O Globo
O Congresso tem maioria conservadora, e o
presidente vocaliza uma agenda que o afasta de um equilíbrio
Churrascos, verbas ou mesmo troca de
ministros não resolverão as dificuldades do governo com o Congresso. Lula foi
eleito com a escassa vantagem de 1,8 ponto percentual e tem uma base
parlamentar instável, mas acredita que pode resolver problemas do atacado com
soluções do varejo. O Congresso tem uma maioria conservadora pressionada por
uma minoria radical, até troglodita. O presidente, contudo, vocaliza uma agenda
que o afasta de um equilíbrio.
Um exemplo: durante a campanha eleitoral
ele disse que “o agronegócio, sabe, que é fascista e direitista. (....) porque
os empresários que têm um comércio com o exterior, que exportam para a Europa,
para a China, não querem desmatar.” Coisas da campanha.
Em maio, quando o ministro da Agricultura
foi desconvidado para a abertura do Agrishow de Ribeirão Preto, voltou a crer
na ação de “fascistas”. Isso, levando o líder do MST na sua comitiva para a
China.
Há grandes empresários do agro que o apoiaram. Essa retórica pode agradar ilustrados das cidades, mas para os empresários do campo, tornam-se um fator de isolamento. Quando um parlamentar ligado aos agricultores, reivindica uma verba, ele pode até vir a votar com o governo na terça-feira, mas na quinta atende de novo sua base.
As arcas da Viúva não têm dinheiro suficiente
para garantir uma base parlamentar alimentada pelo varejo. Num tempo bem mais
confortável, o governo de Lula tentou isso com o mensalão e deu no que deu.
Também não se vai a lugar algum dizendo que o problema é de coordenação.
Trocando-se o ministro Alexandre Padilha pelo ilusionista Issao Imamura, o
problema continuará do mesmo tamanho. Coordenar o quê?
O veneno de Zelensky
Quando o presidente ucraniano Volodymyr
Zelensky disse à repórter Patrícia Campos Mello que “Lula quer ser original e
nós devemos dar essa oportunidade a ele”, havia veneno na ponta da ironia.
Noves fora suas posições em relação à
Ucrânia e ao governo da Venezuela, em apenas cinco meses, Lula já propôs ao
mundo as seguintes mudanças:
A criação de uma governança mundial para a
questão ambiental. A criação de uma moeda comum para a América do Sul. Insistiu
numa reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, criando assentos
permanentes para a África, mais a América do Sul e o Caribe.
Enrolando
Ao assumir a presidência, Lula disse que
acabaria com a “vergonhosa fila do INSS”. Nela há mais de um milhão de pessoas
esperando perícias médicas para receber benefícios. Desde o dia em que ele
anunciou esse desejo a fila cresceu 13% com cerca de 500 mil pessoas.
Em fevereiro o ministro Carlos Lupi, da
Previdência, anunciou um mutirão capaz de fazer com que, ao final do ano, todos
os pedidos seriam analisado em até 45 dias.
A primeira metade do ano está terminando e
Lupi informa que a promessa só poderá ser cumprida se lhe derem mais recursos.
Em janeiro o governo reiterou a promessa de
campanha de Lula, para permitir a renegociação das dívidas de milhões de
pessoas penduradas no Serasa por dívidas de até R$ 2.600. O programa ganhou até
um nome bonito: Desenrola.
Em março, Lula disse que “outra coisa
importante que está para ser anunciada é o Desenrola. Está pronto, acho que na
semana que vem nós vamos poder anunciar.”
Em abril, sem ter anunciado coisa alguma,
Lula retomou o tema, em tom de cobrança:
“Eu lembro que dizia na campanha que, se a
gente não fizer, dá a impressão de que a gente está enrolando o povo. Como o
programa chama Desenrola, Haddad, eu queria que você, a sua equipe, fizesse uma
conversa na Casa Civil, preparasse esse programa para gente lançar. Por mais
dificuldade que a gente possa ter, tem que ter um começo. E nós precisamos
lançar esse programa para ver se a gente termina com a dívida que envolve quase
60 milhões de pessoas que estão se endividando no cartão de crédito para
comprar o que comer. Não tem sentido. vamos desenrolar, pelo amor de Deus.
Vamos desenrolar aí”.
O Desenrola continua patinando.
Sala exclusiva
Celebrado por sua discrição, o executivo
Miguel Gutierrez, comandou a rede varejista Americanas. Ele evitava
entrevistas, fotografias e não gostava de e-mails. Havia mais. No prédio da
empresa, no Rio, ele tinha um gabinete no terceiro andar e uma sala pessoal no
segundo. Ela media 15 metros quadrados, tinha apenas uma mesa e cadeiras. Suas
janelas eram as únicas protegidas por vidros duplos. Ao contrário de outras
salas, envidraçadas, as persianas dessa sala ficavam sempre fechadas.
Campos deu um sinal
Há duas semanas um grupo de empresários
reuniu-se na casa do senador Rodrigo Pacheco, em Brasília, com o ministro
Fernando Haddad e com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Quem
ouviu a conversa saiu com a impressão de que a taxa de juros cairá, mesmo que
caia pouco.
Madame Natasha
Natasha vota em Lula sempre que ele se
candidata e emudece a televisão sempre que ele começa a falar. Lendo os
jornais, viu que ele incorporou a palavra “narrativa” à sua retórica. Usou-a
para mimosear o presidente venezuelano Nicolás Maduro. Para Lula, as
malfeitorias do regime chavista compõem uma narrativa de adversários. A senhora
viu que Lula tomou um contravapor vindo do presidentes do Uruguai, de um lado,
e do Chile, de outro, mas seu cuidado restringe-se ao uso do idioma.
Tudo que é contado é narrado. Se um sujeito
diz que viu um disco voador na esquina, está fazendo uma narrativa. Na
narrativa de Jair Bolsonaro, o vírus da Covid podia ser chinês e a vacina
poderia ser prejudicial à saúde. Ainda assim, Bolsonaro teve 58 milhões de
votos, contra 60 milhões dados a Lula.
Pela narrativa alemã, no dia 30 de agosto
de 1939, tropas polonesas tomaram uma rádio alemã da fronteira. A Polônia havia
invadido a Alemanha. Essa narrativa foi contada por Hitler e repetida em Moscou
pelo jornal Pravda. Em Roma, o Papa Pio XII evitou abençoar a Polônia
Nos dias seguintes, começou a Segunda
Guerra. O Duque de Westminster, um dos homens mais ricos da Inglaterra, culpava
os judeus. Tudo narrativa.
Zanin no Supremo
É muito provável que Cristiano Zanin seja
aprovado pelo Senado e assuma cadeira no STF. Desde que sua escolha se tornou
pública ele está debaixo de chumbo.
Pode-se estranhar que Lula tenha escolhido
o advogado que, com êxito, defendeu-o no processo da Lava-Jato, mas ele não foi
seu advogado em outros litígios.
O advogado particular do presidente mandado
para a Suprema Corte foi Abe Fortas, indicado em 1965 por Lyndon Johnson.
Em 1969 ele foi obrigado a renunciar porque remunerou-se por palestras numa universidade que havia recebido dinheiro de uma empresa que tinha processos no tribunal. Se esse rigor vigorasse no Brasil, surgiriam vagas em todos os tribunais, de todas as instâncias.
Um comentário:
É...
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