Folha de S. Paulo
Centrão, a velha direita fisiológica, é o
grande vencedor desses dez anos de contestação sistêmica
Nesta semana celebraremos dez anos do início
das manifestações de Junho de 2013.
Desde os protestos, a democracia brasileira passou por uma enorme crise,
emendando Lava
Jato, impeachment e Bolsonaro.
Foi culpa de junho?
É bom deixar claro: o Movimento Passe Livre não obrigou Dilma Rousseff a bagunçar o orçamento para se eleger em 2014. Nenhum black bloc obrigou a direita a fazer o impeachment de 2016. As empreiteiras não pagavam as campanhas dos partidos em Cubocards. Moro e Dallagnol não mutretaram o julgamento do Lula a pedido da militante Sininho. Não foi o Mídia Ninja que elegeu Bolsonaro.
Quaisquer que sejam os defeitos dessa turma
toda, Dilma poderia ter preservado as contas públicas em seu primeiro mandato.
Isso certamente lhe teria custado a derrota em 2014, mas perder é do jogo. A
direita poderia ter esperado 2018 para ganhar a Presidência. Havia algum risco
de não ganhar, mas, novamente: é do jogo. E, mesmo se tudo isso tivesse dado
errado, o outsider de 2018 não precisava ter sido um fascista que amava
Ustra e odiava vacina.
Por outro lado, em 2013 explodiu um
sentimento contrário à política institucional que certamente influenciou a
maneira como lidamos com a Lava Jato e, após a esperança virar desespero,
elegemos Bolsonaro.
Por que não fomos capazes de administrar
melhor esse sentimento de insatisfação? Talvez fosse mesmo difícil.
Em "Treze
– A Política de Rua de Lula a Dilma", recém-lançado pela Companhia das
Letras, a socióloga e colunista da Folha Angela Alonso argumenta
que faltou um diálogo com a rua de direita ainda em 2013.
Alonso mostra que os protestos de direita
cresceram nos dez anos anteriores, e já estavam lá no começo de junho. A
direita na rua teria sido "o ponto cego" e "o ponto de
fuga" de 2013. O governo Dilma teria sido incapaz de entender esses
manifestantes e chamá-los para o diálogo para isolá-los dos extremistas.
A rua de direita teria topado esse diálogo?
O que é notável é que ninguém na esquerda
tenha lucrado politicamente com 2013. Os autonomistas e anarquistas, como seria
de se esperar, não investiram em construir partidos ou grandes organizações. Os
pequenos partidos de esquerda que ajudaram a organizar os protestos de 2013,
como o PSOL e o PSTU, não ganharam muitos votos por isso. Conforme a rua de
direita crescia, o PT se tornava cada vez mais crítico das Jornadas de Junho.
A Rede Sustentabilidade de Marina Silva talvez
tenha sido a força política que mais tentou tirar uma síntese de 2013. Como
disse Roberto Andrés em "A
Razão dos Centavos" (Companhia das Letras, 2023), Marina já
falava para o manifestante médio de 2013 desde 2010. Entretanto, a Rede ainda
não conseguiu se consolidar como grande partido. Talvez porque seja mesmo
difícil fazer essa síntese.
O que não se discute é que o centrão, a
velha direita fisiológica, é o grande vencedor desses dez anos de contestação
sistêmica. Manda mais do que antes, e a única concessão que seus membros
precisaram fazer a 2013 foi adotar o "sem partido" no batismo de suas
legendas: agora se chamam Patriotas, Republicanos, Cebola, Armando, qualquer
coisa que não tenha "partido" no nome.
Como parte das festividades pelos dez anos
das Jornadas de Junho, o centrão passou maio de 2023 desmontando o ministério de
Marina Silva.
*É doutor em sociologia pela Universidade
de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".
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