeia tem
adotado medidas de economia, e até racionamento, de modo a armazenar o máximo
de gás antes do inverno.
Buscam-se fontes alternativas, como o gás
liquefeito importado do Oriente Médio e dos Estados Unidos. Para tanto, porém,
será necessário grande investimento em terminais de armazenamento.
Em outra frente, além do apoio dos governos
às empresas e famílias, financiado em parte por impostos sobre ganhos
extraordinários de empresas fornecedoras de energia, estuda-se a
adoção de limites para o preço do gás.
Tudo sugere que a economia europeia
enfrentará duros desafios, com efeitos no restante do mundo.
O Globo
Resultado frustrante no PIB reforça
relevância das práticas sustentáveis para recuperar imagem internacional
O agronegócio acostumou mal os economistas
brasileiros. Depois do anúncio do resultado do PIB no segundo
trimestre, o desempenho do setor agropecuário foi descrito como decepcionante.
Na comparação com os três meses anteriores, o avanço de 0,5% ficou aquém da
indústria (2,2%), de serviços (1,3%) e da economia como um todo (1,2%).
Comparando com o segundo trimestre de 2021, a agropecuária recuou 2,5%.
O principal motivo para isso é conhecido: a
crise que esfriou a demanda global, derrubando as exportações. A queda pode ter
sido apenas circunstancial, mas há no horizonte uma ameaça preocupante: a
possibilidade de boicotes em razão da devastação ambiental. Pela relevância que
o agronegócio adquiriu na economia brasileira, é preciso dar ao tema a atenção
máxima. Neste momento em que a campanha eleitoral expõe as mazelas do Brasil, é
fundamental não esquecer também nossas virtudes — e a pujança do setor
agropecuário é sem dúvida uma delas.
O PIB do agronegócio dobrou nos dez anos
entre 2004 e 2014, segundo análise da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (Esalq) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA). Para dobrar de tamanho uma segunda vez, demorou bem menos tempo:
sete anos, entre 2014 e 2021. Ao contrário do que sustenta o discurso
ideológico de um governo que incentiva o desmatamento em nome do que chama de
“progresso”, isso não aconteceu à revelia da questão ambiental.
Na realidade, os agricultores brasileiros
são ambientalmente mais sustentáveis quando comparados a americanos e europeus,
concluiu uma pesquisa recente da consultoria McKinsey com 5.300 produtores nos
dez países que concentram a produção primária do planeta. Por aqui, 80% dizem
adotar a técnica conhecida como “plantio direto”, em que a semente é posta no
solo sem que a terra seja revolvida. A prática resulta em vantagens para o meio
ambiente, com menos erosão, menor necessidade de defensivos agrícolas e menor
emissão de gases causadores do efeito estufa. Nos Estados Unidos, apenas 55%
usam essa técnica.
Os brasileiros também se sobressaem no uso
de controle biológico para combater pragas, melhorar a nutrição e fertilização
das plantas. Seis de cada dez agricultores seguem essa técnica. No mercado
americano, apenas 30%. Nossos fazendeiros são também mais digitalizados que os
americanos e europeus. A penetração digital é de 41% entre agricultores da
Região Sul, do Cerrado e da região apelidada Matopiba (Maranhão, Tocantins,
Piauí e Bahia).
Uma das explicações para a digitalização
maior é a idade média mais baixa, especialmente no Cerrado e no Matopiba, onde
a maioria dos produtores rurais tem menos de 45 anos. Eles estão desbravando o
uso de novas ferramentas on-line para comprar insumos e fertilizantes,
contratar assistência técnica para seus equipamentos e vender seus produtos nos
mercados interno e externo.
É essa geração de empreendedores do campo
que tem a missão de continuar buscando o aumento da produtividade e a adoção de
técnicas sustentáveis — sem se esquecer de denunciar e de combater a minoria
barulhenta que continua apostando na degradação ambiental e no atraso.
É louvável a iniciativa dos EUA em prol do
combate à corrupção
O Globo
Casa Branca apoiará iniciativas de
jornalistas, promotores e cidadãos que enfrentem regimes de ‘cleptocracia’
Se governantes descuidados com a
preservação ambiental já enfrentam problemas com os Estados Unidos e a Europa,
aqueles que fazem vista grossa ao desvio do dinheiro público e enriquecem com
recursos do Erário enfrentarão mais dificuldades com o governo do presidente
americano, Joe Biden.
As missões da Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, em inglês)
americana e seus parceiros acabam de receber um guia sobre como enfrentar a
corrupção nos outros países.
A intenção da Casa Branca é dar apoio onde
houver roubo de dinheiro público — em particular nos regimes classificados como
“cleptocracias” — a iniciativas e a cidadãos que enfrentem a roubalheira. É o
caso de jornalistas investigativos que desnudam oligarcas, empreendedores
cansados de pagar propina, promotores honestos, políticos que lutam pela
transparência ou quem quer que seja. O alvo principal do recado americano não é
o Brasil, mas as iniciativas de combate à corrupção por aqui também entrarão na
mira.
A ideia de dar apoio a países cuja
sociedade quer desmantelar sistemas políticos e governos dominados por elites
corruptas surgiu a partir do exemplo da Ucrânia. As reformas executadas depois
de 2014 — ano da derrubada do presidente ligado a Moscou, Viktor Yanukovich,
pela Revolução da Dignidade — são uma das principais fontes do guia americano.
Foi naquele ano que tropas russas invadiram a Crimeia, sem maior resistência do
Exército ucraniano, devido aos anos de corrupção e aos baixos investimentos na
defesa. Uma explicação para a resistência que a Ucrânia demonstra agora contra
as forças russas de invasão está na motivação das tropas para lutar por um país
sem o nível de corrupção do passado.
Quem enfrentará mais dificuldades em razão
das diretrizes americanas é a Rússia de Vladimir Putin, transformada num
paraíso de oligarcas vinculados ao Estado. O enriquecimento de empresários que
frequentam o Kremlin nos 23 anos de poder de Putin macula faz tempo a imagem do
presidente russo. A corrupção também é citada como causa do avanço do Talibã no
Afeganistão, onde militares passaram a receber propina para não lutar por um
governo que viam como corrupto.
A política contra corrupção de Biden,
lançada em dezembro do ano passado, não traz nenhuma receita extraordinária
para ajudar os países interessados em acabar com as falcatruas. Há, porém,
iniciativas essenciais para enfrentar o mundo do caixa dois e do dinheiro sujo,
como ampliar a troca de informações e garantir transparência nos sistemas
contra lavagem de dinheiro.
É louvável que o país mais poderoso do
mundo queira ajudar quem quer ser honesto. Um dos efeitos mais deletérios da
corrupção é impedir que sociedades atinjam um padrão mais elevado de
desenvolvimento em saúde, educação e meio ambiente. O tema foi deixado de lado
no Brasil com o desmantelamento da Operação Lava-Jato. Deveria voltar à agenda,
sobretudo pelo histórico de escândalos que macula a imagem dos líderes na
corrida presidencial.
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