Folha de S. Paulo
Fragmentação diminuiu, mas enraizamento
social dos partidos é pífio
No auge de sua fase mais jacobina, o
moderado Joaquim Nabuco referiu-se aos partidos políticos como "sociedades
cooperativas de colocação ou de seguro contra a miséria" ("O
Abolicionismo", 1883).
Os mais pessimistas dirão que pouco ou quase nada mudou; há sim mudanças, mas
em outras dimensões. Uma delas acaba de ocorrer: uma reversão da
hiperfragmentação que está presente há duas décadas.
Produto da reforma de 2017, ela se manifesta em vários níveis. Em primeiro
lugar, na redução no número de partidos representados na Câmara de
Deputados. O número
efetivo de partidos políticos (métrica que leva em conta a dispersão das
cadeiras) caiu 40%, de 16.4 —o escore mais elevado já observado
nas democracias— para 9.9. Queda esperada considerando as novas regras adotadas
em 2017 quanto às cláusulas de desempenho. Em 2022, 23 partidos elegeram ao
menos um deputado federal, mas só 16
superaram a cláusula; ocorreram sete fusões ou incorporações partidárias.
O segundo efeito da reforma foi a queda
abrupta das bancadas de um só representante. Na Câmara atual todos os atuais
deputados de AL, RO, AP, ES, RR, RN e SE provêm de partidos diferentes. Na
bancada eleita o quadro é radicalmente diferente.
Em Alagoas, o PP acaba de eleger quatro deputados federais, o MDB dois; em
Rondônia, a União Brasil elegeu a metade da bancada de oito deputados; no
Amapá, o PDT e o PL, detêm juntos 75% da bancada estadual; no Espírito Santo,
Podemos, PP e PT agora possuem dois deputados cada. Em Roraima, o Republicanos
elegeu três deputados, equivalente a quase 40% dos representantes; etc. Nos
demais estados, onde a fragmentação não era tão radical, o quadro também mudou.
No Piauí, o maior partido da bancada tinha dois representantes; na eleita pulou
para quatro.
O enxugamento no número de partidos foi acompanhado de um aumento gigantesco no
volume de recursos públicos que recebem. Os incentivos a apoiar quem detém o
poder continuam muito fortes, mas não apoiar o governo não significa ficar na
rua da amargura.
Nabuco acertou: nunca os partidos estiveram tão longe da miséria! Mas se os
partidos e o Legislativo se fortaleceram neste movimento, o enraizamento social
dos partidos continua pífio.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA
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