O Globo
Há uma dimensão eleitoral nas dinâmicas
demográficas captadas pelo Censo
O pensamento dualista desenhou a antiga
imagem dos “dois Brasis”, título da obra do francês Jacques Lambert publicada
em 1957. Já se fez a crítica da polaridade modernização/atraso. Contudo o Censo de
2022 ilumina a persistência de dilemas entranhados e, nesse passo, gera novas
indagações políticas. Suas tabelas expõem as divisões entre um Brasil dinâmico,
que atrai migrantes, e outros (no plural) demograficamente estagnados.
À sombra da transição demográfica, o Brasil exibiu taxa anual de crescimento demográfico de mero 0,52% entre 2010 e 2022. A depressão econômica iniciada em 2014 e a pandemia de Covid-19 provavelmente tiveram impacto na redução da natalidade, mas apenas aceleraram tendências registradas nas décadas anteriores. O “bônus demográfico” — intervalo em que a população adulta cresce a taxas maiores que a de jovens e idosos — vai se fechando. As médias nacionais, porém, ocultam profundas desigualdades entre os estados.
Destaca-se, no mapa, um núcleo dinâmico de
Sudeste/Sul, constituído por estados com taxas de crescimento demográfico
superiores à média nacional: São Paulo, Espírito
Santo, Paraná e Santa
Catarina. São polos de atração de migrantes. Os estados do Rio Grande do
Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro apresentam
expansão inferior à média nacional, o que indica repulsão populacional.
O Rio Grande do Sul, estado com maior
proporção de idosos do país, continua a fornecer migrantes que se deslocam para
Centro-Oeste e Amazônia. O norte de Minas reproduz, insistentemente, as
tendências históricas de repulsão da Região Nordeste. Mas o que ocorre com o
Rio, estado beneficiado pelos royalties do petróleo e ancorado na metrópole que
sediou os Jogos Olímpicos de 2016? Aparentemente, a moléstia que debilita o Rio
chama-se política.
A “marcha para Oeste” ainda não se
concluiu. Todos os estados do Centro-Oeste apresentam crescimento populacional
expressivo, atraindo migrantes. Na Região Norte, porém, verificam-se tendências
contraditórias. Amazonas, Acre, Tocantins, Roraima e Amapá crescem mais
que a média nacional, enquanto ocorre o oposto com Pará e Rondônia. Os dois
últimos, que funcionaram como fronteiras de expansão demográfica ao longo de
décadas, converteram-se em zonas de repulsão populacional. É sinal da falência
de um modelo de desenvolvimento predatório assentado na devastação ambiental —
e, talvez, o prenúncio do que aguarda os demais estados da região.
Mais de meio século depois do livro de
Lambert, o Nordeste inteiro exibe taxas de crescimento inferiores à média
nacional, persistindo como principal zona de repulsão populacional do
país. Bahia, Pernambuco, Alagoas e o
amazônico Maranhão estão
entre os estados com menor expansão demográfica do país. A cisão
Centro-Sul/Nordeste resiste ao tempo, como atualização das desigualdades. As
políticas de transferência de renda, que privilegiam os mais pobres (e,
portanto, o Nordeste), revelam-se incapazes de superar as raízes estruturais da
pobreza.
Há uma dimensão eleitoral nas dinâmicas
demográficas captadas pelo Censo. No turno final de 2022, de modo geral,
Bolsonaro triunfou nos estados que atraem migrantes, enquanto Lula venceu nos
estados de repulsão demográfica. Provas notáveis: no Sudeste, Lula ficou à frente
apenas em Minas e, na Amazônia, venceu no Pará. Exceções pontuais como Rio, Rio
Grande do Sul, Amazonas e Tocantins não alteram o quadro fundamental.
O antipetismo predomina nos estados de
economia dinâmica, que geram mais empregos e melhores níveis de vida. O lulismo
predomina nos estados mais dependentes de repasses federais, aposentadorias e
programas de transferência de renda. De um lado, o cenário econômico e
demográfico é propício ao enraizamento de uma funda e perigosa divisão
política. De outro, a concentração de bases eleitorais em estados com população
em declínio relativo é uma sombra agourenta que paira sobre a esquerda.
O Censo emite um alerta. As políticas de
Lula 3, que reciclam as empregadas nos mandatos petistas anteriores, não têm o
poder de aumentar a coesão da sociedade nacional, atenuando desigualdades
sociais e regionais. Talvez o governo tenha pouco interesse nisso — mas,
certamente, a esquerda deveria prestar atenção ao que a demografia diz sobre
seu próprio futuro.
2 comentários:
■Um país precisa de política:: de boa politica.
▪Um país precisa de forças políticas de esquerda, de direita, de centro esquerda e direita e de extrema esquerda e direita (são todas partes legitimas do processo político democrático).
No Brasil não temos as expressões do espectro politico nem minimamente bem definidas::
▪Ao que se chama de direita e de esquerda aqui é bem questionável. Estes que seguem Bolsonaro e Lula pouco ou nada têm que autorize uma identificação, mas como é o que temos, vão rotulando::
▪Segue Lula? É "de esquerda";
▪Segue Bolsonaro? É "de direita"
Chega a ser deprimente. Mas é o que temos. E é como estamos.
Penso que estamos muito mal! Mas tem mais gente que discorda de mim e entende que ser de esquerda ou de direita é só isso mesmo.
A maioria não sabe o que é ser de esquerda ou direita,vota por impulso.
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