domingo, 10 de setembro de 2023

J. B. Pontes* - O desperdício de recursos públicos

Estivemos recentemente numa pequena cidade do interior do Estado do Ceará, situada em pleno sertão, onde está sendo aportada parte dos milhões de reais dos cofres públicos disponibilizados aos parlamentares do Centrão.

Ali a população está em êxtase, considerando os parlamentares patronos desses recursos públicos como verdadeiros heróis. Mesmo a parcela mais esclarecida, que tem consciência dos mecanismos que estão sendo usados pelos integrantes do Centrão para apoderar-se desses recursos, os considera apenas como muitos espertos. Alguns chegam a dizer que não importa quais os meios usados para a chegada de toda essa grana, mas sim que ela está chegando lá...

É a prática da filosofia do “levar vantagem em tudo”, mesmo sabendo que isso prejudica os interesses de outros municípios. Há registro, por exemplo, de município com menos de 10 mil habitantes que foi contemplado com 2 ou mais caminhões compactadores de lixo, enquanto o município vizinho com mais de 20 mil habitantes não tem nenhum.

Como os recursos estão sendo aplicados? Eles estão sendo usados para atender as reais necessidades da coletividade? As obras que estão sendo realizadas são priorizadas por meio de um planejamento de desenvolvimento socioeconômico do município, considerando as zonas urbana e rural? Nada disso é levado em consideração.

A aplicação desses recursos deve atender apenas a dois parâmetros: visibilidade política dos governantes locais; e possibilidade de retorno de parte dos recursos para os bolsos dele próprios. Em síntese, as obras/serviços são selecionadas sem nenhum critério técnico, visando atender unicamente aos interesses eleitoreiros dos políticos que estão no comando dos municípios e, notadamente, dos parlamentares patronos dos recursos.

O que a população não percebe é que:

1. Os recursos são públicos, quer dizer, de todos nós e não deles. São a eles disponibilizados para serem empregados em obras que atendam às reais demandas e necessidades da população local;

2. Para ter oportunidade de apoderar-se de parte desses recursos, os políticos precisam aplicá-los em alguma obra/serviço, os quais estão sendo selecionados sem nenhum critério técnico. O objetivo principal é que seja garantido o repasse de boa parte dos recursos, sob forma de propina, para os bolsos deles;

3. As licitações são fraudadas, direcionadas para empresas sob controle dos políticos, registradas em nome de laranjas e com preços superdimensionados. Ao que tudo indica, os órgãos de fiscalização e controle não estão atuando, ou não têm condições de atuar, para evitar essa malversação de recursos públicos;

4. Os contratos são elaborados de forma a permitir a subcontratação das obras/serviços, de forma a facilitar o repasse e criar dificuldades para identificação do destinatário da propina;

5. A seleção das obras/serviços quase sempre é feita de acordo com o interesse de empresas que facilitam e garantam o repasse da propina. Assim, se essa empresa é da área de pavimentação de rodovias, as obras de asfaltamento passam a ser priorizadas; e

6. Na região do semi-árido chegam a colocar capa asfáltica sobre pavimentos de paralelepípedo existentes há décadas nas ruas centrais das cidades e em boas condições. Em função das altas temperaturas locais e da péssima qualidade dos serviços, essa fina capa asfáltica acaba se derretendo. Além disso, ela contribui para a impermeabilização do solo, aumento da temperatura e diminuição da umidade do ar, fatos que eram mitigados pelos pavimentos de pedra. O desperdício desses recursos é de todo lastimável. No final, quando os recursos forem canalizados para outros locais, as verdadeiras demandas e necessidades dessas comunidades continuarão sem atendimento.

Restarão apenas uns poucos ricos e poderosos, a pobreza de sempre e uma população corrompida.

*Geólogo, advogado e escritor


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