O Globo
O quarto maior evento do Rio ficou mais
cheio do que nunca, e mostrou que a profecia do fim do livro físico não faz
sentido
A Bienal do Rio é o quarto
maior evento do Rio de Janeiro. Perde apenas para o réveillon,
carnaval e Rock in Rio. É um fenômeno que o quarto maior evento da cidade seja
em torno do livro. Andar pelos corredores do Riocentro entre os estandes nos
últimos dias foi um desafio. Estive lá na terça, 5, e na quinta, 7. Era uma
mistura de pessoas de todas as idades. Na terça me vi várias vezes cercada de
estudantes do Fundamental; na quinta, encontrei um senhor de 96 anos numa fila
de autógrafos. Tudo era impressionante. Hoje termina a quadragésima edição da
Bienal e, ao todo, mais de 600 mil pessoas passaram por lá.
Na opinião de Marcos da Veiga Pereira, integrante da diretoria do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, SNEL, o sucesso é resultado de um esforço coletivo.
– As editoras investem em estandes, os
curadores fazem trabalho cuidadoso, os autores abraçam o evento, a prefeitura
vestiu a cidade de Bienal, a Secretaria Municipal de Educação levou estudantes,
professores, diretores das escolas. Os corredores, estandes, auditórios estão
cheios de leitores. O desafio é andar dentro da Bienal.
Tatiana Zaccaro, diretora da GL events,
organizadora junto com o SNEL, disse que essa foi a maior Bienal de todos os
tempos em termos de área, participação de editoras, de público e de vendas.
A indústria de livros tem enfrentado
dificuldades pelas crises do país e por mudanças no mercado editorial, mas a
pandemia elevou as vendas. Em 2021, houve aumento de 35,8% em exemplares
vendidos e 31,1% em valor. Em 2022, o mercado cresceu apenas 3% em volume, e
11,6% em valor, segundo o Painel de Varejo de Livros da Nielsen. O preço do
livro subiu pela pressão dos custos. O papel teve alta forte. Os editores
reclamam do monopólio da Suzano. O preço do papel de miolo tipo pólen bold
subiu 70,26% entre 2020 e 2023. A oferta de produtos foi reduzida e a qualidade
piorou. Além disso, o mercado viu as duas maiores livrarias quebrarem, a
Cultura e a Saraiva, e acabar o modelo da mega-store com 100 mil títulos. Hoje
são lojas menores, com 30 mil ou 50 mil títulos. A Leitura é a maior do país.
Até sexta-feira, a Record acumulava um
crescimento do faturamento de 124% em relação à Bienal do Rio de 2021 e de 62%
em relação à Bienal de São Paulo de 2022. Às cinco da tarde da quinta-feira, a
Globo Livros comemorou ter batido as vendas totais da edição de São Paulo. A
Intrínseca superou todos os recordes se comparado cada dia em relação ao mesmo
dia das últimas edições do Rio e de São Paulo. A expressão “recorde histórico”
foi a que eu mais ouvi das editoras. No dia 7 de setembro, a Rocco bateu o
valor de vendas num único dia da história de bienais. A Sextante no primeiro
fim de semana vendeu 100% mais do que a última Bienal do Rio. A Cortez Editora,
na sexta-feira, estava já com 40% a mais. A Máquina de Livros teve alta de 120%
nas vendas em relação a 2021. Quem foi lá não duvida.
Os estudantes da rede municipal ganharam
vouchers para a compra de livros, que podiam usar na ida das escolas. Elas
compareceram em massa. As crianças ficavam andando em turma de estande em
estande. Havia um espaço infantil com atrações para esse público. A Secretaria
Municipal de Educação montou um ambiente, com arquibancadas, para a interação
entre autores e os estudantes.
– O livro depende do desenvolvimento do
hábito de leitura na sala de aula, e isso foi completamente abandonado no
governo anterior. O país precisa agora de um programa sério de leituras nas
escolas e para a formação de professores que estimulem o hábito de leitura –
afirmou Marcos Pereira.
Quem dizia anos atrás que o livro físico
iria acabar precisa rever seus cálculos. Hoje o livro digital no Brasil tem 8%
do mercado. Nos Estados Unidos, está em 25%, mas dentro desse total estão
também os audiobooks, que crescem mais que o livro digital.
Perguntei ao escritor português, Valter
Hugo Mãe, sobre a profecia do fim do livro físico. Ele não acredita nela.
– Não tem como acabar. Países como a Suécia, que digitalizaram o ensino, tiveram que recuar porque as crianças estavam com problema de retenção. A memória visual, que faz o leitor lembrar o local onde leu – na página da esquerda, acima, ou abaixo – isso ajuda a retenção da informação. Tão cedo não vai acabar o livro físico. Se acabar estaremos diante do fim de um paradigma de qualificação do conhecimento humano.
Um comentário:
Livros à mancheias.
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