Copom deve manter diretriz técnica ao decidir sobre juros
O Globo
Perspectiva de corte na Selic abre
oportunidade para Planalto praticar o comedimento e evitar conflito
Seja qual for a decisão sobre a taxa básica
de juros (Selic) tomada na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que
começa hoje e termina amanhã, o governo precisará ser contido na reação.
Independentemente do teor do anúncio, novos ataques ao Banco Central (BC)
vindos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, não contribuirão em nada para o país. A Selic não pode ser
definida do alto de um palanque. Até aqui, o Copom tem se mantido imune a
pressões políticas. É imprescindível que continue assim. Quando se trata
de inflação,
comedimento é sempre melhor que populismo.
O encontro deste mês é aguardado com ansiedade porque, pela primeira vez desde a posse de Lula, a expectativa de quase todos os analistas é que a Selic, fixada em 13,75% desde agosto de 2022, comece enfim a cair. Os agentes econômicos se dividem entre os que apostam na queda de 0,25 ou de 0,5 ponto percentual. Diante do bom trabalho do BC para conter a espiral inflacionária, o prognóstico é que os juros fechem o ano em 12%.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA) em junho ficou em 0,08%. Com isso, a inflação acumulada em 12
meses está em 3,16%. Mesmo levando em conta que ela deverá subir no segundo
semestre, a previsão das instituições financeiras é que feche o ano em 4,84%,
muito perto do teto da meta (4,75%). Na semana passada, a prévia do IPCA para
julho (IPCA-15) confirmou a tendência. Com deflação de 0,07%, o acumulado em 12
meses ficou em 3,19%.
Tais números são, contudo, contaminados por
preços de alta volatilidade, como combustíveis, alimentos ou energia. Para
obter uma leitura mais precisa da realidade, o BC usa outra medida, conhecida
como núcleo da inflação. Ela identifica a tendência dos preços sem levar em
conta choques temporários. A média dos cinco núcleos inflacionários monitorados
pela MCM Consultores caiu de 6,72% em maio para 5,99% em junho. Em julho, com
base no IPCA-15, a queda alcançou 5,53%. É um percentual ainda alto, bem acima
do teto da meta.
Esta reunião do Copom será a primeira de
Gabriel Galípolo. Ex-secretário executivo da Fazenda, ele foi indicado pelo
governo e aprovado pelo Senado como diretor de política monetária. Na sua
chegada, houve ruído com o presidente do BC, Roberto
Campos Neto, sobre a autonomia dos integrantes do Copom para falar
com a imprensa. As diferenças entre os dois parecem ir além da política de
comunicação. Mesmo que a decisão de amanhã seja unânime, continuará a disputa
entre falcões — mais austeros — e pombos — mais tolerantes com a queda de
juros. É positivo que haja o debate entre visões antagônicas, e Galípolo
certamente é um economista qualificado para defender pontos de vista
divergentes.
O principal erro que o BC pode cometer,
contudo, é ceder às pressões populistas do Planalto. Todo o êxito da política
de combate à inflação até agora tem repousado justamente na resistência de
Campos Neto a tais pressões. O corte dos juros precisa seguir as mesmas
diretrizes técnicas que o Copom tem adotado com competência. Dentro do Copom,
entre quem entende do assunto, a discussão é positiva. Fora, só atrapalha.
Prestação de contas das eleições expõe
absurdo da PEC da Anistia
O Globo
Documentos entregues ao TSE comprovam
gastos com carros de luxo e empresas de líderes partidários
A cada prestação de contas dos partidos à
Justiça Eleitoral, fica evidente a farra cometida com dinheiro público em nome
da política. Como revelou reportagem do GLOBO, documentos entregues ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE)
mostram que legendas compraram carros de luxo para as campanhas, contrataram
frotas por valores exorbitantes e beneficiaram empresas ligadas a integrantes
dos próprios partidos. As despesas estão sob análise da Corte.
O maior gasto com aluguel de veículos foi
declarado pelo Avante, que relatou despesas de R$ 8,6 milhões com locação de
bens móveis, rubrica que abarca uso de carros e ônibus. Um único contrato
registrou o aluguel de 202 carros por R$ 1,3 milhão. O valor salta aos olhos
quando comparado ao gasto por outros partidos. PL, PT e União Brasil, as três
maiores bancadas da Câmara, gastaram juntos R$ 4 milhões no aluguel de bens
móveis, de acordo com as informações repassadas ao TSE. Os três lançaram 4.200
candidaturas, quase o quádruplo do Avante. As notas expõem também o gosto pelo
luxo. No Amapá,o DEM — partido que se fundiu com o PSL para formar o União
Brasil — declarou a compra de uma picape Nissan por R$ 269 mil. O União comprou
um Corolla por R$ 198 mil.
O compadrio permeia as despesas declaradas
ao TSE. A empresa que mais recebeu recursos do diretório do PT do Rio foi a
Click, agência de publicidade de Lenilson da Cruz, presidente da legenda em
Japeri, Baixada Fluminense. Pelos serviços de gestão das redes sociais,
monitoramento de mídia, produção de adesivos, cartazes e bandeiras, foi
contemplada com R$ 269 mil. O Republicanos de Roraima gastou R$ 120 mil com
combustível num único posto de gasolina, que tem como sócia a filha do senador
Mecias de Jesus, presidente da legenda no estado.
Por mais que as extravagâncias e
inconsistências venham a ser punidas pela Justiça Eleitoral, o castigo poderá
ser em vão. Tramita no Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que
promove a maior anistia da História recente a partidos que cometeram
irregularidades na prestação de contas ou que descumpriram as cotas
estabelecidas para mulheres e negros nas eleições. A PEC da Anistia foi
aprovada por 45 votos a 10 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara,
angariando apoio de todo o espectro partidário. No ano passado, já havia sido
aprovada outra emenda com o mesmo objetivo.
Partidos alegam que as multas da Justiça
Eleitoral inviabilizam as legendas. Ora, para não ser multado, basta não
cometer irregularidades, como usar dinheiro público para fazer churrasco,
construir piscina, comprar carros de luxo, contratar laranjas para fraudar as
cotas e outros descalabros. Os parlamentares deveriam ser os primeiros a se
preocupar com a destinação correta dos recursos dos fundos partidário e
eleitoral e com o aumento da diversidade na Casa. A PEC da Anistia precisa ser
barrada no Congresso. Com as carências que o país tem, não faz sentido dar aos
partidos licença para torrar o dinheiro do contribuinte.
Ampliação do mercado livre de energia abre
frente de debate
Valor Econômico
A pauta envolve temas como os subsídios
cruzados do setor e os erros de governos passados que jogaram a conta no bolso
do consumidor
Terminou na semana passada o prazo da
consulta pública lançada pelo Ministério das Minas e Energia (MME) que discute
as regras para a renovação das concessões das distribuidoras de energia que vão
vencer entre 2025 e 2031. Esse marco deve impulsionar o debate a respeito do
futuro do mercado brasileiro de energia uma vez que o governo federal indicou
que a abertura é inevitável. Em reunião com representantes do setor na semana
passada, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou a intenção
de elaborar uma proposta de reforma regulatória do setor elétrico em 90 dias.
A pauta na mesa envolve temas espinhosos,
como os subsídios cruzados do setor e como consertar erros de governos passados
que jogaram no bolso do consumidor a conta de manobras para reduzir os preços,
e como acabar com o paradoxo de os clientes cativos, geralmente os menores e os
residenciais, terem de arcar com os principais custos do sistema enquanto os
consumidores livres - as grandes empresas - pagam tarifas mais baixas.
A abertura total do mercado de energia está
em discussão desde 1999, quando houve a primeira adesão ao Ambiente de
Comercialização Livre (ACL). Até agora, apenas grandes empresas, com contas
acima de R$ 50 mil mensais de alta tensão, podem participar desse mercado, que
lhe permite escolher fornecedor, contrato, prazo e tipo de energia. São cerca
de 11,5 mil empresas que negociam aproximadamente R$ 160 bilhões por ano (Valor, 24/7).
Em 20 anos, o sistema permitiu a redução de
R$ 339 bilhões em gastos, sendo R$ 41 bilhões apenas em 2022. Em maio passado,
o custo da energia, um dos componentes da tarifa elétrica, foi de R$ 284 por
MWh no mercado regulado, enquanto os participantes do mercado livre pagaram 69%
menos, R$ 89 por MWh. Em volume, o grupo representa perto de 40% do mercado e
apenas 0,04% dos consumidores.
A partir de 1º de janeiro de 2024, todas as
empresas ligadas à alta tensão, com contas de pelo menos R$ 5 mil por mês, poderão
entrar nesse grupo privilegiado. O grupo inclui a maior parte do comércio de
grande porte e da indústria de médio e grande porte. Como resultado, o ambiente
de livre comercialização deverá receber mais de 70 mil a 100 mil empresas,
estima a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O mercado livre
saltará dos atuais 37,5% para 59% no total de contratação de energia em dois
anos.
Os clientes residenciais, a maioria dos
cerca de 90 milhões de consumidores de energia, conectados à baixa tensão,
terão de esperar até pelo menos 2028 para terem acesso ao mercado livre. Isso
se prevalecer o Projeto de Lei 414/2021, aprovado no Senado e em fase de
recebimento de emendas na Câmara, que trata do acesso da baixa tensão ao
mercado livre, mas cuja tramitação não tem um calendário definido e pode ser
revisto pelo MME. O calendário do projeto de lei coincide com outro do
Ministério de Minas e Energia, que define que os 6,4 milhões de consumidores de
baixa tensão do comércio e da indústria tenham acesso ao mercado livre somente
em 2026; e os 62,9 milhões de residências apenas em 2028.
Estudo da Associação Brasileira dos
Comercializadores de Energia (Abraceel) detalhado pelo Valor (24/7) estima que
mais de 5 milhões de consumidores de baixa renda economizariam de 7,5% a 10% na
conta de luz se tivessem acesso ao mercado livre de energia. Levando em
consideração o total de 14 milhões de unidades de consumo desse segmento a
economia seria de R$ 880,9 milhões anuais.
Há uma preocupação especial com a situação
das distribuidoras, que mantêm contratos de longo prazo no modelo antigo. O
atual modelo, de 2004, fixa que os geradores ofertam para distribuidoras
contratos de longo prazo, de 25 a 35 anos. São os chamados contratos legados.
Alguns vão até 2054. Exatamente nesse período de transição, entre 2025 e 2031,
vão vencer os contratos de concessão de 20 das 53 grandes distribuidoras que
atendem a cerca de 60% do país.
Até agora, o mercado cativo, no qual estão
os consumidores residenciais, é que cobre em boa parte os subsídios da Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE), no montante de R$ 36 bilhões neste ano, que
favorecem, entre outros beneficiados, a geração distribuída (principalmente
energia solar), cooperativas, compra de carvão e, sobretudo, o item conta de
consumo de combustíveis, voltado para a compra de óleo combustível para
sistemas isolados. Esse é um dos fatores que encarece a conta dos cativos.
No entanto, há indicações que os consumidores residenciais não deverão gozar dos mesmos níveis de redução de preço da energia experimentado pelos grandes consumidores. O PL objetiva que a migração se dê de “forma sustentável” para as distribuidoras, ou seja, que não acarrete perdas para elas. A intenção é evitar que quem saia do mercado cativo deixe o prejuízo para quem fica, como tem acontecido até agora. Já se fala em ratear o ônus entre participantes dos dois mercados, o que, no limite, acabaria com a vantagem tarifária. Esse é mais um motivo para que a transição de modelos seja feita com cautela.
Vanguarda do atraso
Folha de S. Paulo
Lula quer reeditar crédito a empresas que
gerou calote de US$ 1,1 bi no BNDES
Longe dos holofotes mais potentes de
Brasília, órgãos importantes do governo federal com sedes no Rio de Janeiro vão
se convertendo em bunkers da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para
abrigar ideias econômicas emboloradas ou equivocadas, numa espécie de vanguarda
do atraso carioca.
Na semana passada, anunciou-se a
indicação do economista Marcio Pochmann para o comando do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística. Para ele, as reformas previdenciária e
trabalhista são uma regressão e o Pix, uma estratégia "neocolonial"
contra o Brasil.
A Petrobras também acaba de proclamar que
dará preferência à indústria naval brasileira, reeditando política dos governos
petistas que acabou interrompida por escândalos de superfaturamento.
Agora, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, sob a batuta de outro petista histórico, Aloizio
Mercadante, quer
ressuscitar créditos à exportação para serviços de engenharia de empresas
brasileiras.
Nessas operações, o BNDES desembolsa
recursos em reais para financiar companhias nacionais que vendem seus serviços
(geralmente grandes obras) a países estrangeiros. Estes, por sua vez, assumem o
compromisso de devolverem os empréstimos depois —com juros, pagando em dólar ou
euro.
O programa existe desde 1998 e já somou US$
10,5 bilhões (R$ 50 bilhões). Mas foi nos governos Lula 2 e Dilma Rousseff que
ganhou envergadura, com 88% dos desembolsos concentrados entre 2007 e 2015.
No período, o expediente ajudou a injetar
bilhões de reais nas cinco maiores empreiteiras brasileiras, que receberam 98%
dos financiamentos. Mais tarde, elas acabariam apanhadas na Operação Lava Jato,
acusadas de financiar campanhas petistas e de outros partidos —o que acabou
levando à suspensão do programa em 2016.
O mais grave, no entanto, é que o PT usou
empréstimos de um banco público para agradar líderes de ditaduras acusadas de
violar sistematicamente direitos humanos, como os de Venezuela e Cuba, com os
quais se alinha ideologicamente.
Como se isso não bastasse, os dois países
deram calote no BNDES: US$ 722 milhões pelo metrô de Caracas e uma siderúrgica;
e US$ 250 milhões pelo porto cubano de Mariel. Houve inadimplência também de
Moçambique, elevando o total devido pela trinca a US$ 1,09 bilhão —valor que
tende a aumentar, pois há mais US$ 518 milhões em vias de vencimento.
O BNDES sustenta que, desta vez, as regras
para os créditos serão avaliadas com o Tribunal de Contas da União e
apresentadas como projeto de lei ao Congresso. A basear-se na experiência
pregressa e na atual situação fiscal, o melhor que os parlamentares podem fazer
é simplesmente derrubar a ideia toda.
Brutalidade policial
Folha de S. Paulo
Gestão paulista precisa investigar excessos
em ação com cerca de 10 mortes
Algo vai muito mal quando cerca de uma dezena de
pessoas são mortas durante uma operação policial e o governador do estado diz
que "não houve excesso". O comentário de Tarcísio de
Freitas (Republicanos) sobre ação perpetrada no último fim de semana no litoral
paulista expõe uma visão nefasta do papel das polícias e sobre eficiência em
política pública.
Na quinta (27), Patrick Bastos Reis,
soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), foi assassinado a tiros
enquanto realizava patrulha de rotina em Guarujá.
Por óbvio, o crime comoveu as forças
policiais. Contudo, o Estado detém o monopólio do uso da força legítima
justamente para agir com razão e técnica, evitando excessos e infrações de
direitos.
Mas não foi o que se viu no litoral do
estado. A megaoperação pela busca do suspeito do crime causou 8 mortes, segundo
o governo (e no mínimo 10, segundo a Ouvidoria das Polícias). Moradores
denunciam casos de tortura e ameaças. De acordo com Tarcísio, os
relatos "não passam de narrativa".
O suspeito se entregou numa delegacia em
Guarujá no domingo (30) e nega a autoria do homicídio.
Apesar de evitar radicalismos, é inegável o
vínculo do governador com a bandeira ideológica e corporativista de Jair
Bolsonaro (PL) na área da segurança, como mostram suas declarações, e de sua
equipe, sobre o episódio no litoral.
Seria melhor se o governador mantivesse uma
postura pragmática, com foco em gestão. Afinal, há muito trabalho a ser feito.
Entre janeiro e julho deste ano, os casos
de estupros no estado tiveram alta de 15,5%
em relação ao mesmo período de 2022, com 7.089 —maior número da
série histórica iniciada em 2001. Na capital, a alta foi de 26%. Os furtos
cresceram 2,8% no estado e 6,9% na capital.
Há que esclarecer, ainda, os dados sobre
extorsão mediante sequestro, ocultados da plataforma da Secretaria de Segurança
Pública.
Ademais, até agora não há medidas
integradas para a cracolândia, que gera distúrbios para comerciantes e
moradores do centro, região com alta na criminalidade.
O Ministério Público paulista abrirá investigação para apurar excesso de força policial em Guarujá. O governo do estado deveria seguir o exemplo, acionando corregedorias, em vez de considerar como sucesso uma ação do poder público que elimina vidas.
Crianças como protagonistas
O Estado de S. Paulo
Agosto agora é o Mês da Primeira Infância.
Porém, para que frutifique, a atenção às crianças entre zero e 6 anos precisa
ir muito além de um marco simbólico no calendário nacional
Recentemente, o Congresso aprovou a Lei n.º
14.617/2023, que torna agosto o Mês da Primeira Infância no Brasil. O objetivo
da lei, sancionada pelo presidente Lula da Silva no dia 10 passado, é
nobilíssimo: criar um marco no calendário nacional para chamar a atenção para a
importância dos cuidados multidisciplinares que devem ser dispensados às
crianças entre zero e 6 anos.
Em que pese o inequívoco acerto dos Poderes
Executivo e Legislativo em lançar luz sobre a questão, o zelo com a primeira
infância, para que frutifique, deve extrapolar o campo simbólico. Este jornal,
não é de hoje, clama por ações mais bem planejadas e implementadas no sentido
de dar a devida atenção às crianças, que historicamente têm sido relegadas às
últimas posições no rol de prioridades do País.
É desumano que as crianças, em particular
as mais vulneráveis social e economicamente, sigam sendo desrespeitadas por um
Estado negligente, como se não fossem titulares de direitos assegurados pelas
leis e pela Constituição. Seus interesses têm sido olimpicamente ignorados, ano
após ano, década após década, apenas porque essas crianças não votam. Quando é
que governo e sociedade vão acordar para o fato incontestável de que o
desenvolvimento individual durante a primeira infância é o principal – se não o
único – caminho para o progresso do País?
Graças aos avanços científicos, é sabido
que os primeiros anos de vida são cruciais para a evolução cognitiva, emocional
e social de uma criança. Investimentos nessa fase da vida, sobretudo em saúde e
educação, resultam em benefícios significativos a longo prazo – e não apenas
para as crianças e suas famílias, como também para o País. “Se não resolvermos
o problema da primeira infância, não conseguiremos solucionar outros”, disse ao
jornal Valor o economista Naercio Menezes, há anos dedicado à pesquisa na área
de educação.
De fato, não faltam estudos que comprovam a
relação direta entre a atenção que os países dão às suas crianças na primeira
infância e seu grau de desenvolvimento econômico e social. Ou seja, além de ser
uma obrigação moral para qualquer país decente, cuidar da saúde física e
emocional das crianças, além, é óbvio, de garantir a todas elas o acesso à
educação básica de qualidade, pode se revelar um investimento extremamente
recompensador. Como lembrou Menezes, citando os estudos conduzidos pelo
economista James Heckman, estima-se que cada dólar que um país investe na
primeira infância pode representar um ganho de até US$ 7 no futuro.
A compreensão do impacto financeiro do
investimento na primeira infância é muito importante, não resta dúvida. Mas o
Brasil precisa dar um passo anterior: pensar na adoção de políticas públicas em
áreas-chave para o desenvolvimento das crianças que sejam reconhecidamente
bem-sucedidas. Já defendemos nesta página que o País estabeleça um plano de
ação bem estruturado voltado à educação básica, tratando-o como prioridade nacional
(ver editorial Não há saída fora da educação pública, 2/6/2023). O País não
carece de recursos nem de profissionais ou bons projetos para o desenvolvimento
da primeira infância. O diagnóstico está feito. Falta ação concreta e
mensurável.
Além de seus evidentes impactos no
desenvolvimento individual das crianças, projetos voltados à primeira infância
têm profundos reflexos macroeconômicos. Afinal, crianças bem cuidadas e
educadas tendem a se tornar adultos mais produtivos. Esse investimento,
portanto, é fundamental para reduzir um estado de desigualdade obscena que, a
um só tempo, marca a trajetória de formação desta Nação e obnubila olhares mais
otimistas sobre o futuro. Outro ponto a ser considerado é que dar atenção à
primeira infância é também, e sobretudo, dar apoio às famílias em que elas
crescem.
Anualmente, nascem cerca de 2,6 milhões de
brasileiros. Cada nascimento representa bem mais que o início de uma vida. A
chegada desses pequenos novos cidadãos renova a esperança por um Brasil mais
próspero, justo e seguro. Transformar crianças vulneráveis em adultos dignos,
felizes e independentes é construir uma sociedade cada vez mais fraterna.
A angustiante espera por hemodiálise
O Estado de S. Paulo
Milhares de cidadãos sofrem com a falta de
vagas em centros de hemodiálise conveniados ao SUS. Estado tem o dever de dar
atenção a isso por imperativos constitucionais e humanitários
A sociedade deve se orgulhar da posição do
Brasil como segundo maior realizador de transplantes de órgãos do mundo, atrás
somente dos Estados Unidos. Ainda mais porque cerca de 90% dessas cirurgias,
nada menos, são realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma integral
e gratuita. No entanto, é fundamental que esse mesmo Brasil, que há muitos anos
é tido como referência internacional em transplantes de órgãos por meio de sua
rede pública de saúde, seja capaz, também, de dar aos pacientes que aguardam
ansiosos por essas intervenções a chance de chegar vivos ao centro cirúrgico.
A situação é particularmente dramática para
os doentes renais crônicos, ou seja, os indivíduos que precisam realizar
sessões regulares de hemodiálise enquanto aguardam um transplante renal. De
acordo com dados das Secretarias Estaduais da Saúde, compilados pelo Jornal
Nacional, falta cerca de 1,5 mil vagas nos centros de hemodiálise conveniados
ao SUS. O problema, classificado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)
como uma “grave crise humanitária”, faz com que a espera angustiante por um
leito para sessões ambulatoriais de hemodiálise signifique vida ou morte para
milhares de brasileiros.
Não falta ao País capacidade
técnicofinanceira para cuidar dos cidadãos que necessitam de algum tipo de
transplante de órgãos, ou o Brasil não seria o paradigma internacional que é nessa
seara. No que concerne ao atendimento dos doentes renais, há profissionais
extremamente qualificados e cerca de 850 centros de hemodiálise em âmbito
nacional. Porém, em alguns desses centros há leitos desabilitados por falta de
manutenção dos equipamentos ou por incapacidade financeira para expansão de
vagas, haja vista que havia muito não se fazia reajuste da tabela de
remuneração dessas clínicas especializadas pelo SUS, o que torna sua operação
inviável do ponto de vista econômico.
No dia 30 de junho, o Ministério da Saúde
editou uma portaria reajustando de forma escalonada o valor do serviço de
hemodiálise pago pelo SUS, que passou de R$ 218,47 por sessão para R$ 229,40,
em julho, e R$ 240,97, a partir de setembro. Sem dúvida é um avanço, considerando
que, como muitos outros, esse é um serviço essencial cronicamente
subfinanciado. Contudo, especialistas do setor calculam que o valor adequado
para manter uma vaga de hemodiálise ativa no País seja de, aproximadamente, R$
285,00, cerca de 18% acima do valor que passará a ser pago pelo SUS às clínicas
conveniadas em setembro.
O governo federal, por meio do Ministério
da Saúde, e o Congresso têm o dever de enfrentar urgentemente essa grave crise
humanitária, como bem a classificou a SBN. Afinal, é a vida de milhares de
brasileiros que está em jogo. É imperativo que os dois Poderes se unam para
garantir que os recursos necessários sejam alocados adequadamente, a fim de
fornecer acesso imediato e adequado à hemodiálise para todos os cidadãos que
necessitam desse tipo de atendimento médico no País. Eis aí uma primeira
oportunidade para a recémcriada Frente Parlamentar da Nefrologia, que conta com
mais de 200 parlamentares só na Câmara dos Deputados, mostrar a que veio.
Há razões de sobra para o País celebrar suas
conquistas na área de transplante de órgãos, mas as realizações nem de longe
podem ofuscar os desafios que ainda têm de ser enfrentados. Urge, portanto,
encontrar meios de investir na ampliação da capacidade de atendimento dos
centros de hemodiálise na rede pública, mas não só. A pandemia de covid-19
comprometeu severamente o processo de doação e captação de rins, entre outros
órgãos, o que elevou o tempo de espera por um transplante renal.
Consequentemente, mais pessoas ocupam vagas de centros de hemodiálise por mais
tempo, obstando a entrada de novos pacientes. Uma campanha governamental de
incentivo à doação de órgãos decerto ajudará a retomar o patamar de doações aos
níveis pré-pandemia.
Por fim, cabe lembrar que a saúde, como
determina a Constituição, é um direito de todos e dever do Estado. É hora,
pois, de o Estado brasileiro honrar esse imperativo constitucional e
humanitário.
Putin vai à África
O Estado de S. Paulo
Ditador russo tenta mostrar que não está
isolado, mas países africanos são reticentes
Quando a invasão da Ucrânia completou um
ano, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, se vangloriou:
“Os planos do Ocidente para isolar a Rússia cercando-nos com um cordão
sanitário foram um fiasco. Estamos fortalecendo boas relações de vizinhança
(...) com a maioria internacional”. Com efeito, apesar das sanções, o
desempenho da economia russa tem surpreendido. No entanto, as “relações de
vizinhança” russas são hoje bem menores e mais ambivalentes. A recente cúpula
organizada pelo Kremlin em São Petersburgo com países africanos ilustra esse
estado de coisas.
As estratégias de Vladimir Putin para
seduzir o “Sul Global” são variadas. Na América Latina e Oriente Médio sua
propaganda insufla ressentimentos antiamericanos. Na África, em particular,
Putin tenta comprar apoio com recursos naturais e armas. Mas os resultados têm
sido limitados. Dos 54 países africanos, 19 apoiaram a Ucrânia nas deliberações
sobre a guerra na Assembleia-Geral da ONU e só 2 apoiaram a Rússia; os demais
se abstiveram.
Há mais de uma década a Rússia é o maior
fornecedor de armas para a África e é um parceiro importante para regimes
autoritários que buscam se manter no poder, alguns com o apoio dos mercenários
russos do Grupo Wagner. Favores estabelecidos com elites locais à época da
União Soviética também contam para a simpatia de alguns países. A propaganda
antiocidental é particularmente efetiva em ex-colônias francesas. De resto,
Moscou vem canalizando grãos para Estados amistosos. Economicamente, no
entanto, a Rússia é pequena na África em comparação com os EUA ou a Europa.
A cúpula deveria mostrar força diplomática,
mas, como outras iniciativas de Putin, ela expôs suas fraquezas. Na cúpula
precedente, em 2019, participaram 43 chefes de Estado africanos. Agora, foram só
21. Parte dessa baixa reflete a retirada da Rússia da iniciativa acordada com a
Ucrânia para liberar a exportação de grãos no Mar Negro, o que agravará a fome
e a inflação na África.
Em reunião com jornalistas africanos, o
presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, comparou a guerra às lutas
anticoloniais na África e advertiu que as exportações de grãos replicam a
estratégia de usar petróleo e gás na Europa para criar dependência política.
Essa situação ambivalente sugere que o
Ocidente também precisa diversificar suas estratégias para robustecer o “cordão
sanitário” desprezado por Lavrov. Sanções voltadas a reprimir o comércio de
bens não militares com os países em desenvolvimento impactam suas populações e
tendem a excitar antipatias. No caso da África, em especial, seria importante
auxiliar as forças regionais de segurança para dissuadi-las de apelar à Rússia.
De resto, é preciso desmascarar a propaganda russa, em termos similares ao de
Zelenski.
Em relações exteriores não há amizades, só interesses. Quando se trata da Rússia, esses interesses tendem a ser manietados para criar relações de vassalagem. A resposta ambígua dos africanos ao convite de Putin mostra que eles estão cada vez mais alertas para esse risco.
Congresso precisa desarmar a bomba fiscal
Correio Braziliense
As expectativas para a economia são
promissoras, mas também estão associadas à aprovação da reforma tributária e do
novo arcabouço fiscal
O Congresso retoma suas atividades nesta
semana com duas matérias prioritárias na ordem do dia: a reforma tributária,
que será examinada pelo Senado, e o novo arcabouço fiscal, que volta à Câmara
para apreciação de emendas feitas pelos senadores. Sem essas medidas, a
economia será prisioneira do seu próprio passado, porque a PEC da Transição
aumentou o deficit fiscal e a regra que continua valendo é a do antigo Teto de
Gastos. As expectativas para a economia são promissoras, mas também estão
associadas à aprovação dessas mudanças. Sem reformas, a tendência é a taxa de
juros ser mantida num patamar muito alto pelo Banco Central.
Neste semestre, o governo Lula foi
beneficiado pela "pedalada fiscal" que herdou do governo Bolsonaro.
Entretanto, isso gerou uma armadilha: os precatórios que não foram pagos pelo
ex-ministro da Fazenda Paulo Guedes. Serviram para uma grande maquiagem na
dívida pública. Em 2022, nas contas do Tesouro, o calote dos precatórios e das
requisições de pequeno valor (RPV) chegou a R$ 142 bilhões (1,4% do PIB) e pode
chegar a R$ 200 bilhões, em 2026. É uma bola de neve.
Mesmo assim, são números controversos. A
Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, em 2021, avaliava que
dívida com precatórios poderia chegar, em 2026, a R$ 420,9 bilhões, em um
cenário otimista, ou a R$ 744,1 bilhões, em um cenário mais pessimista. A
redução da inflação também tem impacto na gestão do déficit público, ainda mais
quando a taxa de juros se mantem nos mesmos patamares.
O mercado está otimista com os indicadores
de curto prazo mais positivos e a expectativa de aprovação da reforma
tributária e do arcabouço fiscal, mas teme os o seus jabutis, que precisam ser
expurgados do texto final, para evitar que percam a eficácia necessária.
Na semana passada, a notícia boa para o
governo veio da Fitch, a segunda agência de risco norte-americana, que melhorou
a perspectiva da nota do Brasil pela primeira vez desde 2019. Ao elevar rating
da dívida de longo prazo em moeda estrangeira do Brasil em um degrau, de BB-
para BB, com perspectiva estável, a Fitch animou o mercado, que aposta numa
redução imediata da taxa básica de juros (Selic), de 13,75% ao ano, em 0,50
ponto percentual, para 13,25% na próxima reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom), nesta semana.
Fatores externos, porém, podem influenciar
o cenário: a alta do preço do barril de petróleo no mercado internacional, que
está sendo absorvida pela Petrobras, porém em algum momento os preços de
combustíveis terão que saber realinhar pela estatal brasileira, e a crise de
abastecimento do trigo, com o bloqueio das exportações ucranianas pela Rússia.
Diante dessa situação, é preciso que todos
façam o dever de casa: o governo precisa contingenciar os gastos, como foi
anunciado; e o Congresso, aprovar o texto final do novo arcabouço fiscal, na
Câmara, e da reforma tributária, em tramitação no Senado.
Nesse aspecto, as negociações entre o presidente Lula e os líderes do Centrão, para incorporação do PP e do PR à base do governo, com ocupação efetiva de espaços na Esplanada dos Ministérios, podem realmente garantir mais governabilidade, mas precisam aumentar a blindagem da política econômica. Ou seja, esses partidos precisam demonstrar responsabilidade com o equilibrio fiscal. Se pressionarem para o governo aumentar o deficit fiscal, com adoção de medidas populistas, a emenda será pior do que o soneto.
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