Censo reacende preocupação com futuro da Previdência
Valor Econômico
O aumento do número de idosos e a redução
das pessoas em idade ativa põem em xeque o futuro do sistema de aposentadorias
A divulgação dos primeiros resultados do Censo de 2022 reavivou a preocupação com o futuro da Previdência Social. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contou 203,1 milhões de habitantes, bem menos do que os 214 milhões estimados anteriormente. Embora ainda não tenham sido divulgados os detalhes etários do Censo, a queda do ritmo de crescimento da população aponta para a redução dos nascimentos e o envelhecimento dos brasileiros. O aumento do número de idosos e a redução das pessoas em idade ativa põem em xeque o futuro da Previdência alimentada pela contribuição dos mais jovens, que formam uma reserva para o pagamento das aposentadorias. Essa conta é historicamente deficitária no Brasil e em boa parte do mundo e constitui fonte de eterna preocupação dos governantes e dos 37 milhões de aposentados do regime geral, sem contar os do funcionalismo público.
De tempos em tempos os governantes fazem
reformas para reduzir o rombo, com maior ou menor sucesso e custo político
elevado, como experimenta a França. A mais recente feita no Brasil foi
concluída em 2019, após mais de cinco anos de negociação. Especialistas avaliam
que as mudanças vão deixar a Previdência Social sob relativo controle nesta e
nas próximas uma a duas gestões, dependendo da demografia e da política para o
salário mínimo. Mais de 60% dos benefícios do Regime Geral da Previdência
Social (RGPS) são vinculados ao mínimo.
A reforma entrou em vigor pouco antes do
início da pandemia de covid-19, causando atrasos nas concessões das
aposentadorias e represamento dos gastos. As solicitações represadas chegaram a
2,3 milhões. O governo teve que pagar um bônus para os técnicos agilizarem as
análises dos pedidos. As filas diminuíram mas chegam atualmente a 1,8 milhão.
O mais recente Relatório de Projeções
Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), publicado neste mês, informa
que os gastos com a Previdência Social do regime geral seguem sendo a principal
despesa primária, com 42,3% do total. Mas devem subir a 50% a partir de 2030.
Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), os gastos previdenciários do RGPS
deverão ficar em 8% neste ano, chegando a 8,3% no ano de 2027 em consequência
do pagamento de passivo de precatórios, e recuando para 7,9% em 2032.
Segundo o relatório do Tesouro, a piora na
dinâmica é explicada pelo arrefecimento dos efeitos da reforma da Previdência
Social de 2019; pelo aumento real do salário mínimo e pela aceleração nas
compensações financeiras entre sistemas de previdência social.
Segundo estudo dos economistas Rogério
Nagamine Costanzi e Graziela Ansiliero, as alíquotas de contribuição são outro
problema da Previdência Social (Valor 22/5). Atualmente, as alíquotas de
contribuição variam de 27,5% a 34%, sendo 20% do lado das empresas e indo de
7,5% a 14% da parte dos trabalhadores. No entanto, a alíquota média necessária
para garantir o custeio do RGPS seria de 35%. O ponto é que aumentou a parcela
da população que contribui com base em taxa subsidiada e o elevado nível de
informalidade no mercado de trabalho. O estudo constatou também que, entre os
anos de 2008 e 2019, a proporção de empregados no total de contribuintes da
Previdência regime geral brasileira ficou praticamente estabilizada, passando
de 78% para 77%. No entanto, aumentou a parcela que contribui com uma alíquota
mais baixa do que a cobrada do trabalhador com carteira assinada. A proporção
de ocupados em empresa do Simples Nacional passou de 23% para 26%. A
participação no Plano Simplificado de Previdência Social (PSPS) entre os demais
segurados passou de 1,8% em 2008 para 3,2% em 2019. Nesse caso, a alíquota
corresponde a 11% do salário mínimo. No mesmo período, o Microempreendedor
Individual (MEI), que era praticamente inexistente no ano de 2008, chegou a
7,8% do total de contribuintes em 2019 e sua alíquota de contribuição
previdenciária, que era de 11% do salário mínimo em julho de 2009, foi reduzida
para 5%.
Estudo do grupo Allianz também constatou
que as regras de concessão de aposentadorias e pensões do Brasil não são
adequadas para a tendência de envelhecimento da população e redução da
natalidade, mesmo depois de a covid-19 ter reduzido a expectativa de vida. O
relatório, que leva em conta 40 parâmetros que refletem as condições
demográficas e fiscais para avaliar a sustentabilidade e adequação do sistema
previdenciária, colocou o Brasil no 65º lugar entre 75 países.
Alinhando esses argumentos, não são raros
os especialistas que já preveem a necessidade de nova reforma da Previdência.
Não se trata de algo para o curto prazo, mas que pode se tornar necessário a
depender de fatores como a evolução demográfica do país. Medidas que consigam
reduzir a informalidade no mercado de trabalho são importantes para enfrentar o
problema. Outro ponto fundamental seria o país entrar num ciclo de crescimento
sustentado a taxas mais elevadas, o que depende essencialmente da melhora da
produtividade. Com uma expansão mais forte do PIB, haveria uma maior geração de
postos de trabalho, colaborando assim para o aumento das receitas do sistema de
aposentadorias do país.
Cumprimento de meta de déficit em 2023 é
incerto
O Globo
Frustração neste ano aumentará dúvida sobre
objetivos da política fiscal em 2024, 2025 e 2026
O governo federal aumentou a projeção para
o rombo das contas
públicas neste ano. O recém-publicado Relatório de Avaliação de
Receitas e Despesas Primárias, coordenado pelo Ministério do Planejamento e
Orçamento, elevou a previsão de déficit primário de R$ 136,2 bilhões para R$
145,4 bilhões. Embora economistas e analistas estejam mais preocupados com o
que acontecerá em 2024, 2025 e 2026, a nova estimativa merece atenção, por
colocar em dúvida a credibilidade do governo.
Nas primeiras semanas de janeiro, quando
eram muitos os questionamentos sobre os planos do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva para a economia, o Ministério da Fazenda entrou em cena para reforçar as
promessas de responsabilidade fiscal. Foi então anunciado que a meta informal
de déficit primário neste ano seria entre 0,5% e 1% do PIB. A mensagem era que
o PT não sairia gastando desenfreadamente, acima da capacidade do país e fazendo
a dívida pública sair do controle.
Em março, seguindo a mesma estratégia, a
Fazenda informou que pretende zerar o déficit em 2024 e alcançar superávits em
torno de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Logo depois de anunciados, os
objetivos foram elogiados, mas despertaram desconfiança sobre a sua
viabilidade, porque exigem um forte aumento da arredação (da ordem nada
desprezível de 1% do PIB em 2024). Já o cumprimento do prometido para este ano
parecia merecer mais confiança. Agora se vê que nem isso está totalmente
garantido.
Os R$ 145,4 bilhões de rombo previstos para
2023 equivalem a 1,4% do PIB. No relatório divulgado na sexta-feira, os
técnicos do governo afirmam que a previsão de despesas primárias subiu R$ 7,2
bilhões na comparação com cálculos feitos em maio. O principal fator
responsável pela alta foi a compensação a estados e municípios (R$ 4,6 bilhões)
pelas perdas impostas pelo corte de ICMS sobre combustíveis. No lado das
receitas, a última projeção ficou R$ 2 bilhões abaixo da anterior, impactada
pela queda da previsão de arrecadação previdenciária.
Parte da equipe econômica diz que, a ser
confirmado o déficit de 1,4% do PIB em 2023, ainda assim ficará bem abaixo do
que era previsto no ano passado. Tal argumento não merece consideração, por
ignorar a promessa feita no início do ano e todo o debate promovido desde então
pelo governo a respeito da necessidade de cuidar das contas públicas. A boa
notícia é que a Fazenda ainda não jogou a toalha e pode tentar fechar 2023 com
o déficit mais próximo do prometido.
O esforço seria bem-vindo, porque dúvidas
sobre responsabilidade fiscal podem voltar a assombrar o governo com mais
intensidade. É certo que o novo arcabouço fiscal é melhor do que nada (aprovado
em maio pelos deputados e em junho no Senado, agora espera nova avaliação da
Câmara). O teto de gastos, a regra fiscal anterior, já era letra morta. Ainda
assim, há questionamentos sobre sua eficácia para estabilizar a dívida pública.
A atenção de economistas e analistas está em como o governo fará para cumprir
as metas de 2024, 2025 e 2026, mas uma frustração neste ano certamente não
ajudará a fortalecer a credibilidade da equipe econômica.
Delação premiada no Caso Marielle abre
perspectiva para elucidar crime
O Globo
Espera-se que depoimento de ex-PM que está
preso possa ajudar polícia a identificar mandantes do assassinato
A operação deflagrada pela Polícia
Federal e pelo Ministério Público do Rio para prender suspeitos
de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle
Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, abre perspectivas
para que as autoridades possam enfim esclarecer os mandantes do crime que
chocou o país. Embora o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio
Queiroz, apontados como executores, estejam presos, cinco anos depois ainda não
se sabe quem mandou matar a vereadora e o motorista e por quê. Polícias e MP
devem uma resposta à sociedade.
É inegável que houve avanços na
investigação. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino,
revelou que a delação
premiada de Élcio Queiroz trouxe subsídios importantes ao caso.
O ex-PM confessou que dirigia o Cobalt prata onde estavam os criminosos,
confirmou que os tiros foram disparados por Ronnie Lessa — com uma arma
desviada do Bope — e deu mais detalhes do crime perpetrado em
14 de março de 2018. Segundo Dino, as provas indicam participação das milícias.
Com base nas novas informações, a PF
prendeu o ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, o Suel, cujo envolvimento já era
conhecido, mas agora pôde ser mais bem detalhado. Ele é acusado
de vigiar Marielle, acobertar os matadores e destruir provas. Em
2021, já havia sido condenado a quatro anos de prisão por obstruir as
investigações, mas cumpria a pena em regime aberto.
Certamente, a PF tem mais informações do
que as reveladas por Dino. Espera-se que sejam úteis para responder às
perguntas ainda em aberto, especialmente sobre os mandantes e o motivo do
assassinato. Mas não se deve supor que a delação premiada resolverá tudo.
Acusações baseadas apenas em delações são facilmente derrubadas na Justiça. A
PF terá de usar as informações para aprofundar a investigação e reunir provas
robustas que possam levar os criminosos à cadeia.
Desvendar os assassinatos de Marielle e
Anderson impõe dificuldades extras, uma vez que foram praticados por ex-agentes
do Estado, que conheciam o aparelho policial e agiram para destruir todas as
provas que pudessem incriminá-los. O Cobalt usado pelos bandidos nunca foi
encontrado. As armas teriam sido jogadas no mar da Barra da Tijuca e, apesar
das buscas realizadas, também não foram localizadas. Claro que todo crime deixa
rastros. Tanto que Polícia e Ministério Público conseguiram prender os
executores. Mas os homicídios ainda não foram esclarecidos.
Marielle era uma vereadora no pleno exercício de seu mandato. Elucidar o crime é uma resposta necessária ao inaceitável poder paralelo de milicianos e traficantes que desafia governos. Polícias e Ministério Público têm obrigação de identificar todos os envolvidos e puni-los exemplarmente. Não se podem repetir os erros das chacinas de Vigário Geral e Candelária, que estão completando 30 anos. Dos 59 denunciados — a maioria PMs —, só oito foram condenados. Autoridades têm a chance de fazer diferente no caso Marielle.
Menos armas
Folha de S. Paulo
Decretos de Lula têm potencial para
reverter política nefasta de Bolsonaro
Ao assinar na sexta-feira (21) um decreto
que cria restrições para o acesso a armas no Brasil, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) tomou nova e bem-vinda atitude contra uma das heranças mais
nefastas deixadas por seu antecessor.
Jair Bolsonaro (PL), nos quatro anos em que
esteve à frente do Executivo, flexibilizou diversas normas prudenciais do
setor. Agiu baseado não na ciência, mas em pura ideologia, quiçá numa tentativa
infantil de imitar os Estados Unidos no que eles têm de deplorável.
Em termos retóricos, Bolsonaro armou-se
apenas com falácias; sustentou a sua iniciativa na ideia de que a população
teria ganhos de segurança se pudesse dispor de pistolas, revólveres e
espingardas para enfrentar a bandidagem.
O argumento talvez impressione os adeptos
do bolsonarismo, mas não resiste ao teste da realidade.
Evidências empíricas analisadas por
pesquisadores qualificados mostram que o aumento de armas em circulação não
está ligado a uma queda da criminalidade e do número de assassinatos.
Na verdade, dá-se o oposto do que imagina o
ex-presidente; farta literatura científica atesta que as mortes crescem quando
há mais artefatos de fogo nas mãos da sociedade. São acidentes e suicídios que
de outro modo não ocorreriam, assim como homicídios por motivos fúteis —brigas
de bar ou de trânsito— e feminicídios.
Isso sem contar que criminosos ganham
acesso a um arsenal ampliado, seja por terem mais oportunidades de roubar esses
artigos em comércios e residências, seja porque se torna fácil driblar os
procedimentos de verificação de registro quando as regras são tão afrouxadas
como no governo Bolsonaro.
Fruto dessa leniência, o total de armas em
posse dos chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) passou de 350
mil, em 2018, para pouco mais de 1 milhão em julho de 2022. Em
período semelhante, os clubes de tiro, que eram 151, saltaram para 1.906.
Espera-se que os decretos de Lula provoquem
o movimento oposto. Primeiro porque um atirador, que podia possuir até 60
unidades, agora poderá ter 16, e somente se comprovar treinamento e
participação em competições. Do contrário, ele será classificado em níveis
inferiores, com limites de 8 ou 4 armas.
Em outra mudança, a
responsabilidade pela fiscalização dos CACs passa para a Polícia Federal,
pois o Exército, a quem cabia essa atribuição, revelou-se incapaz de cumpri-la
a contento. Além disso, a validade do registro de arma cai de 10 para 5 ou 3
anos, a depender do caso.
Somadas a outras medidas adotadas pelo
governo petista, essas novidades têm louvável potencial para reduzir o arsenal
mortífero e devolver racionalidade ao setor.
Perpetuando distorções
Folha de S. Paulo
Funcionalismo mantém remunerações acima do
setor privado e Lula abre mais vagas
O Brasil tem cerca de 11 milhões de
empregados no serviço público, nas esferas federal, estadual e municipal. Deste
contingente, 7 milhões são os chamados estatutários, que prestaram concurso e
têm estabilidade nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Os servidores equivalem a 12,5% do total de
trabalhadores, ou 1 em cada 8, numa proporção equivalente à média da América
Latina.
Números da plataforma República em Dados, a
partir de informações oficiais, mostram que metade dos servidores estatutários
ganha cerca de R$ 3.400 por mês. Ampliando o escopo, 70% do total
recebe mensalmente até R$ 5.000.
Estes patamares estão longe de
representarem aberrações, como os provimentos de 0,06% dos servidores que
embolsam valores acima do teto constitucional de R$ 41.650 —remuneração de
ministros do Supremo Tribunal Federal.
Mesmo assim, os concursados ganham mais do
que a média dos demais brasileiros, que, ademais, não contam com a total
segurança de que seguirão empregados em ciclos de baixa na economia.
Como comparação, as novas vagas com
carteira assinada criadas neste ano, em todos os setores, têm pago menos de R$
2.000 mensais. E a média dos rendimentos dos trabalhadores (formais e
informais) não ultrapassa R$ 3.000.
Os estatutários do setor público ganham
mais do que trabalhadores no setor privado, se considerados níveis de
escolaridade equivalentes. Um servidor com ensino médio recebe, por exemplo, R$
3.273,67 ao mês. Na iniciativa privada, o salário médio é de R$ 2.185,44.
Apesar de ter alardeado a intenção de
aprovar uma reforma administrativa para atacar deformidades na área, o governo
Jair Bolsonaro (PL) não levou o plano adiante.
Por outro lado, congelou reajustes
salariais e grande parte das contratações do Executivo. Nos estados e
municípios, também conseguiu barrar reajustes em 2021, em troca de apoio
financeiro aos entes no enfrentamento da pandemia.
Do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
pouco se espera em termos de reforma do funcionalismo, com o estabelecimento de
metas, punições a servidores com baixo desempenho e a instituição de um plano
de carreira moderno, que elimine promoções simplesmente automáticas, como é a
praxe hoje.
Ao contrário, novos concursos federais já criaram 8.200 vagas, e prepara-se a abertura de mais 10 mil —perpetuando distorções no setor.
O populismo penal de Lula
O Estado de S. Paulo
Em nome da democracia, Lula propõe
punitivismo autoritário e debocha do princípio da presunção de inocência. É o
oportunismo irresponsável de sempre, que só alimenta o retrocesso
Deveria ser ponto pacífico, fora de
discussão. Os ataques e as ameaças contra o regime democrático brasileiro,
cometidos nos últimos anos e que culminaram no 8 de Janeiro, demandam especial
senso de responsabilidade de todas as autoridades. São tempos de acirramento
político-ideológico, de esgarçamento do tecido social e de profunda
incompreensão sobre o exercício das liberdades individuais. Há quem confunda,
por exemplo, liberdade de opinião com direito de agredir os outros. Tais
circunstâncias exigem maturidade, firmeza e equilíbrio de todos os Poderes. Não
é hora de atiçar os ânimos, mas de aplicar isenta e imparcialmente a lei.
No entanto, o governo Lula tem-se mostrado
alheio a esse primário dever de responsabilidade. Em vez de fortalecer a
democracia, aproveita-se das circunstâncias atuais para difundir um perigoso e
disfuncional populismo, que distorce o sistema de Justiça e ignora as garantias
constitucionais mais básicas. Eis a ironia: o governo Lula, que se diz progressista,
promove um incontestável retrocesso civilizatório.
O governo federal debocha da inteligência
alheia. Apresentado na sextafeira passada, o “Pacote da Democracia”, com
propostas de alteração da lei penal, poderia ter saído da pasta da Justiça
chefiada pelo ex-juiz Sérgio Moro. A mentalidade constante no documento
elaborado pelo governo Lula é a mesma que se viu durante todo o governo
Bolsonaro. Enxerga a criminalidade no País como consequência de uma suposta
legislação branda, que precisaria ser urgentemente enrijecida.
É desolador. No momento em que a democracia
mais precisa de proteção operativa e eficaz, o governo federal recorre a velhas
fórmulas que manifestamente têm fracassado na proteção dos bens jurídicos.
Aumento desproporcional de pena, inclusão de novos crimes hediondos e
fortalecimento dos poderes de ofício ao juiz – nada disso proporciona a
proteção prometida.
Em vez de realizar um diagnóstico sério das
causas que levaram à situação atual, o governo Lula escolheu o atalho cômodo de
apresentar respostas simplistas para questões complexas. Que ninguém se engane.
A democracia brasileira não se fortalecerá se o Congresso aprovar a tal
proposta de pena de até 40 anos para quem atentar contra a vida do presidente
da República, do vice-presidente, dos chefes do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, de ministros do Supremo Tribunal Federal e do procurador-geral da
República. O mesmo se pode dizer sobre a proposta de transformar em crimes
hediondos o homicídio e a lesão corporal gravíssima praticados dentro de
instituições de ensino. Alterada inúmeras vezes para abrigar mais e mais tipos
penais, a Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos) tem sido um caso
paradigmático de disfuncionalidade, com sua reconhecida inaptidão para reduzir
a criminalidade.
O tal “Pacote da Democracia” assusta, mas
sua resposta autoritária não é fenômeno isolado. O destempero e o desequilíbrio
têm sido constantes, por exemplo, no falatório de Lula sobre o caso envolvendo
o ministro Alexandre de Moraes em Roma. No domingo, Lula voltou ao tema. Além
de chamar de “canalha” o suposto autor de uma agressão ainda não provada, o
presidente da República que foi eleito pregando a união nacional disse que é
preciso derrotar os bolsonaristas e generalizou: “Os malucos estão na rua, ofendendo
pessoas, xingando pessoas como aconteceu esses dias com Alexandre de Moraes”.
Não se defende a democracia com agressões
ao princípio da presunção de inocência, tampouco com a criminalização
indiscriminada dos apoiadores de determinada corrente política. Essas práticas
não condizem com o Estado Democrático de Direito, sempre plural e cuja defesa
requer temperança e responsabilidade.
O Congresso tem o dever de rejeitar o
populismo penal de Lula que, sob pretexto de reduzir a criminalidade,
desequilibra ainda mais o sistema de Justiça. Afinal, Lula derrotou Jair
Bolsonaro nas urnas com a promessa de fazer diferente. Não foi para criar novas
penas de 40 anos ou para agredir opositores com discursos irresponsáveis.
A realidade fiscal bate à porta
O Estado de S. Paulo
A despeito do otimismo do governo, aumento
de receitas não se materializa e despesas continuam a aumentar. Esforço fiscal
não funcionará enquanto não houver disposição para rever gastos
O governo elevou a projeção de déficit
primário deste ano de R$ 136,2 bilhões para R$ 145,4 bilhões. Segundo o
Ministério do Planejamento, boa parte do aumento das despesas foi influenciada
por um acordo, por meio do qual a União se comprometeu a compensar Estados e
municípios pela redução de ICMS sobre combustíveis. A lei, aprovada pela Câmara
e pelo Senado às vésperas da eleição sob intensa pressão do ex-presidente Jair
Bolsonaro, gerou um ônus de R$ 4,6 bilhões ao Executivo.
Houve, por outro lado, frustração do lado
das receitas, com queda de R$ 9,3 bilhões na projeção da arrecadação
previdenciária. O resultado levou o governo a ampliar o bloqueio de despesas
discricionárias do Orçamento de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,2 bilhões para não
descumprir o teto de gastos – regra que, mesmo moribunda, continua valendo
enquanto o Legislativo não concluir a tramitação do arcabouço fiscal.
Independentemente das razões, o fato é que
a realidade tem suplantado a intenção do governo de reduzir o buraco fiscal
deste ano. Em janeiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia anunciado
o objetivo de reduzir o déficit primário de mais de R$ 230 bilhões para 1% do
Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a cerca de R$ 100 bilhões.
Para chegar a esse resultado, Haddad
contava com medidas para recuperar receitas, como o retorno do voto de minerva
do governo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e vitórias da
União em casos de disputas tributárias em tribunais superiores – o que, segundo
o ministro, poderia incrementar a arrecadação em até R$ 150 bilhões.
Já à época, muito se falou sobre o otimismo
exagerado que o governo havia manifestado com relação a essas receitas. Pois
bem: chegou-se à metade do ano sem que elas pudessem ser incorporadas
oficialmente no Orçamento. No caso do Carf, a proposta ainda está pendente de
aprovação pelo Congresso, enquanto os reflexos das decisões judiciais favoráveis
ao governo estão em vias de implementação pela Receita Federal.
As despesas, por outro lado, não apenas se
confirmaram, como têm sido elevadas. Além da compensação a Estados e
municípios, houve aumento de gastos com benefícios previdenciários e de
subvenções e subsídios. Questionado, o secretário de Orçamento Federal do
Ministério do Planejamento, Paulo Bijos, disse que a meta de déficit de 1% é
desafiadora, mas sustentou que ainda é crível. “Todo esforço está sendo
empreendido no alcance desse resultado", afirmou. “O que ainda está
incerto é o timing das medidas”, reconheceu.
De fato, a maioria das medidas com que o
governo conta para aumentar a arrecadação – como a tributação de fundos
exclusivos e de apostas eletrônicas – deve ter efeito apenas no último
trimestre do ano ou mesmo em 2024. Por outro lado, a revisão dos gastos
tributários permanece como um plano teórico ainda distante de se tornar
realidade, enquanto a necessária reoneração dos combustíveis, que poderia ter
contribuído para melhorar o resultado fiscal, serviu para compensar as perdas
do programa de incentivo à compra de veículos.
Não que isso vá gerar alguma punição. Com
as compensações do último bimestre autorizadas pela Lei de Diretrizes
Orçamentárias, o governo está autorizado a registrar um déficit de até R$ 238
bilhões neste ano. Assim, qualquer esforço adicional para reduzir esse número
tende a ser visto como um esforço adicional.
De imediato, o governo terá de lidar, nos
próximos dias, com o desgaste de divulgar as áreas a serem atingidas pelo novo
contingenciamento. No médio e longo prazos, o problema tende a se agravar,
mesmo porque o Congresso limitou o espaço que o governo tinha para bloquear as
despesas discricionárias em 25% do total.
A questão de fundo é outra. Quando nem PIB
maior e inflação menor são capazes de se refletir em aumento da arrecadação,
fica ainda mais claro que qualquer ajuste fiscal que dependa unicamente de
receitas e não altere a dinâmica dos gastos não funcionará. Isso, no entanto, é
algo que o governo não demonstra qualquer disposição para enfrentar.
Os limites do extremismo
O Estado de S. Paulo
Eleições espanholas fortalecem partidos de
centro e contêm ascensão da extrema direita
Os eleitores espanhóis surpreenderam ao respaldar
as duas legendas de centro e ao limitar a ascensão de partidos radicais na
eleição parlamentar do último dia 23. Não era essa a escolha indicada por
recentes pesquisas, que sugeriam preocupante guinada à “direita dura”. Nesse
país europeu redemocratizado há apenas 45 anos, onde ainda hoje são digeridos
os efeitos de quatro décadas de regime autocrático, o poder soberano decidiu
que a polarização não pode alcançar os extremos. O leque político-ideológico na
Espanha, disse o eleitor, não se abrirá em 180 graus.
O resultado das eleições parlamentares
refletiu o bom senso e a maturidade dos espanhóis, assim como se observou na
França no ano passado. É certo que determinou uma mudança legítima na
orientação política do governo, porém, menos acentuada e traumática. Com 122
cadeiras no Parlamento, o PSOE, do primeiro-ministro Pedro Sánchez, de
centro-esquerda, cederá o comando do gabinete de ministros ao Partido Popular
(PP), de Alberto Núñez Feijóo, de centrodireita, que conquistou 136 assentos.
Juntos, ambos os partidos receberam 64,7% dos votos, o que não ocorria desde
2016. Foram os reais vencedores.
Com a convergência ao centro, o eleitorado
impôs ao futuro primeiro-ministro a obrigatoriedade de manter diálogo fluido e
consistente com a oposição no Parlamento, dada sua presença expressiva. A
agenda do futuro governo dificilmente passará no Legislativo sem o aval e as
pinceladas do adversário no conteúdo tramitado. Tons radicais no ordenamento
legal do país tendem a ser vetados por um lado ou por outro.
Há dois meses, o eleitorado espanhol havia
surpreendido de forma preocupante. Seu voto nas eleições regionais e municipais
fortaleceu siglas radicais, sobretudo o Vox, de extrema direita. Os desgastes
dos discursos e da alternância de períodos de predomínio do PSOE e do PP foram
indicados como determinantes desse comportamento. Nas últimas semanas,
pesquisas apontaram o risco de a Espanha ter o primeiro governo da “direita
dura” desde o fim da ditadura de Francisco Franco.
O Vox, de Santiago Abascal, porém,
tornou-se o real perdedor. Sua representação na Câmara dos Deputados encolheu
de 52 cadeiras, em 2019, para 33. Legendas da extrema esquerda, em especial as
de cunho separatista, igualmente perderam terreno. O PSOE, ao contrário,
conquistou mais dois assentos e o PP saltou de 89 para 136 deputados. Os
alertas do PSOE sobre os riscos da ascensão fascista e a distância imposta pelo
PP ao Vox terão estancado a fuga de votos e fortalecido os grandes partidos de
centro.
Há dúvidas neste momento sobre a capacidade
de Feijóo formar uma coalizão majoritária de governo sem o Vox. A questão é
aritmética: faltam 40 votos, e a legenda extremista garantiria 33. Não há
razões, entretanto, para crer na condescendência do Partido Popular diante de
pressões ideológicas e faturas fisiológicas a serem cobradas pelo Vox. O
eleitor espanhol disse claramente, nas urnas, não querer os radicais de direita
no poder. A racionalidade do centro tem de prevalecer.
Mortes violentas e estupros exigem foco da
segurança
Correio Braziliense
Ao analisarmos o perfil da violência no
Brasil, os dados continuam muito preocupantes, principalmente em relação às
mulheres e crianças, por causa dos casos de feminicídios e de estupros, e aos
jovens negros e pardos, que formam o maior contingente de vítima
O número de mortes violentas intencionais
no Brasil caiu 2,4% em 2022, na comparação com 2021. São homicídios dolosos,
latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, intervenções policiais e
mortes de policiais. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública
2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados na semana passada.
Isso significa uma redução de 24 para 23,4 mortes a cada 100 mil habitantes, em
2021, para 23,4 a cada 100 mil no ano passado. Em números absolutos, as mortes
violentas foram reduzidas de 48.431, em 2021, para 47.508 em 2022 - a menor em
em 12 anos da série histórica.
É um alento, que surpreendeu positivamente
os analistas. Entretanto, ao analisarmos o perfil da violência no Brasil, os
dados continuam muito preocupantes, principalmente em relação às mulheres e
crianças, por causa dos casos de feminicídios e de estupros, e aos jovens
negros e pardos, que formam o maior contingente de vítimas. Para efeito de
comparação, o número de mortos por causas intencionais no Brasil é 4,6 vezes
maior do que o número de civis que morreram durante um ano de guerra na Ucrânia,
que somam 10.368 pessoas, segundo as autoridades ucranianas.
Sudeste (-2%), Norte (-2,7%) e Nordeste
(-4,5%) registraram queda no número de mortes. Nas regiões Sul e Centro-oeste,
o número cresceu 3,4% e 0,8%, respectivamente. Essa redução, segundo os
especialistas, seria uma espécie de acomodação da violência nos estados, depois
da explosão provocada pelo PCC e o Comando Vermelho, facções criminosas
poderosas de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente, que se expandiram
para outras regiões.
Amapá foi o estado mais violento do país em
2022, com 50,6 mortes por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média
nacional. Depois, a Bahia (47,1/100 mil) e Amazonas (38,8/100 mil). São Paulo,
com 8,4 mortes por 100 mil habitantes, Santa Catarina (9,1/100 mil) e Distrito
Federal (11,3/100 mil) têm as menores taxas de mortes intencionais. O perfil
das vítimas mostra que é preciso ajustar bem o foco das políticas de segurança
pública. O perfil étnico-racial das vítimas é a face mais brutal do racismo estrutural.
Eram negros 76,5% dos que morreram, sendo 83,1% das vítimas em intervenções
policiais.
Em média, 91,4% das mortes violentas
intencionais vitimaram homens, enquanto 8,6%, mulheres. Já em relação a óbitos
em intervenções policiais, 99,2% das vítimas eram do sexo masculino: 76,5% eram
negros, o principal grupo vitimado pela violência, independentemente da
ocorrência registrada; mas chegaram a ser 83,1% das vítimas de intervenções
policiais. Mesmo entre os latrocínios, que são os roubos seguidos de morte, a
vitimização de pessoas negras é maior do que a participação proporcional delas
na composição demográfica da população brasileira.
A morte de jovens se mantém no patamar de
metade dos casos: 50,3% das vítimas em 2022 tinham entre 12 e 29 anos. Dentre
os mortos em intervenções policiais, foram 75% das vítimas. Outra questão
alarmante são os estupros e estupros de vulnerável, a maior incidência já
registrada: 74.930 vítimas, sendo 88,7% mulheres e 11,3% homens. A taxa cresceu
8,2% e chegou a 36,9 casos a cada 100 mil habitantes. Exclusivamente os casos
estupro somaram 18.110 vítimas em 2022, um crescimento de 7% em relação ao ano
anterior. Já os casos de estupro de vulnerável, com um total de 56.820 vítimas,
teve incremento de 8,6%. Cerca de 24,2% das vítimas de estupros, em 2022, foram
homens e mulheres com mais de 14 anos, e que 75,8% eram incapazes de consentir,
fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo
(deficiência ou enfermidade).
O estupro de crianças e adolescentes, a
maioria dentro de casa, é gritante: 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e
crianças, com idade entre 0 e 4 anos; 17,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos
e 33,2% entre 10 e 13 anos (a faixa etária mais afetada pelo crime). Segundo os
dados, 61,4% das vítimas tinham no máximo 13 anos. Na maioria dos casos, os
abusadores eram conhecidos das vítimas (82,7%), e apenas 17,3% estranhos. Entre
as crianças e os adolescentes na faixa de menos de 1 ano e 13 anos de idade
vítimas de estupro, os principais autores são familiares (64,4% dos casos) e
21,6% são conhecidos da vítima, mas sem relação de parentesco.
O país gastou R$ 124 bilhões com segurança pública no ano passado e houve um aumento de 12% dos investimento dos estados e municípios. Entretanto, é necessário um estudo sobre a qualidade desses gastos, comparando-os aos indicadores de mortes e estupros. Medidas relativamente simples, de baixo custo e alto impacto, podem ter grande eficácia na redução da violência. Por exemplo, o uso inteligente e integrado de câmeras de vigilância nas cidades e estradas pelos serviços de segurança, o uso de câmeras nos veículos e uniformes de policiais militares, e o "botão do pânico" por pessoas que foram vítimas de agressões domésticas.
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