O Estado de S. Paulo
É interessante que muitos que desejam ir embora do Brasil aqui deveriam ficar, acima de tudo, porque a ele muito devem
Recentemente eu li que um significativo
número de jovens quer deixar o País (76% dos pesquisados). Uma notícia
alarmante. Duas razões para o alarme. Em primeiro lugar, com o êxodo da
juventude haverá carência em todos os campos das atividades. Não teremos novos
quadros para impulsionar os setores produtivos, culturais, científicos e no
setor público inexistirão novas lideranças políticas e administrativas para
ocupar os cargos de administração da Nação. As carências já existentes de
homens aptos para gerir a política e a coisa pública será agravada pela
debandada.
Entendo que sair do País, especialmente no
caso daqueles que têm condições de contribuir para o seu aprimoramento,
representa uma incompreensível falta de estima pelo Brasil e por seu povo.
Sabe-se ter havido na História inúmeros exemplos de imigrações que atingiram inúmeros países. O Brasil mesmo, desde o século 19, acolheu imigrantes de inúmeras nações. Os estrangeiros que para cá vieram e seus descendentes se integram em nossa vida social e cultural, assim como nos legaram positivas influências de suas origens.
Todos os surtos imigratórios tiveram causas
bem detectáveis a justificá-los. Eles foram marcados por insuperáveis carências
em seus países. Fatores diversos, especialmente guerras e revoluções, reduziram
as oportunidades de trabalho e suprimiram condições mínimas para a permanência
de grande parcela das populações em seus Estados de origem. A imigração passou
a ser uma solução de sobrevivência.
Será que estamos atravessando no Brasil de
hoje um período de catástrofe social, uma revolução interna, uma ameaça de
guerra externa ou de invasão de nações estrangeiras, um caos na economia, uma
avalanche destrutiva de fenômenos naturais? Não. É verdade que não estamos
vivendo num país onde reinem a segurança, a igualdade social, uma economia
sólida e produtiva, uma assistência integral e abrangente nas áreas de saúde,
educação, habitação e saneamento. Estamos, sim, passando por não pequenas
dificuldades.
Mas os nossos problemas não justificam a
saída coletiva de brasileiros do País. Impõem, sim, a união, a crença e o amor
à Pátria. Tal como nos unimos em defesa da democracia e das instituições –
salvo alguns adeptos do totalitarismo –, é essencial que os nossos esforços
sejam empregados na supressão ou na diminuição de nossas conhecidas mazelas.
Sair do País, não. Devem permanecer para
construir.
É interessante que muitos que desejam ir
embora do Brasil aqui deveriam ficar, acima de tudo, porque a ele muito devem.
Refiro-me àqueles a quem foram proporcionadas situações favoráveis para
progredir cultural e materialmente, a ponto de poderem sair e se manterem fora.
Lembre-se: tais condições essas pessoas encontraram no país que agora querem
deixar.
Parece ter chegado a hora de a parcela
privilegiada da sociedade mergulhar dentro de si e rever posicionamentos
herdados do Brasil imperial, patrimonialista, escravocrata. Desprezo, arrogância,
autossuficiência, individualismo, preconceito e discriminação marcam parte dos
integrantes desta autoconsiderada “casta”. É a elite envergonhada de aqui ter
nascido. O seu sonho é ter tido origem em outras plagas. Retirou do País tudo
aquilo que ele lhe pôde proporcionar e, agora, quer ir embora ou mandar os seus
filhos para fora. Fiquem e os deixem no País, para retribuírem o que o Brasil
lhes proporcionou.
Dirão que não têm oportunidades. Vamos
criá-las. Só os da elite podem fazê-lo. Os menos favorecidos – aliás, a enorme
massa – querem sobreviver. Eles, sim, não têm condições para sair do País. Os
favorecidos, ao contrário, podem tudo, até abandonar o nosso barco.
O trabalho é árduo e as mudanças,
necessárias. Interesses coletivos, no lugar dos particulares. A solidariedade,
ao invés do egoísmo. O bem público separado do interesse privado. A compreensão
afastando a intolerância. O desprendimento, em vez da ambição desmedida e da
ganância; o amor em substituição ao ódio. São fórmulas piegas, poderão dizer.
Não importa. Surtirão efeitos e nos vão melhorar.
Talvez a nossa esperteza excessiva; o apego
ao consumo e ao acúmulo de bens materiais; a prevalência do ter sobre o ser; e
a ânsia pelo protagonismo, pelas posições sociais de destaque tenham escondido
ou feito desaparecer o nosso lado infantil, ingênuo, puro mesmo, mas pleno de
entusiasmo, encantamento pelas coisas simples, alegria.
O homem e a mulher brasileiros abandonaram
algumas de suas marcas distintivas. Criatividade, agilidade mental, improvisação,
adaptação a situações adversas, facilidade de relacionamento (o conhecido de
agora é o amigo de sempre) e tantas outras características deveriam ser
reconhecidas, acolhidas, e não rejeitadas. Ser quem e como somos, e não como
imaginamos ser: europeus ou americanos.
Está na hora de sabermos quem somos e que
nação queremos construir. Manter o status quo, a favor de uma minoria, ou
construir um país para todos? Não somos melhores ou piores do que outras
gentes, somos diferentes. Tais diferenças devem ser enaltecidas, pois
constituem as nossas marcas. Ficar no País é dever, trabalhar por ele é missão
de todos.
*Advogado
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