O Globo
Muitos eleitores não se dão conta de que seus votos não têm o mesmo peso nas eleições para a Câmara dos Deputados
A ideia de que numa democracia o voto de
todos os cidadãos deve ter o mesmo valor é fácil de ser observada nas eleições
presidenciais brasileiras. Basta acompanhar a apuração para entender que votos
vindos de todos os lugares do país têm o mesmo peso na definição da votação
final de cada candidato a cargo majoritário.
Muitos eleitores não se dão conta, porém,
de que os seus votos não têm o mesmo peso nas eleições para a Câmara dos
Deputados. Para isso acontecer, a bancada de cada estado teria de
ser proporcional à população; um estado onde moram 10% dos habitantes do país
teria uma bancada de 10%. Essa é a regra adotada na distribuição das cadeiras
da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos desde o fim do século XVIII.
No Brasil isso nunca aconteceu. As bancadas
das províncias (no Império) e dos estados (na República) nunca foram
proporcionais à população. As unidades que ganharam e perderam variaram no
tempo, e existem muitas razões para os legisladores optarem por não seguir o
modelo proporcional adotado nos Estados Unidos.
Atualmente, o voto dos eleitores
brasileiros não tem o mesmo peso nas eleições para a Câmara dos Deputados por
duas razões. A primeira é o estabelecimento de um piso e um teto na
representação das unidades da Federação na Câmara — nenhuma pode ter menos de
oito ou mais de 70 deputados.
O Brasil tem 203 milhões de habitantes (Censo de 2022). Para sabermos o número de habitantes que cada deputado federal representa, dividimos 203 milhões por 513 (o total de deputados federais). O resultado da divisão é 396 mil.
Numa situação hipotética em que a bancada
dos estados na Câmara dos Deputados é proporcional à população, basta dividir o
total de habitantes por 396 mil (existem muitas formas de alocar os restos
dessa divisão). Por essa conta, São Paulo, o estado mais populoso (44, 4
milhões de habitantes) ficaria com cerca de 112 deputados. No outro extremo,
Roraima, com apenas 636 mil, ficaria com apenas um deputado.
Desse modo, a regra do teto de 70 deputados
tira de São Paulo 42 representantes. E a regra do piso de oito deputados
favorece explicitamente seis unidades da Federação: Roraima, Amapá, Acre,
Tocantins, Rondônia e Sergipe. Mato Grosso do Sul e Distrito Federal ficam no
limiar de receber sete ou oito representantes. Vale lembrar que muitos estados
acabam se beneficiando da transferência das 42 cadeiras perdidas por São Paulo.
O artigo 45 da Constituição estabelece que
“o número total de deputados, bem como a representação por Estado e pelo
Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à
população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições”.
Essa revisão não é realizada desde 1993,
quando os dados do Censo de 1991 serviram como base para distribuição das
bancadas. Nesses 30 anos, alguns estados perderam população, e outros ganharam.
A ausência de revisão acabou gerando uma série de distorções —um exemplo: o
Pará, estado com população de 8,1 milhões, tem um deputado a menos que o
Maranhão, com uma população de 6,8 milhões.
A ausência de correção das bancadas
estaduais é a segunda razão para que o peso do voto dos moradores dos
diferentes estados não seja o mesmo nas eleições para deputado federal.
A recente decisão do Supremo tratou dessa
segunda razão. A Corte definiu que o Congresso tem de aprovar uma lei que
reconfigure as bancadas dos estados até o dia 25 de junho de 2025, para valer
nas eleições do ano seguinte.
As assimetrias entre a proporção de
moradores e representantes nunca foram um tema discutido seriamente no Brasil.
Essa é uma “não questão”, que foi pouco debatida na Assembleia Constituinte de
1987/88 e passou ao largo da discussão de todas as comissões de reforma
política organizadas no Congresso desde os anos 1990.
A decisão do STF serviu para mostrar o
óbvio: estados devem ter uma bancada proporcional à sua população. Só que a
regra 8/70 faz com que a proporcionalidade não se aplique a todos os estados.
*Jairo Nicolau, cientista político, é professor
e pesquisador da FGV/CPDOC
2 comentários:
Olá Gilvan.
O Jairo Nicolau é uma das minhas referências neste assunto, em que tambem já andei escrevendo. Mas a ligação certa e óbvia do Art 45 com o " Pacote de Abril" do Geisel-Golbery, o Nicolau já deveria ter citado.
Durante a Constituinte nenhum dos " presidenciaveis" quis mexer nesse "vespeiro" ( inclusive Aureliano e Brizola bem como Itamar, que veio a ser vice de Collor.) Imagina Lula, Afif , Covas, Ulisses, e outros " paulistas" que agora não me lembro...
Alfredo Maciel da Silveira.
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