O Globo
"Mexer na Suprema Corte para botar
amigo é um retrocesso", disse presidente na campanha
Não é “prudente” nem “democrático” que um
presidente queira ter amigos no Supremo Tribunal Federal. A afirmação foi feita
por Lula, em debate no segundo turno da eleição presidencial.
“Tentar mexer na Suprema Corte para botar amigo,
companheiro ou partidário é um atraso. É um retrocesso que a República
brasileira já conhece muito bem”, disse o então candidato do PT. “Eu sou
contra”, reforçou.
Sete meses depois, o presidente indicou seu
advogado particular a uma cadeira no STF. Em março, ele havia deixado claro que
a relação com Cristiano Zanin ia muito além do campo profissional. “É meu
amigo, é meu companheiro”, informou, em entrevista à BandNews.
A contradição com o discurso de campanha não é o único problema da escolha. Ao indicar Zanin, Lula sinaliza que pretende ter um escudeiro no Supremo. Nos últimos anos, o ungido o defendeu nas esferas criminal, cível e eleitoral.
Na visão do presidente, o advogado foi o
responsável por anular suas condenações e livrá-lo da cadeia — embora isso
tenha decorrido menos da oratória do causídico e mais da desmoralização da
Lava-Jato
No Senado, a indicação de Zanin dará
palanque fácil aos bolsonaristas para atacar o governo. A começar pelo ex-juiz
Sergio Moro, que poderá falar à vontade na sabatina da Comissão de Constituição
e Justiça. A nomeação deve passar com folga, mas o presidente terá que
enfrentar mais um foco de desgaste.
A escolha não foi unânime nem na base
lulista. Aliados do presidente questionam a opção por um jurisconsulto sem credenciais
progressistas. Na advocacia, Zanin se especializou em prestar serviços à elite
política e empresarial. Não se sabe o que ele pensa sobre a situação dos
trabalhadores, dos sem-terra, dos povos indígenas.
A indicação ainda frustrou os grupos que
cobram mais diversidade de gênero e raça nas instâncias de poder. Lula nomeou
um número recorde de mulheres para o ministério, mas perdeu a chance de
aumentar a representação feminina na cúpula do Judiciário. Não há negros na
Corte desde 2014, quando Joaquim Barbosa antecipou a aposentadoria. Depois
disso, o Supremo recebeu mais quatro homens brancos. Zanin será o quinto
seguido.
Nenhum presidente indicaria um inimigo ao
STF. Fernando Collor chegou a nomear um primo, e Jair Bolsonaro escolheu um
jurista “terrivelmente evangélico” com quem dizia tomar tubaína. A questão é
que Lula não foi eleito para imitar os antecessores que tanto criticou.
O argumento de que o presidente se sentiu
traído em indicações passadas também não é defensável. Um ministro do Supremo
deve julgar de acordo com a Constituição, e não com os interesses de quem o
nomeou.
As consequências da escolha de Lula irão
muito além do mandato presidencial. Aprovado pelo Senado, Zanin ficará na Corte
até o fim de 2050. Se a saúde ajudar, o petista terá 95 anos de idade.
Um comentário:
Nada a declarar.
Postar um comentário