domingo, 11 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

A César o que é de César

O Estado de S. Paulo

Ao condenar a manipulação religiosa para fins eleitorais, a CNBB faz importante defesa do regime democrático. O Estado é laico e, nele, deve imperar a liberdade política

Perante as inúmeras tentativas de usar a religião para angariar votos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lembrou recentemente que a manipulação religiosa “desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil”. Em nota publicada no último dia 2, os bispos católicos manifestaram preocupação com a instrumentalização da religião “protagonizada por políticos e religiosos”.

O problema não é teórico e vem causando danos muito além da própria liberdade política. A manipulação da religião para fins políticos tem sido ocasião de violência. No dia 31 de agosto, um fiel foi baleado dentro da igreja da Congregação Cristã no Brasil, em Goiânia, por discordar das falas do pastor que pregava o voto contra a esquerda. O disparo foi feito por um policial militar de folga que se envolveu na discussão política.

Em tempos confusos, como são os atuais, a nota da CNBB é muito importante, reafirmando um aspecto fundamental do regime democrático. A manipulação religiosa não é apenas um desvirtuamento de valores e convicções pessoais para fins político-eleitorais. Ao colocar o exercício da liberdade política como uma escolha entre o bem e o mal, essa instrumentalização da fé ataca o caráter laico do Estado – a separação entre Igreja e Estado – e a própria ideia de liberdade política. A mensagem dos manipuladores é a de que a adesão a um credo religioso implica uma específica escolha na urna. Não poucas vezes, a tramoia é feita sem nenhum pudor, sendo o próprio líder religioso candidato a cargo político.

Ao condenarem a manipulação religiosa, os bispos católicos reafirmam a existência de um âmbito de liberdade fundamental no Estado Democrático de Direito. Líder religioso não pode impor um determinado voto a seus fiéis – assim como patrão, cônjuge ou quem quer que seja não pode impor voto a ninguém. Há liberdade política, reconhecida e protegida pela Constituição.

A CNBB menciona um aspecto fundamental relativo à autonomia entre religião e política. “A Igreja (católica) é advogada da justiça e dos pobres, exatamente por não se identificar com os políticos nem com os interesses de partido”, diz a nota da entidade, citando um ensinamento do papa Bento XVI. A manipulação religiosa consiste justamente em identificar credo religioso com um político ou partido específico. Em suas expressões mais severas – que limitam de forma ainda mais radical a liberdade política –, essa manipulação chega a apresentar candidatos a cargos políticos como enviados de Deus.

É preciso defender a liberdade política. E, precisamente por existir liberdade política, cada pessoa tem o direito de definir o seu voto de acordo com suas convicções e sua visão de mundo. O caráter laico do Estado não impõe valores, sejam religiosos ou cívicos, a seus cidadãos. Cada um é livre para, dentro da lei, escolher e apoiar o que bem entender.

No caso dos católicos, os bispos lembram que “nossa fé comporta exigências éticas que se traduzem em compaixão e solidariedade concretas”. Logicamente, cada credo religioso tem suas doutrinas e suas especificidades. De toda forma, o que parece necessário destacar é a gritante incongruência entre discurso religioso (seja qual ele for) e desrespeito a quem pensa de forma diferente.

A manipulação religiosa da política tem sido fonte contínua de atritos e tensões, produzindo um ambiente de agressividade incompatível com o Estado Democrático de Direito. Segundo o Estadão revelou, lideranças evangélicas ligadas à esquerda estão preocupadas com a escalada da violência política, também dentro de instituições religiosas. Há disputa, pluralidade de ideias e embate de propostas, mas a democracia é fundamentalmente um regime de paz.

A liberdade – em suas diversas dimensões, também a política e a religiosa – não é um slogan vazio, e muito menos pretexto para agredir os demais. É um princípio fundamental inegociável, que, entre outras consequências, demanda respeito ao outro e à sua consciência.

Necessário limite à autonomia do MP

O Estado de S. Paulo

Investigação sobre Bolsonaro ocorria sem supervisão do Judiciário, levantando suspeita de que não era para valer

A conduta complacente da Procuradoria-Geral da República (PGR) em relação ao presidente Jair Bolsonaro tem sido ocasião para expor os efeitos deletérios – e a incompatibilidade com o Estado Democrático de Direito – de uma atuação do Ministério Público (MP) sem controle e sem supervisão. Recentemente, uma decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), lembrou que não cabe investigação da PGR à margem do conhecimento e da supervisão do Poder Judiciário.

Perante indícios da prática de crimes por parte do presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem determinado a abertura de “investigações prévias” no âmbito da PGR. Com essa prática – adotada, por exemplo, em questões relativas à atuação do presidente da República na pandemia –, Augusto Aras tem-se protegido das críticas de que a PGR seria omissa em relação a eventuais crimes praticados por Jair Bolsonaro. A existência de investigações prévias seria a prova de que o Ministério Público vem cumprindo seu dever constitucional.

No entanto, essas investigações prévias – não submetidas a qualquer tipo de controle fora do Ministério Público – ainda não produziram nenhum resultado prático. Tal situação tem levantado uma suspeita grave. Em vez de servirem para uma proteção efetiva da ordem jurídica, tais procedimentos internos da PGR parecem funcionar em sentido contrário, como se o seu objetivo fosse evitar que os indícios de crimes sejam de fato investigados. Como não há nenhum controle, a sociedade não tem como saber o que de fato está acontecendo. Certamente, essa falta de supervisão e de transparência contraria a Constituição de 1988. A autonomia funcional e administrativa atribuída ao Ministério Público não é sinônimo de irresponsabilidade.

Deve-se reconhecer que, até agora, o Judiciário vinha sendo bastante conivente com esse modo de proceder do Ministério Público. Em 2015, indo além do que prevê o texto constitucional, o STF entendeu que o Ministério Público dispõe de competência para promover investigação de natureza penal. Ainda que tenha fixado alguns critérios para essa atividade investigativa, a decisão do Supremo ajudou a consolidar, na prática, esse jeito de operar do Ministério Público pouco republicano, sem controle. É precisamente esse o quadro que agora começa a mudar, à luz da experiência com Augusto Aras na PGR.

O trabalho do Ministério Público precisa ser supervisionado pelo Judiciário. Sob esse argumento, a ministra Rosa Weber determinou o trancamento de investigação prévia instaurada na PGR para apurar se Jair Bolsonaro teria praticado crime por ocasião da reunião com embaixadores em julho. Com a decisão, a apuração do caso continua nas mãos do Ministério Público, mas será realizada nos autos da petição apresentada por deputados federais e sob a supervisão da Justiça.

Na República, nenhuma função estatal está acima da lei. A população não pode ficar refém de omissões ou opacidades do Estado.

O mau sinal da queda do petróleo

O Estado de S. Paulo

Cotação do petróleo é termômetro da atividade econômica global; queda reduz inflação, mas indica possível recessão

As cotações do petróleo continuam a surpreender. Depois de terem ultrapassado US$ 120 o barril em março, baixaram há dias para a faixa entre US$ 81 (tipo WTI) e US$ 88 (tipo Brent). A queda de cerca de 30% é, de fato, impressionante e de grande impacto. Há seis meses, o petróleo assustava o mundo e impulsionava a inflação nas principais economias, e também no Brasil; agora, ajuda a aliviar a pressão. Convém, porém, moderar o entusiasmo. O petróleo ficou mais barato porque a economia mundial vai mal. E em algum momento a crise externa terá reflexo na atividade econômica no Brasil.

No Brasil, em particular, a queda da cotação do óleo associou-se a medidas populistas do governo Bolsonaro. O governo fez fortes pressões sobre a Petrobras e os governos estaduais, o que, com a queda do preço do petróleo, resultou em redução substancial do preço da gasolina nas refinarias e, em particular, nas bombas.

O impacto sobre a inflação foi impressionante. Embora o preço da comida continue a subir, houve duas deflações mensais sucessivas e a variação acumulada de 12 meses caiu para menos de dois dígitos. Isso fez a inflação transformar-se de pesadelo para o presidente Jair Bolsonaro em tema para animar sua campanha pela reeleição – que, não obstante, continua sob risco em razão da má qualidade de sua gestão que prejudica a maioria da população.

A retomada da atividade econômica, que levou os analistas do setor privado a elevar as projeções do crescimento do PIB brasileiro em 2022, igualmente beneficia a campanha de Bolsonaro. As projeções para o desempenho da economia em 2023, no entanto, continuam sendo revistas para baixo. O novo cenário mundial, que faz cair as cotações do petróleo, justifica a cautela desses analistas.

Aos efeitos da pandemia, agora prejudicando fortemente a atividade econômica na China, seguiram-se medidas dos bancos centrais para conter a alta dos preços. A guerra na Ucrânia adicionou mais problemas a um mundo às voltas com uma crise sanitária sem precedentes que prejudicava a circulação de importantes bens e insumos.

Projeções de organismos internacionais já indicavam a desaceleração da economia mundial. O desaquecimento das atividades pode se intensificar. O endurecimento da política monetária nos principais países já produz efeitos sobre o consumo e a atividade econômica, e ainda não terminou. Em sua reunião de setembro, o Banco Central Europeu (BCE) aumentou os juros em 0,75 ponto porcentual e já avisou que novas altas deverão ser decididas em suas próximas reuniões, para conter a inflação na zona do euro, que “está muito alta”.

O endurecimento da política monetária se estende para outros países, o que intensifica as projeções de uma recessão mundial. Declarações recentes do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, foram interpretadas como indicação de que a instituição não desistirá de combater a inflação, ainda que à custa de um aperto monetário mais forte, o que afeta a atividade econômica e a geração de emprego.

Presidente pesado

Folha de S. Paulo

Distância entre Lula e Bolsonaro cai lentamente, a despeito do uso da máquina

A mais recente pesquisa Datafolha confirma o progressivo, porém moroso, estreitamento da diferença numérica entre os dois principais candidatos à Presidência.

Embora a distância seja a menor desde maio, observa-se desde o início da campanha um quadro de poucas mudanças, no qual Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a menos de um mês do pleito, mantém os mesmos 45% das intenções de voto da sondagem da semana passada, ante 34% de Jair Bolsonaro (PL), que oscilou dois pontos para cima.

Para notar uma tendência mais consistente de crescimento das intenções de voto no atual mandatário, é preciso considerar um período maior de tempo.

Há quatro meses, ele marcava 27%, enquanto Lula tinha 48%; em julho, foi a 29%, variação ainda dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Nas duas sondagens seguintes, em agosto e início de setembro, ficou nos 32%.

O movimento é acompanhado por uma melhora paulatina da avaliação do governo, como costumeiramente ocorre em períodos eleitorais. Desde o início do ano, a parcela dos que consideram a administração federal ótima ou boa se elevou de 22% para 31%.

Bolsonaro avançou muito pouco, porém, na redução de sua acachapante rejeição, que alcança 51% do eleitorado —não muito diferente do pico de 55% apurado em junho. O contingente dos que dizem não votar em Lula em nenhuma hipótese é bem menor, embora tenha subido de 33% para 39% desde maio.

Não por acaso, o petista mantém vantagem na simulação de um hoje mais provável segundo turno, de 53% a 39% —cifras quase idênticas às da pesquisa anterior (53% a 38%). A diferença, no entanto, caiu de 29 para 14 pontos neste ano.

Tudo considerado, são evidentes as fragilidades de Bolsonaro na busca pela reeleição, a despeito do desembolso descomunal de dinheiro público em medidas eleitoreiras. A elevação do Auxílio Brasil a R$ 600 e a deflação produzida pela redução de impostos sobre combustíveis surtiram efeito modesto, até aqui, nas intenções de voto.

A aprovação a seu governo ainda é inferior à obtida em 2014 pela petista Dilma Rousseff (36%), que se reelegeu a muito custo e não concluiu seu segundo mandato.

O presidente continua muito mal entre eleitores mais pobres, mulheres e nordestinos. Entre beneficiários diretos ou indiretos do Auxílio Brasil, Lula lidera por 56% a 28%.

Convém não subestimar, todavia, as vantagens do incumbente na disputa eleitoral —ainda mais tratando-se de um que não mostra nenhum escrúpulo na exploração da máquina pública e até de um evento nacional como o bicentenário da Independência.

Europa sem gás

Folha de S. Paulo

Continente vive escassez de energia devido à guerra e se aproxima da recessão

Um dos desdobramentos econômicos mais dramáticos da guerra na Ucrânia é o baque no fornecimento de gás para a Europa por parte da Rússia. Multiplicou-se por dez o custo da principal fonte de energia para fábricas e residências, o que eleva a probabilidade de uma recessão nos próximos meses.

O impacto no continente é brutal, a começar pela escalada da inflação, que chega a dois dígitos em vários países. As contas de luz em alta têm provocado protestos populares, uma aposta de Vladimir Putin para erodir a unidade do apoio ocidental à Ucrânia.

Nas últimas semanas, contudo, os sinais de progresso militar da Ucrânia parecem reforçar o alinhamento. Até agora, a carestia não alterou substancialmente a posição popular —pesquisa recente na Alemanha indica que 70% são favoráveis ao apoio ao país agredido.

Diante desse fato, Putin não hesitou em radicalizar o uso do gás como arma, chegando a ponto de descontinuar o fluxo por meio dos gasodutos como represália às sanções adotadas pelos europeus.

Nas últimas décadas, a orientação geopolítica, sob liderança da Alemanha, foi ancorar a produção industrial no fornecimento de gás russo barato. A dependência se tornou perigosa, atingindo mais de 40% das importações —a parcela caiu a 9% nos últimos meses.

A dificuldade na busca de opções é óbvia. Nos primeiros meses da guerra, gás e petróleo russos continuaram a chegar, mesmo com sanções, a preços mais altos ocasionados pelo próprio conflito, financiando a máquina de guerra de Putin. Estima-se que neste ano a receita com exportações tenha chegado a cerca de US$ 140 bilhões.

A decisão política de descontinuar a dependência da Rússia está tomada, mas não será indolor. A União Europeia tem adotado medidas de economia, e até racionamento, de modo a armazenar o máximo de gás antes do inverno.

Buscam-se fontes alternativas, como o gás liquefeito importado do Oriente Médio e dos Estados Unidos. Para tanto, porém, será necessário grande investimento em terminais de armazenamento.

Em outra frente, além do apoio dos governos às empresas e famílias, financiado em parte por impostos sobre ganhos extraordinários de empresas fornecedoras de energia, estuda-se a adoção de limites para o preço do gás.

Tudo sugere que a economia europeia enfrentará duros desafios, com efeitos no restante do mundo.

 Brasil precisa dar mais atenção ao agronegócio

O Globo

Resultado frustrante no PIB reforça relevância das práticas sustentáveis para recuperar imagem internacional

O agronegócio acostumou mal os economistas brasileiros. Depois do anúncio do resultado do PIB no segundo trimestre, o desempenho do setor agropecuário foi descrito como decepcionante. Na comparação com os três meses anteriores, o avanço de 0,5% ficou aquém da indústria (2,2%), de serviços (1,3%) e da economia como um todo (1,2%). Comparando com o segundo trimestre de 2021, a agropecuária recuou 2,5%.

O principal motivo para isso é conhecido: a crise que esfriou a demanda global, derrubando as exportações. A queda pode ter sido apenas circunstancial, mas há no horizonte uma ameaça preocupante: a possibilidade de boicotes em razão da devastação ambiental. Pela relevância que o agronegócio adquiriu na economia brasileira, é preciso dar ao tema a atenção máxima. Neste momento em que a campanha eleitoral expõe as mazelas do Brasil, é fundamental não esquecer também nossas virtudes — e a pujança do setor agropecuário é sem dúvida uma delas.

O PIB do agronegócio dobrou nos dez anos entre 2004 e 2014, segundo análise da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Para dobrar de tamanho uma segunda vez, demorou bem menos tempo: sete anos, entre 2014 e 2021. Ao contrário do que sustenta o discurso ideológico de um governo que incentiva o desmatamento em nome do que chama de “progresso”, isso não aconteceu à revelia da questão ambiental.

Na realidade, os agricultores brasileiros são ambientalmente mais sustentáveis quando comparados a americanos e europeus, concluiu uma pesquisa recente da consultoria McKinsey com 5.300 produtores nos dez países que concentram a produção primária do planeta. Por aqui, 80% dizem adotar a técnica conhecida como “plantio direto”, em que a semente é posta no solo sem que a terra seja revolvida. A prática resulta em vantagens para o meio ambiente, com menos erosão, menor necessidade de defensivos agrícolas e menor emissão de gases causadores do efeito estufa. Nos Estados Unidos, apenas 55% usam essa técnica.

Os brasileiros também se sobressaem no uso de controle biológico para combater pragas, melhorar a nutrição e fertilização das plantas. Seis de cada dez agricultores seguem essa técnica. No mercado americano, apenas 30%. Nossos fazendeiros são também mais digitalizados que os americanos e europeus. A penetração digital é de 41% entre agricultores da Região Sul, do Cerrado e da região apelidada Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Uma das explicações para a digitalização maior é a idade média mais baixa, especialmente no Cerrado e no Matopiba, onde a maioria dos produtores rurais tem menos de 45 anos. Eles estão desbravando o uso de novas ferramentas on-line para comprar insumos e fertilizantes, contratar assistência técnica para seus equipamentos e vender seus produtos nos mercados interno e externo.

É essa geração de empreendedores do campo que tem a missão de continuar buscando o aumento da produtividade e a adoção de técnicas sustentáveis — sem se esquecer de denunciar e de combater a minoria barulhenta que continua apostando na degradação ambiental e no atraso.

É louvável a iniciativa dos EUA em prol do combate à corrupção

O Globo

Casa Branca apoiará iniciativas de jornalistas, promotores e cidadãos que enfrentem regimes de ‘cleptocracia’

Se governantes descuidados com a preservação ambiental já enfrentam problemas com os Estados Unidos e a Europa, aqueles que fazem vista grossa ao desvio do dinheiro público e enriquecem com recursos do Erário enfrentarão mais dificuldades com o governo do presidente americano, Joe Biden. As missões da Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, em inglês) americana e seus parceiros acabam de receber um guia sobre como enfrentar a corrupção nos outros países.

A intenção da Casa Branca é dar apoio onde houver roubo de dinheiro público — em particular nos regimes classificados como “cleptocracias” — a iniciativas e a cidadãos que enfrentem a roubalheira. É o caso de jornalistas investigativos que desnudam oligarcas, empreendedores cansados de pagar propina, promotores honestos, políticos que lutam pela transparência ou quem quer que seja. O alvo principal do recado americano não é o Brasil, mas as iniciativas de combate à corrupção por aqui também entrarão na mira.

A ideia de dar apoio a países cuja sociedade quer desmantelar sistemas políticos e governos dominados por elites corruptas surgiu a partir do exemplo da Ucrânia. As reformas executadas depois de 2014 — ano da derrubada do presidente ligado a Moscou, Viktor Yanukovich, pela Revolução da Dignidade — são uma das principais fontes do guia americano. Foi naquele ano que tropas russas invadiram a Crimeia, sem maior resistência do Exército ucraniano, devido aos anos de corrupção e aos baixos investimentos na defesa. Uma explicação para a resistência que a Ucrânia demonstra agora contra as forças russas de invasão está na motivação das tropas para lutar por um país sem o nível de corrupção do passado.

Quem enfrentará mais dificuldades em razão das diretrizes americanas é a Rússia de Vladimir Putin, transformada num paraíso de oligarcas vinculados ao Estado. O enriquecimento de empresários que frequentam o Kremlin nos 23 anos de poder de Putin macula faz tempo a imagem do presidente russo. A corrupção também é citada como causa do avanço do Talibã no Afeganistão, onde militares passaram a receber propina para não lutar por um governo que viam como corrupto.

A política contra corrupção de Biden, lançada em dezembro do ano passado, não traz nenhuma receita extraordinária para ajudar os países interessados em acabar com as falcatruas. Há, porém, iniciativas essenciais para enfrentar o mundo do caixa dois e do dinheiro sujo, como ampliar a troca de informações e garantir transparência nos sistemas contra lavagem de dinheiro.

É louvável que o país mais poderoso do mundo queira ajudar quem quer ser honesto. Um dos efeitos mais deletérios da corrupção é impedir que sociedades atinjam um padrão mais elevado de desenvolvimento em saúde, educação e meio ambiente. O tema foi deixado de lado no Brasil com o desmantelamento da Operação Lava-Jato. Deveria voltar à agenda, sobretudo pelo histórico de escândalos que macula a imagem dos líderes na corrida presidencial.

 

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