quinta-feira, 9 de março de 2023

Malu Gaspar - As joias e a coroa

O Globo

Quando a história definitiva do governo passado for escrita, caberá ao incrível caso das joias sauditas um capítulo especial. O episódio, com seus detalhes surreais, virou tema obrigatório nas conversas de bar de Brasília, em parte pela desfaçatez, em parte pelo amadorismo.

Apesar de não ser surpreendente, é difícil se acostumar com a ideia de termos sido governados por uma turma de aloprados de farda que acham normal carregar diamantes de R$ 16,5 milhões escondidos na mochila — pedras preciosas que deveriam ser patrimônio público, mas que, se não fossem os auditores da Receita Federal, teriam ido parar na casa de algum Bolsonaro.

Na hora de falar a sério, porém, o que preocupa os gabinetes do Planalto é algo bem menos folclórico e muito mais valioso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resumiu a situação num discurso cheio de recados, na Associação Comercial de São Paulo.

 “Teremos um tempo para que o governo se estabilize internamente, porque hoje o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional”.

Só que, para Lira, esse “tempo” está acabando. “O rumo, nós precisamos defini-lo agora em março”, afirmou.

E, como em política não existe vácuo, o próprio Lira já foi dando o seu “rumo”.

“Temos um governo que foi eleito, muito embora com margem de votos mínima, que precisa entender que, do último governo para hoje, nós temos o BC independente, nós temos agências reguladoras, lei das estatais, um Congresso que hoje tem uma atribuição mais ampla, e que isso precisa ser negociado com bom senso, com muita conversa, com amplitude, com clareza, com transparência, mas com rumo”, disse o presidente da Câmara.

Não é preciso ser ph.D. em política para captar a mensagem. Em menos de cinco minutos, Lira disse a Lula que seu governo 1) está sem rumo 2) não tem poder para aprovar nada no Congresso sem ele e 3) também não pode se dar ao luxo de fazer o que bem entender, porque foi eleito por margem pequena de votos, e o Brasil mudou muito desde a última vez em que o PT ocupou o poder.

 

Por muito menos, o presidente do Banco Central, Roberto Campos eto, foi espinafrado publicamente por Lula, Gleisi Hoffmann e inúmeros petistas nas redes sociais. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apanhou a valer por ter proposto o fim do desconto dos impostos federais sobre os combustíveis.

Ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a presidente do PT afirmou que o partido não aceitaria o “estelionato eleitoral” de nomear membros do Centrão para o conselho da Petrobras. E ainda defendeu o afastamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), também ele um membro do Centrão, cuja maior liderança é o próprio Arthur Lira.

O jornal O Estado de S. Paulo revelou que Juscelino destinou recursos do Orçamento para asfaltar uma estrada que leva à fazenda de sua família no Maranhão, além de usar um jato da FAB para ir a São Paulo participar de eventos de cavalos de raça — incluindo a inauguração de uma estátua em memória do saudoso Roxão, quarto de milha de um ex-sócio.

Depois disso, Lula chegou a afirmar que, se o ministro não conseguisse “provar sua inocência”, não poderia ficar no governo.

A conversa fatal entre Lula e Juscelino, porém, aconteceu algumas horas depois de Lira ter disparado seus recados para o governo. Resultado: depois de um longo papo entre o presidente e seu ministro a portas fechadas no Palácio do Planalto, assessores palacianos anunciaram que Juscelino ficaria no cargo, com uma única condição: que seu partido entregasse os votos de que o governo precisa no Congresso.

O que foi dito sobre o dinheiro do Orçamento? E sobre o tour dos cavalos? O presidente afinal se convenceu da inocência de Juscelino? Ninguém disse nada sobre isso.

Da mesma forma, Lula, Gleisi e todo o PT se calaram sobre o discurso de Lira. O mesmo Lula que na campanha eleitoral disse que Bolsonaro era refém do Congresso e que Lira se comportava como “imperador do Japão” agora está constatando que não é tão fácil assim acabar com esse poder.

Bem mais fácil fingir que não ouviu o que todo mundo ouviu e se concentrar no caso das joias sauditas — que, claro, precisa ser esclarecido e só deve terminar com a punição dos responsáveis. Só não vai levar o atual governo a encontrar seu rumo.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

"...uma turma de aloprados de farda..."

Descreveu muito bem: aloprados. E foi muito fácil encontrar essa "tchurma". Melhor dizendo, essa "quadrilha".
Não vivi o golpe de 64, mas se os milicos daquela época se equivaliam aos de hoje...
Parece q se equivalem. No mínimo os daquela época não souberam plantar os alicerces de uma casa q está desmoronando a olhos vistos.

ADEMAR AMANCIO disse...

Lula e Lira,dobradinha difícil de engolir.