terça-feira, 17 de outubro de 2023

Andrea Jubé - Itamaraty fez história com repatriações

Valor Econômico

Desde a Segunda Guerra Mundial, não havia registros de um conflito armado que tenha afetado tantos civis brasileiros

O Ministério das Relações Exteriores havia trazido de volta ao Brasil, até essa segunda-feira, 916 brasileiros e seus familiares que pediram ajuda às autoridades diplomáticas para fugir da guerra no Oriente Médio entre Israel e o Hamas, grupo terrorista que controla a Faixa de Gaza.

Com um quinto voo da Força Aérea Brasileira (FAB) que partirá de Tel Aviv nesta quarta-feira, deverão ser mais de mais de 1,1 mil brasileiros repatriados. Se houver vagas, o Itamaraty poderá trazer, também, cidadãos de nossos vizinhos na América do Sul, como Paraguai e Bolívia, que pediram ajuda ao Brasil.

Em paralelo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanha, pessoalmente, as tratativas para viabilizar a retirada dos cerca de 30 brasileiros, inclusive crianças, da Faixa de Gaza pela fronteira com o Egito. Ocupando a presidência “pro tempore” do Conselho de Segurança das Nações Unidas até o fim do mês, Lula também articula com outras autoridades a criação de um corredor humanitário para a entrada de remédios e alimentos em Gaza, soma de esforços para a libertação dos reféns com o Hamas, e o fortalecimento da Autoridade Palestina. Ele pediu ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que essas posições sejam reafirmadas nesta terça-feira na reunião extraordinária do Conselho Europeu, em Bruxelas.

A atual operação para repatriar brasileiros de Israel e da Faixa de Gaza destacou-se pela agilidade e eficiência, embora não supere, em números, aquela realizada em 2006 também no Oriente Médio. Naquele ano, o Itamaraty trouxe ao Brasil mais de 3,2 mil pessoas, entre brasileiros, libaneses com cônjuges ou parentes no país, e estrangeiros de diferentes nacionalidades, em fuga do conflito no Líbano entre Israel e o grupo terrorista Hezbollah.

Para uma fonte do Itamaraty, o governo agiu com velocidade e competência para resgatar os brasileiros da zona de guerra. A título de comparação, ele observou que o primeiro voo organizado pelos Estados Unidos para levar cidadãos americanos de volta ao país decolou na sexta-feira, enquanto o quinto voo da FAB parte nesta quarta-feira de Tel Aviv com novo grupo de brasileiros, e uma sexta aeronave aguarda em Roma o sinal para aterrissar no Egito e resgatar os brasileiros que tentam escapar de Gaza.

Em 2006, o então embaixador do Brasil no Líbano Everton Vieira afirmou à imprensa que desde a Segunda Guerra Mundial, não havia registros de um conflito armado que tenha afetado tantos civis brasileiros.

Na Segunda Guerra, diplomatas, familiares e funcionários das embaixadas brasileiras nos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) ficaram 100 dias confinados em Baden-Baden, até a autorização para se deslocarem até Portugal, onde navios partiriam de Lisboa rumo ao Brasil.

No fim de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo. Foi uma reação ao ataque japonês à base naval americana de Pearl Harbor, no Havaí, no dia 7 de dezembro de 1941, que demarcou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra. Até então, o Brasil tinha proximidade com a Itália por causa da afinidade da ditadura Vargas com o regime fascista de Benito Mussolini.

Era fevereiro de 1942 quando o embaixador do Brasil na Alemanha, Cyro de Freitas Valle, informou o Itamaraty que havia 88 brasileiros, inclusive crianças, que deixaram cidades na Alemanha, Áustria, França e Dinamarca, confinados no Brenners Park-Hotel, na cidade alemã de Baden-Baden.

Todos aguardavam permissão para retornar ao Brasil. Segundo o relato do diplomata, o hotel era “confortável”, e as cervejas eram de graça! A situação do grupo era de reféns - embora longe de se comparar aquela situação aos reféns em poder dos terroristas do Hamas. Mas após as primeiras semanas, foram impedidos de deixar o hotel, sendo que água e alimentos eram racionados.

Alguns dos “reféns” ilustres eram o então cônsul-adjunto em Hamburgo, o diplomata e escritor João Guimarães Rosa, e o artista plástico Cícero Dias. Para entreter jovens e crianças, Guimarães Rosa ensinou-os a jogar xadrez. O relato é de André Guimarães, que testemunhou o fato quando criança, já que acompanhava o pai, o cônsul-geral em Viena Mário Guimarães, em artigo publicado na revista da Associação dos Diplomatas Brasileiros.

O grupo seria trocado por diplomatas e civis alemães, italianos e japoneses que se encontravam no Brasil. A negociação previa que navios brasileiros cruzassem o Atlântico até Lisboa, levando os cidadãos dos países do Eixo, e retornassem com os brasileiros.

Foi uma negociação tensa como a atual. Envolveu autoridades diplomáticas e oficiais da Marinha, num cenário em que submarinos alemães estavam torpedeando e afundando embarcações brasileiras. Mais de 600 brasileiros foram mortos nesses ataques, e o temor era de que na viagem de regresso, os navios virassem alvos.

Para evitar os ataques, os navios deveriam estar identificados, assim como atualmente negocia-se que os ônibus que levarem os brasileiros até o Egito também estejam destacados. Os navios levaram a palavra “diplomatas” gravada em grandes dimensões, e a bandeira brasileira dos dois lados.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O ser humano só faz coisa errada.