Valor Econômico
Dor e mau humor de Lula desaceleram
mudanças no ministério
Certa feita, em 1984, na campanha das
“Diretas Já”, perguntaram a Tancredo Neves, 74 anos, como ele tinha pique para
a agenda frenética que cumpria pelo país em defesa da retomada democrática.
Ele respondeu: “Eu sou movido a vitamina P,
meu filho”. Era “P” de política, lógico. O diálogo foi registrado pelo
jornalista Ricardo Kotscho em seu livro de memórias.
Em tempos de uma arrastada reforma ministerial
sob Lula 3, vale lembrar que Tancredo Neves, então um jovem deputado federal do
PSD, foi um dos protagonistas de uma dança das cadeiras promovida pelo
presidente Getúlio Vargas em 1953, num momento em que o caudilho enfrentava uma
crise, com greves, inflação em alta e cruzeiro desvalorizado.
Vargas chamou o então governador de Minas
Gerais, Juscelino Kubitschek, principal liderança do PSD, para discutir as
mudanças. Pediu a JK a indicação de um deputado mineiro para assumir o
Ministério da Educação, e veio à luz o nome de Tancredo.
Mas às vésperas do anúncio, JK voltou ao
chefe do Executivo reivindicando que o correligionário assumisse o Ministério
da Justiça. JK sabia que as articulações para a escolha do candidato à sucessão
de Vargas em 1955 passariam pela prestigiosa pasta.
Passados 70 anos desse episódio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê-se às voltas com mais uma reforma ministerial, entre tantas outras que foi obrigado a conduzir nos dois mandatos anteriores.
Suspeita-se, entretanto, que o petista deva
ingerir mais doses da “vitamina P” de Tancredo para suplantar as dores que lhe
afligem devido à artrose no fêmur direito e que comprometem o ritmo da agenda,
o seu humor, e, via de consequência, as mudanças no primeiro escalão.
Na semana passada, Lula anunciou que terá
de se submeter a uma cirurgia em outubro para resolver o problema. “Ninguém
consegue trabalhar com dor o dia inteiro”, reclamou durante uma “live” no dia
25. “Eu sinto que às vezes, estou com mau humor com meus companheiros, eu chego
para trabalhar, e quando coloco o pé no chão dói".
As páginas da história mostram que nem a
inflamação nas articulações nem a remodelação ministerial são novidade na
trajetória de Lula. Em 2003, no começo do primeiro mandato, o petista fazia
sessões de acupuntura semanais com o médico chinês Gu Hanghu, morto em 2019. O
tratamento foi tão eficaz que livrou-o da cirurgia para curar a bursite no
ombro direito.
Foi entre as sessões de agulhadas do Doutor
Gu que Lula promoveu a primeira reforma ministerial em 2004, para acomodar
novos aliados, como o MDB. Para levar Aldo Rebelo, do PCdoB, para o governo,
Lula fatiou poderes de José Dirceu na Casa Civil para criar o Ministério da
Coordenação Política e Relações Institucionais.
Em 2005, na esteira da crise do mensalão,
Lula demitiu o amigo e correligionário Olívio Dutra para oferecer o Ministério
das Cidades ao PP. Mesmo partido que tenta atrair novamente para o governo -
agora, no contexto das turbulências com o Centrão.
Passados 20 anos, sem as agulhadas do Doutor
Gu, e com chances remotas de se livrar da cirurgia no fêmur em outubro, Lula
tem demonstrado menos bom humor. Menos, ainda, para tratar da reforma
ministerial.
Mexer no primeiro escalão é uma pauta que
contraria o presidente porque implica demitir ou remanejar amigos ou aliados
próximos que nomeou para os ministérios, e queria ter ao seu lado para
governar.
É nessa conjuntura de dor e mau humor que a
reforma desacelerou. A previsão para esta semana são apenas conversas com os
presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), além da solenidade de posse do ministro do Turismo, Celso
Sabino (PA), na quinta-feira (3). Conversas com lideranças do Progressistas
(PP) e do Republicanos estão no radar, mas não foram agendadas.
A posse dos novos ministros, indicados
pelas duas legendas, ficará para 16 ou 17 de agosto, depois da nova rodada de
viagens de Lula, que começa sexta-feira (4), com retorno para Brasília somente
no dia 11 de agosto, após o lançamento da nova edição do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) no Rio de Janeiro.
Depois de ser anunciado e esperar por quase
um mês para assumir a cadeira, o ministro do Turismo, Celso Sabino, será
prestigiado com concorrida solenidade de posse no Palácio do Planalto, com a
presença de parlamentares, ministros, e do governador do Pará, Helder Barbalho
(MDB) - aliado comum de Lula e Sabino. É momento de Lula capitalizar a nomeação
de Sabino, que simboliza a adesão ao governo da maioria da bancada do União
Brasil, de 59 deputados.
Em outro aceno a Sabino, no dia seguinte à
sua posse, o novo ministro vai integrar a comitiva presidencial na viagem ao
Pará. O Estado é base eleitoral de Sabino, onde Lula tem compromissos até a
próxima semana.
A história mostra que, dificilmente, um
presidente da República escapa das pressões do Congresso para governar. Certa
feita, o mesmo Ricardo Kotscho perguntou ao então presidente Fernando Henrique
Cardoso, no segundo mandato, por que ele não dava “um murro na mesa” e
governava como quisesse, já que estava reeleito. Ouviu a seguinte resposta:
“Está maluco? Se eu fizer isso, meu governo acaba no dia seguinte.”
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