segunda-feira, 10 de julho de 2023

Demétrio Magnoli - Dois Brasis — e mais alguns

O Globo

Há uma dimensão eleitoral nas dinâmicas demográficas captadas pelo Censo

O pensamento dualista desenhou a antiga imagem dos “dois Brasis”, título da obra do francês Jacques Lambert publicada em 1957. Já se fez a crítica da polaridade modernização/atraso. Contudo o Censo de 2022 ilumina a persistência de dilemas entranhados e, nesse passo, gera novas indagações políticas. Suas tabelas expõem as divisões entre um Brasil dinâmico, que atrai migrantes, e outros (no plural) demograficamente estagnados.

À sombra da transição demográfica, o Brasil exibiu taxa anual de crescimento demográfico de mero 0,52% entre 2010 e 2022. A depressão econômica iniciada em 2014 e a pandemia de Covid-19 provavelmente tiveram impacto na redução da natalidade, mas apenas aceleraram tendências registradas nas décadas anteriores. O “bônus demográfico” — intervalo em que a população adulta cresce a taxas maiores que a de jovens e idosos — vai se fechando. As médias nacionais, porém, ocultam profundas desigualdades entre os estados.

Destaca-se, no mapa, um núcleo dinâmico de Sudeste/Sul, constituído por estados com taxas de crescimento demográfico superiores à média nacional: São PauloEspírito SantoParaná e Santa Catarina. São polos de atração de migrantes. Os estados do Rio Grande do SulMinas Gerais e Rio de Janeiro apresentam expansão inferior à média nacional, o que indica repulsão populacional.

O Rio Grande do Sul, estado com maior proporção de idosos do país, continua a fornecer migrantes que se deslocam para Centro-Oeste e Amazônia. O norte de Minas reproduz, insistentemente, as tendências históricas de repulsão da Região Nordeste. Mas o que ocorre com o Rio, estado beneficiado pelos royalties do petróleo e ancorado na metrópole que sediou os Jogos Olímpicos de 2016? Aparentemente, a moléstia que debilita o Rio chama-se política.

A “marcha para Oeste” ainda não se concluiu. Todos os estados do Centro-Oeste apresentam crescimento populacional expressivo, atraindo migrantes. Na Região Norte, porém, verificam-se tendências contraditórias. AmazonasAcreTocantinsRoraima e Amapá crescem mais que a média nacional, enquanto ocorre o oposto com Pará e Rondônia. Os dois últimos, que funcionaram como fronteiras de expansão demográfica ao longo de décadas, converteram-se em zonas de repulsão populacional. É sinal da falência de um modelo de desenvolvimento predatório assentado na devastação ambiental — e, talvez, o prenúncio do que aguarda os demais estados da região.

Mais de meio século depois do livro de Lambert, o Nordeste inteiro exibe taxas de crescimento inferiores à média nacional, persistindo como principal zona de repulsão populacional do país. BahiaPernambucoAlagoas e o amazônico Maranhão estão entre os estados com menor expansão demográfica do país. A cisão Centro-Sul/Nordeste resiste ao tempo, como atualização das desigualdades. As políticas de transferência de renda, que privilegiam os mais pobres (e, portanto, o Nordeste), revelam-se incapazes de superar as raízes estruturais da pobreza.

Há uma dimensão eleitoral nas dinâmicas demográficas captadas pelo Censo. No turno final de 2022, de modo geral, Bolsonaro triunfou nos estados que atraem migrantes, enquanto Lula venceu nos estados de repulsão demográfica. Provas notáveis: no Sudeste, Lula ficou à frente apenas em Minas e, na Amazônia, venceu no Pará. Exceções pontuais como Rio, Rio Grande do Sul, Amazonas e Tocantins não alteram o quadro fundamental.

O antipetismo predomina nos estados de economia dinâmica, que geram mais empregos e melhores níveis de vida. O lulismo predomina nos estados mais dependentes de repasses federais, aposentadorias e programas de transferência de renda. De um lado, o cenário econômico e demográfico é propício ao enraizamento de uma funda e perigosa divisão política. De outro, a concentração de bases eleitorais em estados com população em declínio relativo é uma sombra agourenta que paira sobre a esquerda.

O Censo emite um alerta. As políticas de Lula 3, que reciclam as empregadas nos mandatos petistas anteriores, não têm o poder de aumentar a coesão da sociedade nacional, atenuando desigualdades sociais e regionais. Talvez o governo tenha pouco interesse nisso — mas, certamente, a esquerda deveria prestar atenção ao que a demografia diz sobre seu próprio futuro.

 

2 comentários:

EdsonLuiz disse...

■Um país precisa de política:: de boa politica.
▪Um país precisa de forças políticas de esquerda, de direita, de centro esquerda e direita e de extrema esquerda e direita (são todas partes legitimas do processo político democrático).

No Brasil não temos as expressões do espectro politico nem minimamente bem definidas::
▪Ao que se chama de direita e de esquerda aqui é bem questionável. Estes que seguem Bolsonaro e Lula pouco ou nada têm que autorize uma identificação, mas como é o que temos, vão rotulando::
▪Segue Lula? É "de esquerda";
▪Segue Bolsonaro? É "de direita"

Chega a ser deprimente. Mas é o que temos. E é como estamos.

Penso que estamos muito mal! Mas tem mais gente que discorda de mim e entende que ser de esquerda ou de direita é só isso mesmo.

ADEMAR AMANCIO disse...

A maioria não sabe o que é ser de esquerda ou direita,vota por impulso.