O Estado de S. Paulo
Aprovação da reforma é evidência de funcionalidade do presidencialismo multipartidário
Oque explica a aprovação da reforma
tributária por uma margem tão confortável (382 votos, muito acima dos
necessários 308) na Câmara dos Deputados a despeito dos múltiplos erros na
montagem e na gerência de coalizão do governo Lula 3?
Afinal de contas, Lula escolheu montar uma
coalizão muito grande, com 14 partidos, extremamente heterogênea e não tem
compartilhado poder e recursos de forma proporcional levando em consideração o
peso político de cada parceiro no Legislativo.
Além do mais, trata-se de uma reforma que historicamente tem despertado grandes resistências de setores que usualmente tentam proteger seus interesses, levando assim ao fracasso de várias tentativas de governos anteriores de reformar o sistema tributário brasileiro.
Um dos elementos-chave para se entender o
comportamento cooperativo do Legislativo com a agenda de políticas proposta
pelo Executivo no presidencialismo, especialmente em um ambiente
multipartidário, é o fato de o presidente levar em consideração a preferência
mediana agregada dos parlamentares.
Quando o presidente ignora o que o
Legislativo deseja e tenta impor uma agenda de política incongruente com as
preferências dos parlamentares, os custos de governabilidade do presidente
aumentam e a sua taxa de sucesso no Legislativo diminui. Por outro lado, quando
o presidente alinha a sua agenda de políticas às preferências do Legislativo,
as relações Executivo-Legislativo tendem a ser mais cooperativas, e o
presidente tende a aprovar mais frequentemente a sua agenda, inclusive em matérias
controversas.
A reforma tributária tem sido gestada e
lapidada há décadas por técnicos e políticos de vários governos com
preferências e perfis ideológicos distintos. Trata-se de uma pauta com relativo
grau de maturidade sendo, portanto, bastante palatável para um Legislativo de
perfil marcadamente de centro-direita. Ou seja, a proposta de reforma
tributária convergia para a preferência mediana do Legislativo.
Os problemas de governabilidade e as
derrotas legislativas do governo Lula 3 têm aparecido especialmente quando o
governo tenta implementar uma agenda de políticas distante das preferências do
Legislativo, o que definitivamente não foi o caso da reforma tributária.
A aprovação da reforma tributária,
portanto, coloca por terra argumentos que sugerem supostas disfuncionalidades
do presidencialismo multipartidário. É a combinação de incongruência de
preferências entre o Executivo e o Legislativo aliada à má gerência da coalizão
que aumentam as chances de fracassos do presidente no Congresso.
*CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR TITULAR DA
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS (FGV EBAPE)
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