quinta-feira, 9 de março de 2023

Cristiano Romero - NME: ‘que tal mudar o que está dando certo?’

Valor Econômico

Grupo da Nova Matriz assombrou Lula com crise em 2010

Se "tudo" ia tão bem na primeira década deste século, por que, em abril de 2008, um pequeno grupo de economistas pediu encontro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alertá-lo dos "graves" riscos que a economia brasileira correria, caso a política econômica em vigor no país desde meados de 1999 não fosse substituída por outra?

A inflação acumulada nos 12 meses até abril era de 5,04%, pouco acima da meta, de 4,5%, fixada pelo governo para aquele ano. Na margem, o Produto Interno Bruto (PIB) crescia 6% naquele momento, o melhor desempenho em duas décadas. Na área fiscal, o setor público consolidado (União, Estados e municípios) vinha gerando superávit primário (receitas menos despesas, excluído o gasto com juros da dívida pública) equivalente a 3,61% do PIB.

No primeiro mandato (2003-2006) de Lula, a austeridade fiscal imperou e, por isso, foi possível promover redução brutal na dívida bruta, de 71,9% do PIB em dezembro de 2002 para 56,52% do PIB em abril de 2008, quando o movimento para mudar a política econômica tomou fôlego. A dívida líquida do setor público, que abate do valor bruto ativos como as reservas cambiais, recuou, no mesmo período, de 52,57% para 42,82% do PIB, segundo Robinson Moraes, economista-chefe do Valor Data. Nos anos seguintes, até o fim do segundo mandato de Lula, em 2010, as finanças públicas continuaram se fortalecendo.

Em 2006, com o objetivo de mostrar aos mercados aqui e lá fora o fortalecimento das contas fiscais, o Banco Central (BC) decidiu honrar antecipadamente a dívida contraída junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), para enfrentar crises de liquidez em 1998, 1999, 2002 e 2003. Todas essas iniciativas fizeram empresários, investidores e consumidores a acreditarem que, finalmente, o país encontrara o caminho do crescimento sustentado.

A confiança tornou a economia brasileira o principal destino, depois da China, dos fluxos de investimento direto estrangeiro, no mundo em desenvolvimento. Naturalmente, a entrada de investimento financeiro seguiu a mesma tendência, provocando forte valorização do real frente ao dólar. O fato é que, pela primeira vez na história, o Brasil se tornou credor líquido externo.

Desde a crise da dívida externa, em 1982, o PIB brasileiro vinha experimentando os chamados "voos de galinha", justamente por esbarrar em limites dados pela fragilidade fiscal e a escassez de divisas para fazer frente aos compromissos externos. No fundo, crises em países sem moeda forte são, em última instância, de natureza fiscal. Olhemos mais de perto para 1982 (no Brasil, no México, Argentina etc.) e para a crise asiática de 1997, o calote da Rússia em 1998, a turbulência brasileira em setembro de 1998 e, depois, em janeiro e fevereiro de 1999, e constataremos que a primeira causa são os desequilíbrios fiscais.

Em abril de 2008, as economias avançadas já enfrentavam, desde meados do ano anterior, as primeiras e terríveis consequências da crise financeira deflagrada por disfuncionalidades absurdas do sistema de crédito habitacional dos EUA. Aqui, o dólar se aproximava de R$ 1,50, uma das menores cotações desde o lançamento do real, em julho de 1994, um claro indício de que, até aquele momento, o leviatã (no sentido que lhe deu o poeta Sousândrade, em "O Inferno em Wall Street") ainda não "varrera" esta parte do planeta (em "Manhatã", dedicada a Nova York, Caetano Veloso, sempre criativo e antenado, faz referência ao grande poeta brasileiro do século XIX).

O furacão só chegou por aqui e no restante do mundo no dia 15 de setembro de 2008, após a quebra, no fim de semana, do Lehman Brothers, banco que ajudou a colocar de pé o colosso americano, desde meados do século XIX. Vítima da cultura do "bônus-antes-do-ônus", que ainda caracteriza o mercado corporativo dos EUA e assemelhados, como o nosso, o Lehman Brothers alavancou-se a tal ponto que, num dado momento, somente expedientes fraudulentos foram capazes de manter as aparências de um terremoto anunciado - outros grandes bancos e seguradoras ruíram da noite para o dia de forma inacreditável. No Brasil, alguns economistas chegaram a decretar o fim do capitalismo.

Não era essa crise que preocupava o grupo de economistas que foi a Lula pedir a revogação da política econômica que o ajudou a tornar-se um líder popular em escala nacional - até a eleição de 2002, o petista era popular no ABC paulista e, por conseguinte, em todas as regiões industriais do país e na classe média (hoje, dividida entre ele e o bolsonarismo).

O que foi dito ao presidente? "Presidente, com a atual política econômica, o real, por causa dos juros altos e da confiança de curto prazo dos investidores no país, vai continuar se valorizando frente ao dólar. Isso seguirá estimulando o aumento das importações, que, por causa do dólar barato, têm crescido a um ritmo bem superior ao das exportações. Em 2010, ano da sucessão presidencial, o déficit das contas externas chegará a um patamar insustentável, obrigando o BC a desvalorizar o real. Este processo, por sua vez, pressionará a inflação e, ato contínuo, o Banco Central aumentará ainda mais os juros, jogando a economia em profunda recessão. Temos a solução para impedir que isso aconteça", disse um ministro a Lula.

A "solução" era a NME. A primeira mudança seria demitir Henrique Meirelles do comando do BC e nomear em seu lugar Luiz Gonzaga Belluzzo. (na próxima semana, a saga continua: por que essa proposta não prevaleceu?)

 

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