Valor Econômico
Haverá mais barulho e divergências sobre o
Conselho Federativo
A primeira reforma tributária feita após a
ditadura militar foi aprovada por ampla maioria na Câmara dos Deputados - 382 a
118 no primeiro turno, 375 a 113 no segundo -, um feito extraordinário, quando
por décadas desavenças irredutíveis impediram de realizá-la. As mudanças abrem
a chance concreta de se consertar, em grande parte, um sistema tributário
injusto, desigual, e oneroso e burocrático em demasia para cumprimento de seu
cipoal de regras que mudam quase diariamente. Se for conduzida sem mais
desvirtuamentos até o fim, a reforma liberará pessoal e recursos das empresas
que poderão ser empregados produtivamente. A Proposta de Emenda Constitucional
segue para o Senado, onde será examinada após o fim do recesso parlamentar.
Após décadas de discussões, a reforma tributária reuniu um grande consenso, para o qual contaram o empenho do presidente da Câmara, Arthur Lira, a costura política do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e as orientações do governo, sob o comando, na questão, do secretário especial Bernard Appy. É certo que ela passou pelo teste da Câmara não só por suas virtudes inegáveis, mas também devido a amplas concessões em relação ao projeto original e pela liberação recorde de emendas pelo governo, R$ 5,3 bilhões, em apenas um par de dias. Como a reforma reflete a relação de forças políticas existente, ela foi a possível de ser feita. Mesmo assim, alguns de seus pontos fundamentais foram mantidos.
A reforma estabelece a não cumulatividade
plena dos tributos, em que os pagos nos primeiros elos de uma cadeia de bens e
produtos são integralmente abatidos na posterior. Parece lógico, mas não é que
ele hoje funciona. A PEC também estabelece a regra da cobrança no destino e não
mais na origem do produto ou bem, pondo fim a uma guerra de incentivos fiscais
que contribuiu para exaurir os cofres estaduais sem que os benefícios se
tornassem evidentes. Com a reforma, a concessão de incentivos terá de sair dos
orçamentos dos entes federados.
A ideia de um só IVA, a melhor solução, não
vingou, e serão três impostos - a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS),
reunindo PIS-Cofins e IPI, tributos federais, e o Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), juntando o ICMS estadual e o ISS municipal. O IPI desaparecerá e será
substituído pelo Imposto Seletivo, para desestimular o consumo de bens nocivos
à saúde ou ao ambiente. O número de regimes especiais, que beneficiavam alguns
setores, será drasticamente reduzidos assim como a babel de alíquotas - haverá
três, a padrão, a diferenciada (40% da padrão) e a de regimes especiais
(combustíveis, seguros etc).
As próximas etapas da tramitação são igualmente
decisivas para a PEC. Aprovou-se uma reforma sem que fosse estabelecida a
alíquota padrão que, assim como outras definições importantes, serão
disciplinadas por legislação complementar. O que tornou-se evidente no esforço
concentrado para a votação na Câmara foi o aumento rápido de setores que
conseguiram ficar fora da alíquota padrão e se encaixar na diferenciada, que
originalmente era de 50% e na última hora caiu para 40%. Há pelo menos 15
atividades que pagarão alíquota menor, como atividades desportivas, educação,
saúde e transporte coletivo de passageiros, produtos agropecuários, pesqueiros,
florestais e extrativistas vegetais in natura entre outros.
Um dos objetivos da reforma era retirar o
peso excessivo dos tributos que recai sobre a indústria e taxar mais o setor de
serviços, sem que a carga tributária total aumente. Mas quanto maior for o
número de setores que entrem na alíquota diferenciada, maior terá de ser a
alíquota padrão, um cálculo que ainda será feito. O principal risco imediato é
que mais setores sejam incluídos na lista de regimes especiais ou de alíquota
diferenciada.
A União, que no governo passado se recusou
a criar um fundo, sairá da reforma amparando três, todos eles fora do limite de
despesas. Para bancar a concessão ilegal de incentivos decorrentes da guerra
fiscal entre Estados, a União terá de aportar R$ 160 bilhões, atualizados pelo
IPCA, até 2032, a partir de 2025. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional,
destinado a compensar perdas da reforma e diminuir desigualdades, obrigará a
União a dispender R$ 80 bilhões em 4 anos (de 2029 a 2032) e mais R$ 40 bilhões
anuais a partir de 2033. Um terceiro fundo se destinará a compensar o Amazonas,
onde fica a Zona Franca de Manaus, que tem de ser mantida até 2073 com seus benefícios
tributários. A PEC permite ampliar a incidência do Imposto Seletivo (IS) nos
bens e serviços da Zona Franca de Manaus como forma de garantir a preservação
ambiental.
No Senado, haverá mais barulho e
divergências sobre o Conselho Federativo, formado por 54 membros, administrará
o IBS e definirá os mecanismos pelos quais a compensação entre Estados, e entre
eles e os municípios, será feita, por meio de um sistema ponderado de decisão.
Os Estados do Sul e Sudeste foram contrários no início à ideia e por pouco a
questão não impediu a votação da reforma.
PL das Fake News é melhor que criar
‘Constituição digital’
O Globo
Ideia do Ministério dos Direitos Humanos,
por mais louvável que seja intenção, embute graves riscos
Com a intenção louvável de enfrentar o
extremismo, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania constituiu um
grupo de trabalho que produziu um relatório de 82 páginas com recomendações
para garantir direitos fundamentais nas redes sociais. O texto sugere que o
país adote uma “Constituição para o ambiente virtual, visando proteger os
direitos e liberdades dos indivíduos que interagem nesse espaço”.
O relatório alinhava uma proposta de
conteúdo para essa “Constituição digital”, com o objetivo de combater o uso das
redes sociais para promover o extremismo, fomentar violência e
disseminar aquilo que identifica como discurso de ódio. Entre os exemplos de
manifestações a combater estão misoginia e violência contra as mulheres, racismo, ódio e
violência contra a população LGBTQIA+, xenofobia, ódio e violência contra
pobres, violência política, neonazismo e atos extremistas contra a democracia.
Não há dúvida de que a propagação do
extremismo pelas redes sociais é um dos maiores desafios das democracias
marcadas pela polarização. É fundamental combater o racismo e os preconceitos,
a desinformação que traz risco a grupos vulneráveis e as comunidades cujo
objetivo é criminoso. A iniciativa do Ministério dos Direitos Humanos embute,
porém, dois riscos.
O primeiro é ser inócua. Boa parte das
sugestões já é contemplada pela legislação. Não é a falta de leis contra
racistas, neonazistas ou homófobos que prejudica a luta contra o discurso de
ódio. Tome-se como exemplo o subcapítulo intitulado “Capacitismo e violência
contra as pessoas com deficiência”. Em 2007, o Brasil assinou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada por
decreto em agosto de 2009. Há 14 anos está em vigor um dispositivo legal contra
o capacitismo. É difícil entender o que teriam a ganhar os deficientes
incluindo na tal “Constituição digital” determinações já em vigor. Quase todas
as recomendações do relatório estão previstas de alguma forma na lei ou na
própria Constituição.
O segundo risco é a tentativa, louvável que
seja, servir de pretexto para grupos políticos imporem agendas próprias em
detrimento de direitos fundamentais, como as liberdades religiosa e de
expressão. Cercear o discurso é sempre questão juridicamente sensível. Medidas
contra a livre manifestação de ideias ou crenças devem ser tomadas apenas em
casos excepcionalíssimos, sempre com amparo legal. É razoável o relatório
sugerir ações para educação midiática da população, alvo de desinformação. Mas
é ridículo recomendar boas práticas a jornalistas e comunicadores, como se o
problema estivesse aí.
Falta ao relatório dar a ênfase devida ao
fulcro da questão: o papel das plataformas digitais na proliferação do discurso
de ódio. A principal deficiência jurídica que permite o uso da internet para
disseminá-lo é a garantia legal de que elas não são corresponsáveis pelas
consequências do que veiculam. Modificar a lei para responsabilizá-las é
justamente a essência do Projeto de Lei de Liberdade, Responsabilidade e
Transparência na Internet, o PL das Fake News. Inspirado na melhor legislação
internacional, ele promove o difícil equilíbrio entre liberdade de expressão e
combate a discurso de ódio. Em vez de defender a nova “Constituição digital”, o
ministério deveria apenas recomendar a aprovação do PL com urgência. Seria mais
produtivo para o país.
Ao privilegiar militares, reforma da
Previdência perpetuou distorções
O Globo
Projeto que extingue pensões vitalícias
chegou a Lula. Ele não deveria se furtar a enfrentar os desequilíbrios
Chegou ao presidente Luiz Inácio Lula da
Silva um Projeto de Lei de origem popular para acabar com as pensões vitalícias
para filhos de militares. Protocolada no sistema e-Cidadania, do Senado, a
proposta do blogueiro Lucas Eduardo Almeida Cobra recebeu apoio de 57.392
cidadãos, mais que o previsto na legislação para que seja analisada pela Casa
(20 mil eleitores em quatro meses). O projeto foi relatado na Comissão de
Direitos Humanos (CDH) pelo senador oposicionista Carlos Viana (Pode-MG), que
decidiu enviá-lo à Presidência da República, por ter considerado o assunto de
“iniciativa privativa” do chefe do Executivo.
Lula não tem prazo para avaliá-lo. É
improvável que queira comprar a briga com os militares, mas não deveria deixar
o projeto mofar nas gavetas do Planalto. As pensões de castas como os militares
devem ser discutidas diante da endêmica falta de recursos do Estado para
investimentos e gastos prioritários em saúde, segurança ou educação.
A história das pensões de filhos e filhas
de militares é antiga. Começa na guerra entre Brasil, Paraguai e Uruguai, no
final do século XIX. Um marco nessa questão foi o Decreto-Lei 1.544, de agosto
de 1939, 69 anos depois do fim do conflito. Assinado pelo presidente Getúlio
Vargas e pelo então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, concedia a
voluntários e militares do Exército e da Marinha que houvessem atuado no
Uruguai ou no Paraguai uma pensão mensal, vitalícia, de 300 mil réis, enquanto
as viúvas receberiam 100 mil réis a menos, também por toda a vida. Herdeiros
eram igualmente contemplados. Ficava ainda estabelecido que a despesa deveria,
“nos orçamentos futuros, figurar sob a rubrica especial Pensões a Voluntários e
Militares das Campanhas do Uruguai e Paraguai”. O decreto deixava clara a transferência
da despesa ao Tesouro, sem permitir que os recursos se misturassem às verbas de
autarquias militares.
No decorrer dos anos, criaram-se regras
inexplicáveis para perpetuar a regalia. Por uma delas, filhas de oficiais que
não se casassem eram tratadas como órfãs, por isso mereciam pensão vitalícia,
além da mãe. Há casos conhecidos de filhas solteiras de oficiais que
constituíram frondosas famílias. O benefício vigorou até 2000. Depois, quem
ingressou nas Forças
Armadas deixou de ter direito a equiparar suas filhas a órfãs
pensionistas. Mas, como ainda há beneficiárias nessas condições, o sistema, que
nasceu deficitário, continuará assim até 2080, de acordo com a Avaliação
Atuarial das Pensões dos Militares de 2015.
Na reforma previdenciária do governo passado, o tratamento dado aos militares foi um capítulo à parte. Funcionou em sentido contrário ao espírito da reforma. Houve generoso reajuste de soldos, com inevitáveis reflexos nas despesas futuras com militares da reserva e pensões vitalícias. Benesses desse tipo ajudam a pressionar as contas públicas e obrigarão o governo a realizar mais uma reforma da Previdência. As pensões vitalícias são apenas a face visível de uma questão que cedo ou tarde o país precisará enfrentar.
Balança tributária
Folha de S. Paulo
Em meio a sistema caótico, projeto
equilibra disputa entre contribuintes e fisco
É equilibrado o projeto de
lei aprovado pela Câmara dos Deputados que restaura o voto de
desempate em favor da Receita Federal no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf), última instância administrativa de julgamento de disputas entre
contribuintes e o fisco.
O tema é sem dúvida intrincado e de há
muito controverso. Até 2020, quando
o voto de qualidade foi invertido em favor do contribuinte, não era
exagero constatar que havia viés em favor do governo. Uma empresa derrotada no
órgão pelo voto decisivo não deixava de estar submetida a pesadas multas e
processo por crime tributário.
Com a mudança, porém, o pêndulo invertido
poderia prejudicar a arrecadação desmedidamente. Entre outras cláusulas, a lei
aprovada em 2020 encerrava a pendência em caso de empate e impedia a Receita de
levar a disputa ao judiciário. Havia incentivo em potencial para que empresas
não honrassem obrigações contando com uma resolução administrativa.
Com a peça recém-aprovada, que ainda
precisa passar pelo Senado, restaura-se algum equilíbrio. Havendo desempate em
desfavor do devedor, a pendência poderá ser paga sem multas, e o fisco não
poderá abrir processo por fraude.
O contribuinte ainda poderá recorrer ao
Judiciário. Se optar por não fazê-lo e pagar em até 90 dias, também estará
livre de juros.
Há outros estímulos à conformidade
tributária, além de flexibilidade no oferecimento de garantias em caso de
discussão judicial.
Com o resultado, foi contida a ambição
arrecadatória do governo, que tentara por medida provisória a volta da norma
anterior a 2020. É duvidoso o cálculo da Fazenda de perdas de R$ 59 bilhões
anuais sem o voto de qualidade.
Resta evidente, de todo modo, que o
problema de fundo não se resolve com a nova mudança no Carf. Boa parte das
disputas só existe por causa de regras e situações confusas, em que mesmo os
pagadores mais bem intencionados podem cometer erros e incorrer em penalidades
severas.
Do lado do fisco, ademais, há excessiva
discricionariedade nas interpretações de fiscais, não raro à margem do que diz
a lei. O risco para o setor privado é elevado em demasia —e daí resultam
ineficiência e custos econômicos.
O impacto da mudança, por fim, deverá
ocorrer em poucas causas. De 2017 a maio deste ano, a parcela de casos cujo
resultado dependeu de desempate oscilou entre 1,9% e 7,2%. Quanto a valores,
1,5% dos processos representaram 74% do montante em disputa em 2022 (segundo
dados até novembro).
Dar maior publicidade à jurisprudência e
trabalhar para maior previsibilidade são medidas importantes para reduzir
controvérsias.
Regalias sem fim
Folha de S. Paulo
Supersalários de juízes e procuradores são
vexatórios e aprofundam desigualdade
Magistrados do Tribunal de Justiça de Goiás
chegam a receber como salário o impressionante montante de R$ 170 mil líquidos
por mês. Trata-se de óbvia infração ao teto estabelecido pela Constituição, que
tem como referência a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de
R$ 41,6 mil.
O achaque, relevado pelo jornal O Estado de
S. Paulo, escandaliza não apenas pelo valor, mas também por sua justificativa
formal.
A prática é apenas possível em razão de uma
contabilidade criativa. Novas regras estaduais permitem enquadrar gratificações
de cargos e funções comissionadas como verbas indenizatórias. Assim, os
montantes excedem o teto de remuneração no Judiciário e ficam isentos do
Imposto de Renda.
O procurador-geral da República, Augusto
Aras, entrou com ação direta de inconstitucionalidade no STF para derrubar a
medida, mas, do modo irônico, deve explicações sobre benefícios instituídos por
ele, em maio, para membros do Ministério Público da União.
Intitulada de licença compensatória, a norma
remunera atividades consideradas extraordinárias —aquelas além
dos despachos em processos em que atua o MPU. Os valores não estão sujeitos ao
mecanismo que desconta pagamentos acima do teto da carreira jurídica.
Segundo Aras, a norma, que segue
recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público de 2022, equipara a
situação de integrantes do Ministério Público à de juízes —entre 2017 e
2020, 8.226 juízes
receberam ao menos uma vez salário acima de R$ 100 mil.
Mas o abuso de uma instituição não pode
justificar o de outra. Em 2022, integrantes do CNMP aprovaram a indenização de
férias anuais não gozadas, e alguns deles receberam R$ 203 mil no contracheque
de dezembro.
Há outros penduricalhos que exigem
explicação. Por participação em banca de concurso do Ministério Público
Federal, Aras e nove colegas já receberam, cada um, R$ 100 mil. A prática,
prevista em lei, deveria ser ao menos regulada para evitar beneficiamento
próprio pouco transparente.
O Estado brasileiro aprofunda desigualdades, ao desperdiçar verba pública com a elite do funcionalismo. Mesmo que uma remuneração adequada a juízes e procuradores seja importante como desincentivo à corrupção, o argumento não permite que o dinheiro do contribuinte seja usado para salários fora da realidade do país.
A direita civilizada não é uma utopia
O Estado de S. Paulo
A votação da PEC 45 revelou o contraste
entre os verdadeiros liberais e os conservadores de fancaria. A concertação de
interesses em bases civilizadas, alinhadas à Constituição, move o País
A histórica aprovação da reforma tributária
pela Câmara mostrou quão longe o Brasil pode avançar quando forças políticas
adversárias são capazes de superar divergências para debater, civilizada e
democraticamente, projetos de interesse de toda a sociedade. Foi exemplar,
nesse sentido, o diálogo republicano estabelecido entre o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e parlamentares
de diferentes afiliações ideológico-partidárias a fim de destravar as
negociações que, ao fim e ao cabo, levaram à construção dos termos finais da
reforma.
A votação confortável da Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) 45, com mais de 370 votos favoráveis nos dois turnos,
revelou, ainda, que uma direita civilizada, liberal e propositiva – a direita
que este jornal tanto tem conclamado a se organizar e se distanciar de qualquer
associação com essa extrema direita selvagem encabeçada pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro – não é uma utopia. Ela existe e, como se viu, mostrou seu grande
valor para a construção democrática de consensos em prol do País. Nos dias que
antecederam a votação da PEC 45, ficou evidente o contraste entre os
verdadeiros liberais democratas e os conservadores de fancaria.
Imbuído da missão de conciliar o apoio a
uma proposta de interesse nacional e a defesa dos interesses de São Paulo,
Tarcísio foi a Brasília para negociar ajustes nos termos da reforma tributária
com membros do governo federal e do Congresso. Foi o que bastou para ser
hostilizado por Bolsonaro e pela malta que ainda o acompanha no PL. Para os
bolsonaristas, Tarcísio cometeu o pecado mortal de fazer a boa política, vale
dizer, a política que produz bons resultados para o País, independentemente de
eventuais concessões programáticas ou ideológicas que possam ser feitas com
vistas ao interesse público.
Não surpreendem, portanto, os apupos ao
governador paulista, não só humilhado pela bancada do PL, como jogado por
Bolsonaro aos cães das redes sociais, numa tentativa patética do expresidente
de demonstrar um poder que, hoje, só existe na sua imaginação. Essa direita
raivosa e destrutiva privilegia a polarização, a intolerância e a recusa ao
diálogo como instrumentos de ação política. Nada tem a oferecer ao País, como
restou demonstrado.
A direita selvagem é infensa à cooperação
com adversários. Não reconhece a necessidade de concertações políticas nem é
capaz de firmar compromissos para impulsionar o desenvolvimento do País. Os
verdadeiros conservadores, ao contrário, como genuínos democratas que são, são
plenamente capazes de sentar-se à mesa com adversários políticos para discutir
reformas do Estado por meio da negociação democrática, não da ruptura. Foi o
que se viu na aprovação da PEC 45. É dessa direita que o País precisa e, como
se viu, deu um passo à frente para reafirmar sua importância para o
desenvolvimento do País.
Mas, paralisados pela ideia de fazer uma
oposição irracional ao governo do petista Lula da Silva, os bolsonaristas ditos
“liberais” não têm esse alcance. Tanto que tiveram de ouvir o óbvio do
governador de São Paulo. A Bolsonaro e à bancada do PL, Tarcísio teve de
relembrar que “a direita não pode perder a narrativa de ser favorável a uma
reforma tributária” – e por razões óbvias: uma reforma que modernize o sistema
tributário, reduzindo a capacidade do Estado de infernizar a vida dos
empreendedores, obviamente deve ser apoiada e liderada por quem se diz liberal.
Como mostraram as bem-sucedidas negociações
para a aprovação da PEC 45, o Brasil só tem a ganhar quando adversários
políticos se dispõem a debater projetos de interesse nacional de forma madura e
civilizada.
A sociedade tem muito a refletir a partir
da aprovação da reforma tributária, uma conquista de todos; não de um governo,
de um partido ou de indivíduos. Dessa compreensão advirá a constatação de que o
melhor interesse público, perene, sempre se sobrepõe às disputas
político-ideológicas de ocasião; e a concertação de interesses em bases
civilizadas, alinhadas à Constituição, é o que move o País.
O enfrentamento ao discurso de ódio
O Estado de S. Paulo
Não existe liberdade de agredir e ameaçar.
O discurso de ódio é tema sério, a exigir legislação equilibrada, que proteja
os direitos de todos e não se preste a ações de perseguição
No início do ano, o Ministério dos Direitos
Humanos e da Cidadania instituiu um grupo de trabalho para debater o
enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo no Brasil. No dia 3 de julho,
foi apresentado em Brasília um relatório, com o diagnóstico, as diretrizes e as
recomendações do grupo. O assunto é atual e muito importante. A liberdade de
expressão não pode ser pretexto para agressões e violações a direitos de grupos
vulneráveis. Ao mesmo tempo, o combate ao discurso de ódio não pode se
transformar em instrumento para calar vozes e perspectivas dissidentes,
criminalizando as ideias que não se alinhem ao pensamento de quem está no
poder.
Para tratar o tema com responsabilidade, é
necessário conceituar, de forma adequada, o que é o discurso de ódio. Não é uma
ideia indeterminada, a ser entendida conforme a sensibilidade individual.
Discurso de ódio não é, portanto, aquilo que cada um entende como agressivo
para si mesmo. Se fosse assim, cada um poderia determinar o que o outro pode
falar, o que é contrário à liberdade de expressão. Na verdade, seria a morte da
liberdade de expressão.
O conceito de discurso de ódio foi
desenvolvido não para proteger sensibilidades individuais, mas para assegurar
respeito aos direitos de todos, a começar pelo direito à vida. Constatouse que,
sob a bandeira da liberdade de expressão, havia situações de uso da fala para
ameaçar, difundir discriminação e promover preconceito contra determinados
grupos, como, por exemplo, os discursos antissemitas. Isso não é liberdade de
expressão, tampouco é resguardado pela Constituição.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos,
“o discurso de ódio envolve a progressão, intensificação ou sobreposição de
violações que partem de uma estratégia de poder pela agressividade,
hostilidade, opressão, intolerância e abjeção de pessoas ou comunidades e
evoluem, no conteúdo e na forma, para um polo de extremismo discursivo
caracterizado pela desumanização do seu objeto e coletivização de seu
destinatário”. Na definição do discurso de ódio, o relatório cita seis fatores:
contexto; autoria; agente; motivação e efeitos; conteúdo e forma; e magnitude.
Tudo isso manifesta o cuidado que o
Judiciário deve ter ao manejar, em suas decisões, o conceito de discurso de
ódio. Não basta uma menção genérica a “discurso de ódio” para justificar, por
exemplo, uma medida restritiva de direitos. O mesmo cuidado deve ter o
Congresso, na elaboração e avaliação de propostas legislativas sobre o tema.
Diante da proteção constitucional à
dignidade, à liberdade e à igualdade de todas as pessoas, o Ministério dos
Direitos Humanos entende existir “uma afirmação positiva de proteção e promoção
da vida em comum e livre do ódio e da violência extremista”. O poder público
tem o dever de proteger todas as pessoas. Nenhum ataque deve ser tolerado. Como
afirma o relatório, não existe “razoabilidade democrática para a falsa tese do
ódio como liberdade de expressão”.
Segundo o Ministério, as principais
manifestações de ódio e de extremismo no País são misoginia e violência contra
as mulheres; racismo contra pessoas negras e indígenas; ódio e violência contra
a população LGBT+; xenofobia e violência contra estrangeiros e nacionais das
Regiões Norte e Nordeste; ódio e violência contra as pessoas e comunidades
pobres; e intolerância, ódio e violência contra as comunidades e pessoas religiosas
e não religiosas.
O grupo de trabalho do Ministério dos
Direitos Humanos adverte para a complexidade e a diversidade das causas, das
dinâmicas e das consequências do discurso de ódio. O alerta é importante para
evitar respostas simplistas. São várias as recomendações, como a ratificação de
tratados internacionais, ações educativas e medidas de proteção às vítimas. Na
apresentação do relatório, o ministro Silvio Almeida defendeu a necessidade de
um novo marco legal das redes sociais. “Não existe sociedade democrática sem
regras, sem regulação. É fundamental que avancemos para a regulação das
plataformas de rede social”, disse. A irresponsabilidade agride a liberdade. É
preciso ter leis equilibradas.
Leitor se queixa de falta de segurança em
creche
O Estado de S. Paulo
Pesquisa que dimensiona abandono de curso
superior revela um misto de desamparo e decepção
Reclamação de Wellington Navarro: “Venho
por meio desta mensagem informar a precariedade da Creche Beth Lobo, localizada
na Rua Cosenza, 126, Utinga, em Santo André, no ABC. A creche é muito boa,
professores excelentes, coordenadores e funcionários perfeitos para o cargo.
Mas em questão à segurança de nossos filhos, a prefeitura peca demais. Não tem
uma identificação na entrada. Não tem um guarda protegendo nossas crianças,
apenas uma coordenadora que duvido que saiba a feição de todos os pais dos
alunos que vêm buscar os filhos. Se você for buscar ou até levar seu filho para
a creche fora do horário de entrada e saída, informa só o nome e a entrada é
liberada.”
Resposta da Prefeitura de Santo André: “A
Prefeitura de Santo André afirma que aumentou as rondas nas escolas da cidade,
realizadas pela Guarda Civil Municipal (GCM) em parceria com a Polícia Militar.
Além disso, a cidade ampliou o monitoramento por imagens nas escolas da rede
municipal, que já contam com 1,3 mil câmeras, instaladas em 95% das unidades.
Até o fim do mês, serão instalados mais 200 equipamentos, o que levará à
cobertura de toda a rede.” •
Teve algum direito como cidadão ou
consumidor desrespeitado? O blog Seus Direitos pode ajudar. Envie suas
reclamações, com os devidos documentos, dados pessoais e contatos, além do nome
dos envolvidos na questão, para o spreclama@estadao.com
Éalarmante o número de brasileiros que
ingressam no ensino superior, mas desistem do curso antes da formatura. De
acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil, elaborado pelo Instituto
Semesp, 55,5% dos alunos que entraram na faculdade em 2017 não concluíram o
curso em 2021. Cinco anos após o ingresso, só 26,3% haviam se formado; 18,1%
ainda assistiam às aulas.
A evasão escolar é um problema grave em
todos os níveis de ensino, provocando danos em série, nos planos individual e
coletivo, em cada etapa do processo de aprendizagem. No caso do ensino
superior, uma evasão nesse patamar ainda priva o País de se desenvolver como
polo produtor de conhecimento científico, sem o qual estará condenado a um
crescimento pífio, quando muito.
São diversas as causas para a alta evasão
do ensino superior. Vão desde o despreparo dos estudantes para acompanhar as
aulas, dadas as conhecidas carências nos ensinos fundamental e médio, até a
distância que separa grande parte deles de sua vocação, por total incapacidade
material de prosseguir nos cursos desejados. “Muitas vezes, a pessoa quer
estudar Arquitetura, mas faz Pedagogia a distância porque é o que cabe no
bolso”, disse ao Estadão o diretor do Instituto Semesp, Rodrigo Capelato.
Embora a desistência seja maior em
instituições privadas (59%), a evasão escolar não é menos preocupante no ensino
superior público (40,3%). Isso indica que a falta de condições econômicas para
permanência nos cursos, que afeta tanto os alunos que pagam mensalidades como
os que dispõem do ensino gratuito, pode ser uma das principais causas da
evasão.
A questão vocacional pode ser mitigada com
o suporte aos estudantes em etapas anteriores ao ingresso na faculdade, mas a
permanência desses jovens no ensino superior depende fundamentalmente de uma
conjuntura macroeconômica tal que a necessidade de procurar emprego em tempo
integral, para sustento próprio ou complementar a renda familiar, não compita
com a conclusão do curso.
Ademais, é preciso que o estudante faça o
curso não porque é o mais barato ou porque lhe dará supostamente um pedaço de
papel que, segundo imagina, é uma espécie de passaporte para o mercado de
trabalho – mentalidade que se consolidou durante os governos do PT –; o
estudante deve ser estimulado a buscar os cursos que atendam a sua vocação, e
isso não acontece necessariamente numa universidade. Com frequência, essa
vocação é mais bem atendida num curso técnico – mais curto, mais barato e mais
flexível que a maratona universitária.
De volta à Presidência, é hora de Lula da Silva, que se diz tão preocupado com o futuro das novas gerações, criar as condições para que o País cresça de forma sustentável, pois só isso permitirá que cada cidadão tenha a liberdade de decidir o que fazer da própria vida – a começar pela escolha do melhor caminho para seu desenvolvimento educacional e profissional.
Além do ponto de não retorno
Correio Braziliense
A humanidade se encontra, agora, em um
momento crucial de sua história e devemos nos preparar para o pior cenário
possível: um aumento de até 4 graus na temperatura global até o fim deste
século
Foram décadas de avisos, alertas e
advertências sobre os perigos da mudança climática. Aparentemente, em vão. Nos
últimos dias, o mundo bateu o recorde de maior temperatura média global três
vezes. Na segunda-feira, foram registrados 17,01°C, que superaram o recorde
anterior de 16,92°C, de agosto de 2016. Na terça-feira, foram 17,18°C, enquanto
na quinta-feira, o número bateu 17,23°C, fazendo da semana que passou a mais
quente da história do planeta.
O recorde fez o secretário-geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmar que as mudanças
climáticas estão "fora de controle". "Se insistirmos em adiar
medidas fundamentais que são necessárias, acredito que estamos caminhando para
uma situação catastrófica, como demonstram os últimos recordes de
temperatura."
Ao soar o alerta, a ONU cumpre o papel de
arauto do apocalipse. Ao que tudo indica, a humanidade finalmente ultrapassou o
ponto de não retorno. Ou seja: mesmo que por um milagre, as emissões de gases
de efeito estufa fossem totalmente zeradas, os efeitos da mudança climática são
irreversíveis.
Mas para piorar, nada indica que a
humanidade vá desacelerar. Pelo contrário, os investimentos em combustíveis
fósseis, como petróleo e carvão, seguem em ritmo acelerado, enquanto
iniciativas como o carro elétrico estão longe de atingir a popularidade
necessária para causar algum impacto no meio ambiente.
A humanidade se encontra, agora, em um
momento crucial de sua história e devemos nos preparar para o pior cenário
possível: um aumento de até 4 graus na temperatura global até o fim deste
século.
As consequências serão devastadoras.
Ecossistemas frágeis, como mangues, recifes de corais e os polos serão
irreversivelmente danificados, colocando em risco a biodiversidade e a
segurança alimentar. Cidades litorâneas vão enfrentar o risco crescente de
inundação, ameaçando milhões de pessoas e infraestruturas críticas. A saúde
humana será profundamente impactada, com o surgimento de novas doenças, a
propagação de vetores de doenças existentes e o aumento da vulnerabilidade de
comunidades já marginalizadas.
O tempo para a complacência acabou. Agora é
a hora de enfrentar a realidade e se preparar para um futuro climático incerto.
Diante dessa perspectiva sombria e com a sensação de impotência que a passagem
do ponto de não retorno causa, é preciso tomar algumas ações. O mundo deve
intensificar os esforços para mitigar o que ainda é possível das mudanças
climáticas, buscando reduzir a emissão de gases e acelerar a transição para
fontes de energia renovável, promover a eficiência energética, investir em
transporte sustentável e repensar nossa produção e consumo.
No entanto, a humanidade também deve se preparar para o inevitável. A adaptação às mudanças climáticas é essencial para minimizar os danos e proteger os mais vulneráveis, e evitar que, como sempre, os mais pobres paguem a conta. Os governos devem implementar políticas de adaptação robustas, incluindo a construção de infraestruturas resilientes, o estabelecimento de sistemas de alerta precoce para eventos catastróficos como enchentes, temporais, incêndios e ondas de calor, além da adoção de práticas agrícolas adaptativas, que aproveitem melhor o atual campo de lavoura e evitem novos desmatamentos, principalmente na Amazônia. O custo de não agir é alto demais para ser ignorado.
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