terça-feira, 17 de outubro de 2023

Carlos Andreazza - O Lirão distribui os chocolates

O Globo

O Brasil está parado — não sem que os desafios encorpem — enquanto a República viaja. A República viaja em dólares e euros. Voltará com chocolates suíços. O feriadão se impõe; se impôs. Pediu Bis. Imposto à agenda brasileira, pelos senhores de Brasília, mais um recesso — nem sequer votada a Lei de Diretrizes Orçamentárias. (Longamente expostas à criatividade dos dispêndios ilimitados, as balizas para o Orçamento já decerto acomodaram — é impositivo — novas modalidades para o exercício do orçamento secreto.)

Quase todo mundo (poderoso) pelo mundo, enquanto — conflagrado o mundo — a situação econômica brasileira, sob incertezas, complica-se. Governo que não corta gastos — e cujas despesas aumentarão autorizadas pela regra fiscal — precisaria multiplicar as receitas. Depende do Parlamento, ao mesmo tempo mole e faminto. Ao mesmo tempo indolente (para votar) e apressado (para comerciar as votações). Sempre faminto. A conta não fecha.

Rodrigo Pacheco — não confundir altura com altitude — foi à Europa. Levou consigo o Senado. Noutras palavras: Ciro Nogueira e — primeiro-ministro do Congresso — Davi Alcolumbre. (Luís Roberto Barroso foi na cota do Supremo mesmo.) O país sendo discutido em Paris (Sarkozy, ex-presidente francês, ouviu o discurso prafrentex de Barroso, presidente de Corte constitucional, e constatou que o ministro está pronto para assumir outra presidência), enquanto a reforma tributária vai exposta aos bafos lobistas das exceções. (O estadista Pacheco acabará vitalício — apadrinhado por Alcolumbre — num tribunal de contas, enquanto aquele para quem esquentou cadeira reassumirá o trono de jure e de fato.)

Enquanto Lula convalesce no Alvorada e o debate interno se organiza — o crepúsculo — entre partidários de chocolates ruins, Arthur Lira toca trem da alegria pela Ásia. (Em visita à Assembleia Nacional Popular da República Popular da China, talvez ministre curso sobre gestão autoritária de parlamento.)

O trem da alegria como modo de continuar — de sustentar — a paralisia da pauta parlamentar conforme induzida, há semanas, sob desculpas variadas, pelo presidente da Câmara. Já até se vendeu o estapafúrdio (viagem!) de que a interdição dos trabalhos seria obra da oposição, insatisfeita com avanços do STF sobre o Legislativo; como se o próprio Lira não tivesse progressivamente desmontado o kit(kat) de obstrução parlamentar (matéria, aliás, obrigatória no curso para os colegas chineses).

Aquele caso sui generis da tal base de apoio ao governo que, tendo levado um punhado de ministérios, trava a agenda do governo porque — não sendo base do governo — quer mais. Quer a Caixa. As caixas.

Aprecio a maneira como o fufuca de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, do espectro lirista, explicou — em entrevista ao GLOBO — a adesão de seu partido, o Republicanos, ao Planalto:

— Há um sentimento colaborativo na bancada, sobretudo em relação à agenda econômica. Naturalmente, discutiremos projeto por projeto.

Obra de arte é a ideia de “sentimento colaborativo”. Da parte de quem ganha espaços bem concretos. E quer mais; e levará, em troca desse sentido bem-intencionado (e envernizado) de colaborar:

— Estamos dialogando com a Casa Civil para criar a Secretaria Nacional de Hidrovias, que ficará aqui no ministério. Vai cuidar de dragagem, de novas embarcações. Vai fortalecer novas rotas de escoamento de produção.

O “sentimento colaborativo”: levar superfícies da administração pública, com “novas rotas de escoamento”, para viajar no tráfego do poder, inclusive com “novas embarcações”, e se comprometer apenas com a discussão — negociação — projeto por projeto, ocasião em que se pedirão mais e mais “dragagens”.

Enquanto escrevo, no fim da tarde de segunda-feira, aventa-se a chance de que algo se mova nos próximos dias —talvez já nesta terça. A Câmara teria se acertado para encaminhar a votação — Lira ainda fora — dos projetos de taxação dos fundos exclusivos e offshore.

Plantou-se até que a Casa, para expressar impessoalidade, pretenderia exibir a capacidade de votar matérias importantes sem a presença de seu presidente. Afora a confirmação de que tudo ali anda e estaca em razão do imperador, convida-se o maledicente — ainda bem que não somos — a provocar: Lira mandou a Câmara mostrar que consegue girar sem ele. (Viagem!)

Projeto a projeto, né?

O Lirão — quem dera houvesse um centrão — terá a Caixa. Questão de tempo. O método ensina que a pauta do governo caminhará um pouco. Padilha e Guimarães a declarar que a relação se estabilizou — e que agora vai. Lira a exalar poder. O que faz destravar. O que cumpre acordos. E logo se mobilizará a mesma disposição para boicote — o país a travar de novo — em função do desejo pela Funasa.

A base — que não é base, só oportunista — tem fome. E para o Brasil porque tem pressa.


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