segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Brasil terá de saber usar a lei europeia antidesmatamento

O Globo

Ainda que a motivação da UE possa ser protecionista, também interessa ao país deter devastação de seus biomas

Líderes europeus veem com alívio as promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na área ambiental, em especial o resgate do combate à devastação da Amazônia. Isso não impede que avance na União Europeia (UE) uma legislação dura para barrar a importação de produtos oriundos de áreas de desmatamento ilegal, cujo maior alvo é o Brasil.

Na última terça-feira, representantes da Comissão Europeia, do Conselho e do Parlamento europeus chegaram a um acordo sobre a nova lei, que parece talhada sob medida para atingir produtos brasileiros. Ela afetará apenas a produção de áreas desmatadas a partir de 2020, segundo ano do governo Jair Bolsonaro, quando a devastação amazônica ganhou velocidade. Não haverá, porém, como contornar a investida europeia, que mistura a preocupação genuína com o meio ambiente ao conhecido protecionismo.

Caberá aos exportadores brasileiros, entre eles grandes empresas globais, se precaver na exportação para a UE de mercadorias como soja, carne bovina, madeira, café, couro, óleo de palma, móveis, chocolate, papel e carvão vegetal. Terão de comprovar que nada disso vem de área de desmatamento ilegal, sob pena de arcar com pesadas multas. Serão exigidas até as coordenadas geográficas das regiões de produção. O Parlamento Europeu sugere que as próprias companhias investiguem o DNA dos produtos para garantir a origem.

Mais do que uma nova lei, a UE decidiu criar uma política rígida para que a Europa deixe de contribuir para a destruição do meio ambiente em todo o mundo. O bloco estima que a área devastada no planeta entre 1990 e 2020 foi maior que a europeia e que o Continente foi responsável, com seu consumo, por 10% da devastação. Mas isso não significa que implantar mecanismos confiáveis de rastreamento da produção seja má ideia. Ao contrário.

Eurodeputados tentaram, sem sucesso, incluir no projeto outros biomas ameaçados além das florestas tropicais, como as savanas e o Cerrado, onde o Brasil produz a maior parte dos grãos que exporta. Em algum momento, é certo que ele também seja alvo. A Comissão Europeia avaliará, depois de dois anos, a extensão das regras a outros biomas de grande biodiversidade ou estoque de carbono que poderia ser liberado para a atmosfera. Quem exporta para a UE a partir do Centro-Oeste do Brasil e de regiões adjacentes precisa se preparar desde já para comprovar que não se vale do desmatamento ilegal para produzir.

Por óbvio, interesses protecionistas se aproveitam do ambientalismo para impedir que Brasil ou Argentina concorram com a agricultura europeia de pequena escala e baixa produtividade. São as mesmas forças que não desejam que entre em vigor o acordo de livre-comércio Mercosul-UE. É verdade, também, que o impacto da medida nas emissões de gases tende a ser pequeno. Os países europeus fariam mais em prol do planeta se promovessem uma transição mais rápida para a energia limpa, reduzindo drasticamente o consumo de carvão, gás natural e petróleo.

Mesmo assim, é do interesse do Brasil cumprir com toda regra que contribua para reduzir o desmatamento. É preferível explorar os milhões de hectares disponíveis no Brasil sem derrubar uma árvore a não poder entrar no mercado europeu. Preservar o meio ambiente é também mais importante para nosso futuro do que as denúncias de protecionismo velado.

Tortura e barbárie contra acusados de furto merecem punição exemplar

O Globo

Episódios de violência promovida por seguranças particulares no Sul do país atentam contra a civilização

São repugnantes as cenas de violência ocorridas no Sul do país que vieram à tona nos últimos dias. Num supermercado em Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre, seguranças particulares torturaram dois homens acusados de furtar dois pacotes de picanha (cada pacote custava R$ 100). No Paraná, um segurança insultou e agrediu de forma covarde um músico e um morador de rua. O país não pode encarar como normal esse comportamento que passa por cima das leis e atenta contra a civilização.

O caso no supermercado Unisuper, em Canoas, aconteceu em outubro, mas ganhou repercussão depois que as imagens de câmeras de segurança foram divulgadas, no início do mês. Os dois homens, de 32 e 47 anos, foram torturados por 45 minutos com pontapés, socos e pauladas na cabeça. Uma das vítimas foi hospitalizada com ferimentos graves. Tão chocante quanto as agressões foi a passividade de funcionários do supermercado que assistiam ao espancamento, entre eles o gerente e o subgerente. A confraternização após a sessão de tortura, quando posaram para fotos, causa perplexidade. Segundo as investigações, entre os agressores estavam dois PMs da ativa e um PM aposentado, que trabalhavam para a empresa de segurança Glock.

Outro caso ocorreu em Curitiba e se tornou público também no início do mês. Dois negros foram atacados com ofensas racistas e agredidos por Paulo César Bezerra da Silva, de 36 anos. Um deles é o músico Odivaldo Carlos da Silva, confundido com um morador de rua. “Ei, negro! Macaco! Morador de rua tem que morrer!”, bradou o agressor. Em seguida, desferiu golpes de cassetete e soltou seu cachorro em cima da vítima. O outro, morador de rua, foi espancado. O agressor foi preso preventivamente e responderá por duas tentativas de homicídio qualificado. Em depoimento, contou que comerciantes o pagavam para fazer segurança.

Impressiona como essas histórias se repetem sem que o Estado consiga impedi-las com a força da lei. Faz pouco mais de dois anos que João Alberto Silveira Freitas, negro de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças particulares do supermercado Carrefour de Porto Alegre. O espancamento começou depois que ele discutiu com funcionários. Apenas dois seguranças envolvidos no crime estão presos. Uma ex-funcionária do supermercado está em prisão domiciliar. Um funcionário da empresa de segurança e dois ex-empregados do Carrefour respondem em liberdade. No ano passado, um homem e seu sobrinho, flagrados furtando carne, foram mortos depois de ser entregues ao tráfico por seguranças de um supermercado em Salvador. Três seguranças estão presos.

Não há outra forma de deter as atrocidades a não ser investigando, julgando e punindo os agressores. Se alguém é suspeito de crime, deve ser encaminhado à polícia para que o caso seja investigado. O Brasil não pode se tornar uma terra onde cada um segue suas próprias leis. Torturadores, espancadores, assassinos precisam ser punidos exemplarmente. É o sentimento de impunidade que incentiva a barbárie.

Mais ICMS e preços

Folha de S. Paulo

Conflitos sobre tributação de combustíveis e energia mostram urgência de reforma

Num passo importante para dirimir a controvérsia que se estabeleceu entre os estados e a União após a aprovação de duas leis que impõem limites à cobrança do ICMS sobre produtos essenciais, as partes chegaram a um acordo parcial na Comissão de Conciliação criada no Supremo Tribunal Federal.

As legislações, aprovadas em junho com motivações eleitoreiras, estabeleceram que combustíveis, GLP, gás natural, eletricidade, transportes e telecomunicações são itens essenciais —e limitaram a alíquota do ICMS (um tributo estadual) incidente sobre eles em 17% ou 18%.

Nos casos de gasolina, etanol e diesel, além disso, foi proibida a cobrança como percentual do preço em favor de um valor fixo por litro, entre outras restrições. Foi ainda definindo um critério de compensação pela União neste ano, limitado a 5% das perdas de receitas ante o verificado em 2021.

De fato, vários estados impunham cobrança excessiva sobre combustíveis, às vezes acima de 30%. A legislação foi efetiva em reduzir os preços na bomba, mas resultou em redução de arrecadação, que segundo o Comsefaz (órgão que reúne os secretários das fazendas estaduais) pode chegar a R$ 124 bilhões anuais. Daí a reação dos governadores, que foram ao STF em busca de apoio.

Seria inoportuno que a corte interviesse em desfavor da legislação aprovada, porém a busca de um acordo que reduza o conflito federativo é positiva.

Após meses de negociações, parece haver alinhamento para restaurar a autonomia na definição das alíquotas de todos os combustíveis, com exceção da gasolina, desde que respeitado o teto legal para a cobrança.

Na prática, poderá haver volta da cobrança percentual, o que pode levar a novos aumentos para o consumidor. A gasolina será objeto de acordo à parte, o que sugere que talvez deixe de ser considerada item essencial, e assim não mais sujeita aos limites de cobrança.

Ainda não há definição sobre as compensações da União e o prazo para uma conciliação foi estendido por mais 120 dias.

Enquanto isso, vários estados se movimentam para buscar recursos. O Comsefaz estimou que a alíquota padrão do ICMS em todo o país precisaria subir de 17,5% para 21,5% para restaurar a arrecadação.

O episódio demonstra a urgência de uma reforma tributária para a criação de um imposto único sobre valor agregado cobrado no local de consumo dos produtos.

Além da pacificação federativa, seria o passo definitivo para o fim da guerra fiscal por investimentos e da miríade de regras estaduais que criam burocracia para as empresas e ineficiência na economia.

Paraisópolis, 3 anos

Folha de S. Paulo

Operação policial que resultou em mortes segue sem punição dos responsáveis

No dia 1º de dezembro de 2019, uma ação policial de repressão a um baile funk terminou com nove pessoas mortas por pisoteamento e outras sete feridas, na favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo.

A tradicional festa de rua intitulada Baile da DZ7 contava com mais de 5.000 pessoas. Imagens e relatos expõem o encurralamento da multidão em vielas e abusos por parte dos agentes da lei.

A falta de planejamento da operação precipitada, com rotas de dispersão insuficientes, contribuiu para as mortes. A justificativa de combate ao crime organizado ou ao distúrbio da ordem não deve servir de cheque em branco para que a Polícia Militar atue de forma a causar mortes de civis.

Em 2020, a Corregedoria da PM considerou a ação como legítima defesa e pediu o arquivamento do caso. A Polícia Civil e o Ministério Público discordaram, contudo. Em 2021, 12 dos 31 policiais envolvidos foram indiciados por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).

Mas o caso segue sem julgamento, com injustificada morosidade.

Estudo do Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getulio Vargas, noticiado pela Folha, mostrou que o Estado falha ao tratar de casos como o de Paraisópolis e outros envolvendo, sobretudo, jovens negros e pobres.

É fácil classificar episódios dessa magnitude como tragédias. No entanto o termo esconde, de um lado, a responsabilidade de agentes policiais e, de outro, o dever de comandantes e dirigentes políticos de planejar operações que não resultem em mortes.

No dia seguinte ao ocorrido, após lamentar as vítimas, o então governado João Doria elogiou a polícia paulista, segundo ele "preparada, equipada e bem informada".

Publicado neste mês, o relatório "O Massacre no Baile da DZ7, Paraisópolis", da Unifesp e da Defensoria Pública de São Paulo, analisou as justificativas da Polícia Militar, entre elas resistência, pisoteamento e socorro pelos policiais.

Evidências como imagens, áudios, fotografias e exames do corpo das vítimas apontam para um cenário menos compatível com a versão policial de autodefesa.

Paraisópolis expõe a lentidão da Justiça em punir responsáveis, compensar as famílias das vítimas e instigar a reformulação de políticas de segurança ineficazes e custosas. Por baixo das teias jurídicas, jazem as vítimas que demandam respostas do poder público.

Lula e a esquerda jurássica

O Estado de S. Paulo

O Brasil de 2023 é muito diferente do de 2003. Se Lula precisou ser pragmático no 1.º mandato, distanciando-se da esquerda retrógrada, esse movimento é agora ainda mais necessário

Em 2003, ao assumir pela primeira vez a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva precisou ser pragmático na condução do governo, afastando e ignorando velhas bandeiras da esquerda. A atitude realista de Lula – que se manifestou em várias áreas, especialmente na política econômica – foi fundamental para os resultados obtidos em seu primeiro mandato. Sem responsabilidade fiscal e sem a reforma da Previdência de 2003 articulada pelo governo do PT – para citar apenas dois tópicos –, o desempenho do primeiro governo Lula teria sido inteiramente diferente.

Agora, 20 anos depois, é de reconhecer que o País a ser governado por Lula está ainda mais incompatível com os dogmas e práticas de uma esquerda jurássica: inchaço da máquina pública, desleixo com a inflação, economia moldada pela estatização, hostilidade à atividade empresarial, especialmente ao agronegócio, submissão a um sindicalismo atrasado e ao corporativismo de setores do funcionalismo público. Se, em 2003, o Brasil não tinha nada a ganhar com essa compreensão asfixiante de sociedade e de Estado, agora é que precisa dela menos ainda.

Ao voltar ao Palácio do Planalto 20 anos depois da posse de seu primeiro mandato, Lula encontrará um país diferente. Certamente, há muitos desafios que permanecem: a pobreza e a miséria, as desigualdades sociais, a baixa qualidade da oferta educativa para tantas crianças e jovens, o racismo em suas diversas modalidades e expressões, problemas de infraestrutura, limitações da rede pública de saúde, entraves ao crescimento econômico, entre outros pontos. Muita coisa foi feita nessas duas décadas, houve avanços significativos em algumas áreas, mas também se observam retrocessos, como a volta da fome, e problemas que ainda estão longe de ser resolvidos satisfatoriamente, como a falta de saneamento básico para muitas famílias.

De toda forma, o Brasil de 2023 é muito diferente daquele de 2003. Basta pensar, por exemplo, no atual agronegócio e em sua relevância para a economia brasileira. O desenvolvimento econômico do campo produziu mudanças sociais importantes: novas situações de vida, novas dinâmicas sociais, novas demandas políticas. Até agora, a esquerda mostrou-se alheia a tudo isso, como se o campo não fizesse parte de seu horizonte – como se fosse outro país.

A grande questão é que, na Presidência da República, Lula não pode ignorar essa nova realidade social e econômica. E aqui a defasagem é gritante. Ao longo dessas duas décadas, a esquerda não mudou sua visão sobre o campo, não tendo produzido nenhuma proposta séria de política pública para o setor. O movimento parecia justamente o oposto. Além de não ter afinidade política com o agronegócio, o PT tratou muitas vezes com desdém e hostilidade quem empreende no campo.

O anacronismo de parte da esquerda também é patente no que se refere às relações trabalhistas. Durante a campanha eleitoral, em vez de apresentar uma proposta minimamente articulada sobre o mundo contemporâneo do trabalho, esquerdistas pareciam estar pregando para funcionários sindicalizados dos anos 60 do século passado. Em vez de apresentar soluções para as questões reais que afligem o trabalhador brasileiro, o PT falava em revogar a reforma trabalhista de 2017, aquela que, entre outros avanços, extinguiu o imposto sindical.

Mesmo nas áreas em que continua havendo grandes deficiências, como educação e saúde, os desafios agora são em boa medida diferentes dos de duas décadas atrás. A população mudou, envelheceu. Não há nenhum tempo a perder. A educação das novas gerações é ainda mais decisiva. Novas políticas públicas foram implementadas, e mais do que nunca é preciso aproveitar o que deu certo.

Verifica-se também outro panorama internacional. A visão geopolítica da guerra fria, tão cara à esquerda, está ainda mais ultrapassada, ainda mais distante dos interesses nacionais.

Se Lula quer governar para o Brasil real, seu terceiro mandato precisará ser ainda mais pragmático. Não é uma questão de implicância com a esquerda. Parte dela simplesmente parou no tempo.

Máquina de gerar desigualdades

O Estado de S. Paulo

Sem uma reforma administrativa que promova equidade, produtividade e meritocracia, distâncias entre a elite e a base do serviço público e entre ele e a iniciativa privada só aumentarão

Como de hábito no fim de ano, as elites do funcionalismo se mobilizaram para aumentar seus contracheques. O Senado pautou o retorno do quinquênio para juízes federais – um bônus de 5% do salário a cada cinco anos. O STF aprovou um aumento de 18% para magistrados e servidores. A Assembleia Legislativa de São Paulo aumentou em 50% o salário do governador, o teto do funcionalismo paulista. Nada há de errado quando trabalhadores buscam ser bem recompensados. O problema é quando a ótima remuneração de uns poucos é paga à custa da péssima remuneração de muitos.

Em uma administração pública sustentável e republicana, ganhos a servidores devem ser planejados dentro dos limites fiscais, ser distribuídos equitativamente a toda a cadeia do serviço público, premiar ganhos de produtividade e ser acompanhados de revisões da máquina administrativa que garantam quadros mais enxutos e eficientes, resultando em melhores serviços.

Mas no sistema brasileiro dá-se o inverso. Primeiro, um setor da elite do funcionalismo aumenta seus rendimentos. Logo outros setores da elite, pretextando isonomia, ampliam os seus, aumentando a distância em relação às bases. Então essas bases, pretextando a mesma isonomia, mas sem o mesmo poder de barganha, avançam sobre as migalhas, aumentando sua distância em relação à iniciativa privada.

Como o Orçamento é limitado, o espaço para investimentos e gastos fora da folha se contrai. Como o fiscal fica sempre para depois, é preciso aumentar a dívida e/ou impostos para pagar a conta. De todo modo, a renda do trabalhador privado é corroída, seja pelos juros e a inflação decorrentes do descontrole fiscal, seja pela carga tributária. Como essas medidas não são acompanhadas de reformas tributárias que eliminem a regressividade do sistema, os pobres pagam mais. E, como nunca são acompanhadas de reformas administrativas que tornem os serviços mais eficientes, o aumento dos custos não resulta em melhores serviços.

Assim, o Estado brasileiro é uma máquina de gerar desigualdades: primeiro, entre os servidores no topo da pirâmide e os da base; depois, entre o funcionalismo e a iniciativa privada.

Comparativamente, o Brasil tem poucos servidores: 5,6% do mercado de trabalho, enquanto a média na OCDE é de 9,6%. Mas, enquanto nos países da OCDE os gastos com a folha representam 9,9% do PIB, no Brasil são 13,4%. A razão está justamente nos altos rendimentos da elite dos servidores, sobretudo federais.

Hoje o salário mínimo é de R$ 1,2 mil e a renda média, de pouco mais que o dobro. A média entre os funcionários públicos é de quase R$ 5 mil. Entre os servidores federais, é de R$ 10 mil. No Poder Judiciário, é de R$ 12 mil. Mas há contracheques que chegam a mais de R$ 440 mil mensais. Nos países da OCDE, os servidores públicos recebem, em média, um salário 16% maior que os de seus pares na iniciativa privada, enquanto o salário dos servidores federais no Brasil é 67% maior. Isso sem contar uma estabilidade quase absoluta e um sem-número de auxílios e indenizações (os “penduricalhos”) dos quais o trabalhador privado, que paga por eles, jamais verá a cor. Segundo a Instituição Fiscal Independente, entre 2013 e 2018, enquanto a massa salarial dos empregados no setor privado encolheu 0,7%, os ganhos dos agentes públicos cresceram 12%.

“Mecanismos meritocráticos aliados à racionalização, redução e padronização dos planos de carreira gerarão ganhos para todos. Com uma máquina pública mais enxuta e eficaz, as desigualdades no serviço público e entre ele e a iniciativa privada diminuiriam; os servidores seriam mais bem recompensados pelo seu trabalho; e o contribuinte seria mais bem servido por seus impostos”, já disse este jornal no editorial Por um Estado eficiente (1/10/22). “Os ganhos de produtividade, aliados à racionalização dos custos da máquina pública, resultariam não só em serviços melhores e menos onerosos, mas num ambiente de negócios mais propício aos investimentos. Em outras palavras: mais crescimento econômico e mais justiça social, num círculo virtuoso de retroalimentação.”

Região carente de confiança e progresso

O Estado de S. Paulo

Recente melhora econômica na América Latina é frágil numa região incapaz de superar seus problemas sociais

Com desempenho econômico medíocre pelo menos desde o início da década passada, que não lhe permite avançar na redução das desigualdades sociais nem lhe dá condições de competir com os países que se modernizam e crescem, a América Latina parece conformada. A economia regional deve crescer entre 3,0% e 3,5% em 2022, mas no ano que vem voltará ao ritmo decepcionante observado há tempos, com expansão de 1,6% a 1,7%, segundo estimativas de organizações como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Melhoras na percepção de clima econômico, como as detectadas na Sondagem Econômica da América Latina divulgada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), podem alimentar algum otimismo, mas são frágeis. Com pouquíssimas exceções, esse indicador tem se mantido em nível muito baixo desde 2013. Problemas estruturais antigos, e bem conhecidos, e outros mais recentes, como a pandemia e a eclosão do conflito armado na Ucrânia, com todos os desdobramentos na economia mundial, limitam a expansão e o progresso da região e minam a confiança de sua população e de seus dirigentes empresariais.

Fatores conjunturais favoráveis, como a alta dos preços das commodities das quais a região é grande exportadora, propiciaram a melhora do desempenho da economia latino-americana em 2022, levando-a registrar expansão igual à observada antes da pandemia. Mas as incertezas globais diante da guerra na Ucrânia, com a persistência de problemas de suprimentos de combustíveis e alimentos, e a elevação das taxas de juros decidida pelos bancos centrais dos principais países ocidentais já afetam a economia mundial e serão ainda mais notadas em 2023.

É essa sensação mista de retomada da normalidade no presente e de volta aos velhos problemas em 2023, e talvez também em 2024, que parece limitar a melhora do Indicador de Clima Econômico (ICE) entre o terceiro e o quarto trimestres deste ano, de acordo com a pesquisa do IBRE/FGV. O ICE teve alta expressiva de 11,8 pontos entre os dois trimestres, sobretudo por causa da melhora observada no Brasil, mas continua em nível desfavorável. Alcançou 66,5 pontos, bem abaixo dos 100 pontos que separam a zona favorável da desfavorável.

A pesquisa afere também aquilo que os entrevistados apontam como entraves para o crescimento econômico: falta de inovação, infraestrutura inadequada, falta de confiança na política econômica, falta de competitividade internacional, corrupção, aumento na desigualdade de renda, clima desfavorável para investidores estrangeiros, instabilidade política, barreiras legais e administrativas para investidores, falta de mão de obra qualificada, dificuldade no fornecimento de insumos e falta de capital.

Observáveis, em maior ou menor grau, em todos os países da América Latina, esses problemas têm em comum também o fato de que sua solução depende, em sua grande maioria, de decisões políticas ou de ações administrativas do poder público bem formuladas e capazes de se manter no tempo. É disso que a América Latina carece.

Política fiscal pode prejudicar cenário de queda da inflação

Valor Econômico

Os juros mais longos continuam pressionados

A inflação de novembro ficou abaixo do esperado pelos especialistas do mercado financeiro, em mais um sinal de que a política monetária está fazendo efeito para baixar o índice de preços para as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) até 2024. Mas as incertezas sobre como vai ser a política fiscal no futuro governo Lula podem prejudicar a concretização desse cenário favorável.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,41% no mês passado, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira. O percentual ficou abaixo da mediana das projeções dos analistas do setor privado, de 0,54%, de acordo com amostra com a opinião de 36 consultorias e instituições financeiras consultadas pelo Valor Data. Nenhuma delas apostava que a variação do índice ficasse tão baixa no mês.

Não apenas o índice cheio, mas também a abertura dos dados, foi melhor. O índice de difusão, que mede o percentual de preços que subiram no período, recuou de 67,5% para 58,7%. Das nove classes de produtos e serviços pesquisados, seis tiveram desaceleração na alta, incluindo alimentação e bebidas, artigos de residência, vestuário, educação, saúde e cuidados pessoais.

Os chamados núcleos de inflação, que excluem preços mais voláteis, como alimentos e energia, também apresentaram redução, o que sugere que a baixa do índice de inflação não é apenas temporária. A média dos núcleos de inflação mais usados pelos especialistas recuou de outubro para novembro, de 0,59% para 0,29%.

Os dados são positivos, mas vai uma grande distância para afirmar que a batalha contra o surto inflacionário está ganha. Em termos anuais, o IPCA está muito alto, em descompasso com as metas de inflação fixadas pelo CMN. Em 12 meses até novembro, a variação do índice de preços chega a 5,9%, ante uma meta estabelecida em 3,5% para este ano. O prognóstico do mercado é que possa fechar 2022 em um percentual menor do que 6%.

Uma parcela muito importante dessa desaceleração inflacionária se deve a cortes de impostos patrocinados pelo governo Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Como eles parecem insustentáveis, ante a fragilidade fiscal da União e dos Estados e municípios, uma parcela representativa do mercado acredita que eles sejam revistos no ano que vem. Ou seja, a inflação caiu neste ano, em parte, apenas por que foi transferida de 2022 para 2023.

O efeito dessas medidas baixistas ocorreram até as eleições, em outubro, por isso os dados do IPCA de novembro permitem uma leitura mais precisa do que está ocorrendo. Já começam a aparecer alguns sinais de que a política monetária está fazendo os seus efeitos, depois de o Banco Central elevar os juros básicos para 13,75% ao ano.

O aperto da política monetária parece estar se transmitindo na atividade econômica, que apresentou uma desaceleração no terceiro trimestre, apesar dos monumentais estímulos fiscais injetados. O natural é que, ao longo do tempo, esse efeito mais forte chegue aos preços.

Mas, provavelmente, será um trabalho árduo fazer a inflação baixar dos níveis atuais para as metas. Será preciso persistência e disciplina da política monetária. Preços como os de serviços costumam ser mais inerciais e cair mais lentamente, puxados pelo aumento do desemprego e da ociosidade em geral da economia.

De qualquer forma, as estatísticas da inflação de novembro mostram que pode haver um caminho para a inflação cair à meta até meados de 2024, como traçado no cenário básico do Banco Central. Na sexta-feira, os juros negociados em mercado renovaram a esperança de que isso possa ocorrer, com a queda das taxas mais curtas.

Infelizmente, não se colheu integralmente os ganhos dessa melhora no cenário inflacionário devido às incertezas sobre qual vai ser a política fiscal no governo Lula. Os juros mais longos continuam pressionados. Alguns analistas econômicos ouvidos pelo Valor na sexta-feira resolveram não incorporar a surpresa inflacionária de curto prazo nas suas projeções de longo prazo, devido ao risco de a política fiscal prejudicar a convergência do IPCA para as metas.

O Comitê de Política Monetária (Copom) acerta em alertar, em comunicado na semana passada, para o risco representado por um eventual descontrole adicional das contas públicas, além daquele que já ocorreu durante o governo Bolsonaro.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

A tortura é inaceitável em qualquer situação.

ADEMAR AMANCIO disse...

A esquerda e o agronegócio.