Valor Econômico
Grupo da Nova Matriz assombrou Lula com
crise em 2010
Se "tudo" ia tão bem na primeira
década deste século, por que, em abril de 2008, um pequeno grupo de economistas
pediu encontro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alertá-lo dos
"graves" riscos que a economia brasileira correria, caso a política
econômica em vigor no país desde meados de 1999 não fosse substituída por
outra?
A inflação acumulada nos 12 meses até abril
era de 5,04%, pouco acima da meta, de 4,5%, fixada pelo governo para aquele
ano. Na margem, o Produto Interno Bruto (PIB) crescia 6% naquele momento, o
melhor desempenho em duas décadas. Na área fiscal, o setor público consolidado
(União, Estados e municípios) vinha gerando superávit primário (receitas menos
despesas, excluído o gasto com juros da dívida pública) equivalente a 3,61% do
PIB.
No primeiro mandato (2003-2006) de Lula, a austeridade fiscal imperou e, por isso, foi possível promover redução brutal na dívida bruta, de 71,9% do PIB em dezembro de 2002 para 56,52% do PIB em abril de 2008, quando o movimento para mudar a política econômica tomou fôlego. A dívida líquida do setor público, que abate do valor bruto ativos como as reservas cambiais, recuou, no mesmo período, de 52,57% para 42,82% do PIB, segundo Robinson Moraes, economista-chefe do Valor Data. Nos anos seguintes, até o fim do segundo mandato de Lula, em 2010, as finanças públicas continuaram se fortalecendo.
Em 2006, com o objetivo de mostrar aos
mercados aqui e lá fora o fortalecimento das contas fiscais, o Banco Central
(BC) decidiu honrar antecipadamente a dívida contraída junto ao Fundo Monetário
Internacional (FMI), para enfrentar crises de liquidez em 1998, 1999, 2002 e
2003. Todas essas iniciativas fizeram empresários, investidores e consumidores
a acreditarem que, finalmente, o país encontrara o caminho do crescimento
sustentado.
A confiança tornou a economia brasileira o
principal destino, depois da China, dos fluxos de investimento direto
estrangeiro, no mundo em desenvolvimento. Naturalmente, a entrada de
investimento financeiro seguiu a mesma tendência, provocando forte valorização
do real frente ao dólar. O fato é que, pela primeira vez na história, o Brasil
se tornou credor líquido externo.
Desde a crise da dívida externa, em 1982, o
PIB brasileiro vinha experimentando os chamados "voos de galinha",
justamente por esbarrar em limites dados pela fragilidade fiscal e a escassez
de divisas para fazer frente aos compromissos externos. No fundo, crises em
países sem moeda forte são, em última instância, de natureza fiscal. Olhemos
mais de perto para 1982 (no Brasil, no México, Argentina etc.) e para a crise
asiática de 1997, o calote da Rússia em 1998, a turbulência brasileira em
setembro de 1998 e, depois, em janeiro e fevereiro de 1999, e constataremos que
a primeira causa são os desequilíbrios fiscais.
Em abril de 2008, as economias avançadas já
enfrentavam, desde meados do ano anterior, as primeiras e terríveis
consequências da crise financeira deflagrada por disfuncionalidades absurdas do
sistema de crédito habitacional dos EUA. Aqui, o dólar se aproximava de R$ 1,50,
uma das menores cotações desde o lançamento do real, em julho de 1994, um claro
indício de que, até aquele momento, o leviatã (no sentido que lhe deu o poeta
Sousândrade, em "O Inferno em Wall Street") ainda não
"varrera" esta parte do planeta (em "Manhatã", dedicada a
Nova York, Caetano Veloso, sempre criativo e antenado, faz referência ao grande
poeta brasileiro do século XIX).
O furacão só chegou por aqui e no restante
do mundo no dia 15 de setembro de 2008, após a quebra, no fim de semana, do
Lehman Brothers, banco que ajudou a colocar de pé o colosso americano, desde
meados do século XIX. Vítima da cultura do "bônus-antes-do-ônus", que
ainda caracteriza o mercado corporativo dos EUA e assemelhados, como o nosso, o
Lehman Brothers alavancou-se a tal ponto que, num dado momento, somente
expedientes fraudulentos foram capazes de manter as aparências de um terremoto
anunciado - outros grandes bancos e seguradoras ruíram da noite para o dia de
forma inacreditável. No Brasil, alguns economistas chegaram a decretar o fim do
capitalismo.
Não era essa crise que preocupava o grupo
de economistas que foi a Lula pedir a revogação da política econômica que o
ajudou a tornar-se um líder popular em escala nacional - até a eleição de 2002,
o petista era popular no ABC paulista e, por conseguinte, em todas as regiões
industriais do país e na classe média (hoje, dividida entre ele e o
bolsonarismo).
O que foi dito ao presidente?
"Presidente, com a atual política econômica, o real, por causa dos juros
altos e da confiança de curto prazo dos investidores no país, vai continuar se
valorizando frente ao dólar. Isso seguirá estimulando o aumento das
importações, que, por causa do dólar barato, têm crescido a um ritmo bem
superior ao das exportações. Em 2010, ano da sucessão presidencial, o déficit
das contas externas chegará a um patamar insustentável, obrigando o BC a
desvalorizar o real. Este processo, por sua vez, pressionará a inflação e, ato
contínuo, o Banco Central aumentará ainda mais os juros, jogando a economia em
profunda recessão. Temos a solução para impedir que isso aconteça", disse
um ministro a Lula.
A "solução" era a NME. A primeira
mudança seria demitir Henrique Meirelles do comando do BC e nomear em seu lugar
Luiz Gonzaga Belluzzo. (na
próxima semana, a saga continua: por que essa proposta não prevaleceu?)
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