domingo, 10 de setembro de 2023

Vinicius Torres Freire - O bom discurso de Lula no G20 e a falta de pragmatismo e urgência do Brasil

Folha de S. Paulo

Presidente falou bem, mas país não tem política urgente de integração com o mundo

Luiz Inácio Lula da Silva fez um bom discurso sobre ambiente nesta cúpula do G20, na Índia. Basicamente bom porque óbvio e direto ao ponto que interessava.

O presidente disse que o mundo rico deve pagar a conta da redução de danos do desastre climático. O "Norte Global" é responsável em grande parte pela degradação do planeta. Mais do que justo, inevitável: não há alternativa maior para lidar com o problema, a não ser que sobreviesse uma revolução milagrosa no modo de produzir e consumir energia, comida e materiais.

Sim, tudo óbvio. De interessante é que essa conversa ambiental, além de dramaticamente necessária, pode render algum ganho prático, embora ainda remoto. Talvez aumente a relevância política deste país. É também um plano que diminui a chance de o Brasil se tornar apêndice da política da China ou de gastar esforços em quimeras como desbancar o dólar ou o poder do EUA, inviável a médio prazo ou até muitos de nós estarmos mortos, se é que tem relevância prática.

O discurso é pouco. Seria necessário ter mais ambição e competência na "transição verde" a fim de bancarmos essa desejada posição de líder ambiental. Isso exige também derrotar as forças políticas e econômicas domésticas que pregam a destruição, integrantes do partido golpista de 2018-22.

É preciso saber o que fazer da ambiguidade de sermos um país modicamente petrolífero (com chance de ir além disso) e que pretende avançar na "transição verde".

Talvez seja possível conciliar os dois projetos, a médio prazo, mas não há debate sistemático sobre o tema. Vide a discussão imediatista e politiqueira da exploração de petróleo nos mares do Norte do país (inclusive ao norte de Amazonas e Pará). Vide a dificuldade de planejar e financiar a recuperação de áreas devastadas. De disciplinar agropecuaristas ou, pior, o garimpo.

Considere-se como ainda é difundida a ideia de trucidar indígenas e devastar a terra deles. Vide a dificuldade de integrarmos um plano de longo prazo de "transição verde" tecnológica com estabilização econômica, ainda muito malparada. Temos problemas rudimentares tais como dívida pública, subsídios, custo de financiamento ou como fazer o Estado entrar nesse projeto "verde" sem produzir intervenções desastrosas.

Por falar em ambições, a cada vez que se analisam essas tantas "cúpulas", conviria pensar no nosso jardim. Ou melhor, quintal dos fundos meio arruinado, o Mercosul.

Foi uma ideia boa de meados dos anos 1980, que teve algum progresso nos anos 1990. Empacou de vez neste século por causa de protecionismos, da ascensão da China e do renovado compromisso argentino de acabar com o país, ainda mais firme do que o nosso. Morreu a ideia de mercado comum (livre circulação de mercadorias, capitais e trabalhadores). Mesmo o plano de união aduaneira (tarifa externa comum e livre-comércio no bloco) atolou.

O Mercosul até perdeu menos espaço nas exportações brasileiras do que EUA e Europa (neste século, até a epidemia), lugar ocupado mais e mais pela China.

Mas o bloco não vai a lugar algum. Essa conversa de moeda comum, única, "merdólar", o que seja, é perfumaria. Se não tem nem mercado comum, que dirá projeto de integração de política macroeconômica.

Por falar nisso, os vizinhos não têm nem moeda (ou têm várias) ou mercado de dívida doméstico. Há risco de um lunático que discute política com seus cachorros mortos chegar ao poder e jogar a Argentina em colapso ainda maior ou de até dolarizar oficialmente o país (adeus, "Sul Regional").

Aliás, afora o atoleiro do Mercosul, não temos projeto de integração econômica com o mundo, prático e urgente. Sem isso, bons discursos não vão fazer muito efeito.

 

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