quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Manter vitória sobre a inflação depende de confiança fiscal

O Globo

Em vez de atacar Campos Neto, PT e Lula precisam zelar pelo cumprimento das metas assumidas

O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), conclui hoje sua última reunião deste ano. A expectativa é um corte de meio ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic, para 11,75%. A reunião ocorre um dia depois do anúncio da inflação de novembro: 0,28%, menor resultado para o mês desde 2018. No acumulado do ano, o índice está em 4,04%. A previsão dos analistas ouvidos pelo BC é de 4,51% em 2023, abaixo do teto da meta (4,75%). Depois de dois anos acima do limite, o Brasil volta enfim a dominar a inflação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria lembrar tal feito antes de voltar a atacar o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Inflação alta, vale ressaltar, é particularmente perniciosa aos pobres.

O Copom deu início à escalada de juros em março de 2021, antes da maioria dos bancos centrais das grandes economias, que depois seguiram a mesma estratégia contra o choque inflacionário da pandemia. A Selic saiu de 2% em janeiro de 2021 até chegar a 13,75% em agosto de 2022. Apesar disso, em 2021 a inflação ficou em 10,06%, quase o dobro do teto da meta (5,25%). No ano passado, caiu para 5,79%, ainda acima do teto. Só neste ano voltou para dentro dos limites. A conquista só foi possível também graças aos compromissos fiscais assumidos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Sem eles, as expectativas inflacionárias sofreriam deterioração, exigindo do BC juros ainda mais altos.

O regime de metas de inflação foi adotado em 1999 e tem se provado eficaz para ancorá-las. Em 24 anos, a inflação ficou fora do intervalo de tolerância apenas sete vezes: no choque econômico do início do século e no primeiro ano de Lula no Planalto (2001, 2002 e 2003), na crise provocada por Dilma Rousseff (2015 e 2017) e nos últimos dois anos. O resultado de 2023 reforça o poder do BC como referência futura da alta de preços. Sem credibilidade, não há regime de metas que funcione.

Olhando para 2024, o governo pode atrapalhar o controle da inflação de duas maneiras. A primeira é Lula voltar a pressionar Campos Neto a acelerar a queda de juros. Ontem, em evento no Palácio do Planalto, ele disse ser preciso “mexer com o coração do presidente do Banco Central” para baixar a Selic. A declaração quebra meses de trégua costurada por Haddad e revela a dificuldade de Lula para atender aos anseios do PT na economia.

Justamente aí está o segundo risco. Uma resolução recente do partido critica a “ditadura do BC independente” e diz ser necessário se livrar do que chamou de “austericídio fiscal”. O governo pode fazer estrago maior se abandonar seus compromissos fiscais. O novo arcabouço para as contas públicas mal tinha sido aprovado, e Lula já falava em desrespeitar as metas de zerar o déficit em 2024. Haddad enfrenta dificuldades no próprio partido para aprovar no Congresso as medidas necessárias ao cumprimento das metas do arcabouço.

Ora, credibilidade é fator crítico para o êxito de qualquer política econômica. Ainda que atingir as metas seja difícil, o governo não pode passar a impressão de que só finge tentar cumpri-las. Em 2024, com a economia em desaceleração e a eleição municipal, será maior a tentação de tomar decisões eleitoreiras, de olho no curto prazo. Por isso, mais importante que tocar o coração de quem está no BC, será preservar a razão de quem está no Planalto.

Acordo com empresas de aplicativo de transporte representa avanço

O Globo

Mesmo assim, persiste necessidade de regular também os serviços de entrega e de cobrir o vácuo legal

O governo federal e aplicativos de transportes de passageiros, como Uber, 99, Lalamove e Buser, firmaram acordo para estabelecer remuneração mínima e contribuição previdenciária dos motoristas. As empresas pagarão R$ 30 por hora trabalhada — tempo em que o motorista fica rodando, e não conectado ao aplicativo. A contribuição para o INSS será de 20% para as empresas e 7,5% para os motoristas. O acordo vale apenas para motoristas, deixando em aberto a regulação do serviço de entregadores. Não elimina a necessidade de prosseguir na discussão sobre o Projeto de Lei que regulamenta o trabalho por aplicativo.

O vácuo legal dá margem a todo tipo de interpretação. Em particular as descabidas, que tentam imaginar haver vínculo empregatício entre aplicativos e motoristas ou entregadores. No início do mês, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais que, para todos os efeitos, considerava o motorista um funcionário da empresa. O argumento do relator, ministro Alexandre de Moraes, constatou o óbvio: motoristas e entregadores têm liberdade para aceitar as corridas que quiserem, para fazer seus próprios horários e para manter vínculos com outras plataformas. Como não há exclusividade nem rotina fixa, não se pode falar em vínculo empregatício.

Em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou um grupo para discutir a regulação do trabalho por aplicativo. Os debates têm resultado numa sucessão de impasses. Em encontros sobre o tema, as empresas líderes do setor de entregas têm demonstrado forte resistência à contribuição previdenciária. Do outro lado, trabalhadores têm encontrado dificuldade para buscar um consenso.

Pelo menos 2,1 milhões de brasileiros têm como principal fonte de sustento o trabalho em aplicativos, revelou uma pesquisa do IBGE divulgada em outubro. A maioria (1,5 milhão), em atividades de transporte ou entrega de comida. De modo geral, são homens na faixa de 25 a 39 anos, com ensino médio completo ou superior incompleto. As jornadas de trabalho são longas — 46 horas semanais, ante 39,5 para as demais categorias. A remuneração é até 37% inferior à por trabalhos semelhantes fora das plataformas.

Os serviços prestados por aplicativos cresceram a partir da pandemia. A população se habituou às entregas. Muitos brasileiros também descobriram neles uma forma de sustentar a família ou complementar a renda. O negócio pode ser bom para todos: consumidores, trabalhadores e empresas. Mas as atividades precisam de regulação. É justo que quem trabalha tenha direito a remuneração mínima e possa contribuir para a Previdência, de modo a ter alguma proteção social. Por isso é fundamental que as partes se esforcem pelo consenso. Qualquer regulação deve preservar a liberdade dos prestadores de serviço e das empresas, intrínseca a essa nova modalidade de trabalho. O acordo fechado com aplicativos de transporte aponta um caminho. O impasse não levará a lugar algum.

Faltam definições no pacote de ajuste fiscal de Milei

Valor Econômico

Medidas anunciadas foram antecedidas por remarcação geral de preços no varejo

O governo de Javier Milei anunciou ontem no fim da noite uma maxidesvalorização do peso como um dos primeiros passos para tentar consertar as finanças do país, eliminar déficits fiscais e evitar a “hiperinflação”, como destacou o ministro da Economia, Luis Caputo, em mensagem gravada. O anúncio foi antecedido, durante o dia, por uma remarcação geral de preços nos supermercados e reajuste forte nas cotações dos bancos que vendem dólares no varejo. Os programas de controle negociado de preços entre varejo e governo foram encerrados. “Os preços serão determinados pelo mercado”, comentou a ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino.

Caputo disse que o problema principal a atacar será o déficit fiscal, para ele a causa da deterioração econômica do país e da inflação elevada. Em suas contas, nos últimos 123 anos, a Argentina teve resultados negativos fiscais em 113. O déficit hoje é de 5,5% do PIB, enquanto que a dívida total do país é da ordem de US$ 400 bilhões.

A medida mais importante foi a desvalorização do câmbio oficial de 400 para 800 pesos por dólar. O dólar paralelo, um de mais de uma dezena de câmbios criados, atingiu ontem 1050 pesos, com uma distância de 162% em relação à cotação oficial. Caputo não mencionou a unificação cambial, mas essa é a direção, já que todos os outros tipos de conversão instituídos visavam a evitar uma desvalorização brutal do câmbio oficial pelo governo peronista de Alberto Fernández - agora tornada oficial por Milei.

A escassez de moedas fortes não se resolve com a perda de valor do peso e, em um período de emergência, segundo Caputo, será acompanhada de um aumento do imposto de importação e do imposto sobre exportações (retenciones) de produtos não agropecuários (já taxados). A desvalorização encarece as compras externas, assim como o imposto criado, o que ajudará a deprimir as atividades econômicas, a caminho de um PIB negativo de 2,5% neste ano. Em compensação, serão extintos tanto os registros de direitos de exportação como as licenças prévias de importação, que infernizaram os industriais argentinos.

Como o presidente Javier Milei já havia anunciado em sua posse, seu plano econômico causará um choque de preços, que é o que a remarcação acelerada, já em curso, mais a perda de valor da moeda provocarão. Mas não só isso. O pacote de Caputo promete reduzir os subsídios de energia e transporte, cujas tarifas cobririam, segundo ele, entre metade e 20% dos custos reais dos serviços. Vários outros pontos do pacote anunciado reduzem os gastos do Estado. Há medidas simbólicas, como o corte da propaganda institucional nos meios de comunicação, um gasto de 34 bilhões de pesos (ou US$ 34 milhões) que só serve “para elogiar os governos de turno”. Mais efetivos serão a não renovação dos contratos de trabalho com menos de um ano de vigência e o enxugamento do tamanho do Estado. O encolhimento do número de ministérios pela metade (de 18 para 9) trará também a diminuição de 106 para 54 no número de secretarias, 50% dos cargos hierárquicos e, como mencionado por Caputo, de 34% dos cargos políticos.

Não serão mais feitas licitações para obras de infraestrutura e serão canceladas as que foram licitadas, mas não iniciadas. As obras de infraestrutura ficarão a cargo da iniciativa privada porque o Estado “não tem dinheiro”, um bordão de Milei em seu discurso de posse. As transferências discricionárias do Estado para as províncias serão reduzidas ao mínimo, porque, para o governo, elas só serviam nos últimos tempos “para trocas de favores políticos”.

As medidas procuram reduzir em 5 pontos percentuais do PIB o déficit fiscal. É um desafio porque o consumo deve despencar aos golpes das remarcações, do aumento das tarifas e recessão. O imposto de importação deve trazer pequeno ganho, mas a extensão do imposto sobre exportações, incentivadas pela maxidesvalorização, pode ser significativo, já que será o setor exportador o único setor dinâmico da economia. A ênfase, pelo menos por enquanto, está na contenção de gastos.

Faltou o capítulo monetário, tanto da política de juros quanto da reforma na operação do Banco Central que permita estancar as emissões monetárias, para Milei a causa maior dos problemas argentinos. Com os preços estimados para dezembro correndo a uma velocidade de 20% e a inflação perto dos 200%, os juros irão para a estratosfera, na tentativa de atrair dinheiro hoje aplicado em dólar, auxiliada pela maxidesvalorização. As negociações com o Fundo Monetário Internacional de novos termos do acordo são vitais para a sobrevivência dos planos de Milei, mas o governo se mantém em silêncio sobre este ponto.

Há um bom entrosamento em princípio entre Banco Central e Economia. O presidente do BC será Santiago Bausili, ex-JP Morgan e Deutsche Bank, sócio de Caputo na consultoria Anker Latam antes de ser nomeado. Bausili, por decreto, deverá ficar no cargo até setembro de 2028, o que significa que Milei não o fechará por um bom tempo. “Não enquanto eu estiver lá”, brincou Bausili.

Incontáveis nas ruas

Folha de S. Paulo

Com 227 mil em cadastro, população sem teto deve ser mais bem apurada e atendida

O aumento da população de rua nos últimos anos é fenômeno que tem sido observado e mensurado em metrópoles brasileiras, mas suas dimensões precisas são difíceis de apurar —por motivos óbvios.

Trata-se, em grande parte dos casos, de pessoas sem rotina definida, que podem estar num bairro hoje e noutro amanhã; muitas analfabetas, sem documentos e em estado precário de saúde física ou mental para responder sobre sua situação. Elas estão fora, ademais, do censo oficial do IBGE, que procura por cidadãos domiciliados.

São importantes, nesse contexto, os dados reunidos pelo pesquisador Marco Antônio Carvalho Natalino, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, ligado à administração federal). Com base em informações no cadastro governamental de famílias de baixa renda, o trabalho encontrou 227,1 mil moradores de rua no país neste ano.

O número está possivelmente subestimado, já que nem todas as pessoas em tal situação estão nos registros. A quantidade sobe ano a ano, o que em alguma medida pode ser explicado pela ampliação do cadastro, sobretudo quando se consideram prazos mais longos. Mas há evidências do aumento e causas plausíveis a considerar.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, um censo encomendado pela prefeitura constatou que a população de rua teve um salto de 31% durante a pandemia de Covid-19, crescendo de 24,3 mil em 2019 para 31,9 mil em 2021.

A crise sanitária gerou um dos momentos econômicos dramáticos dos últimos anos. Antes dela, a profunda recessão de 2014-16 elevou o desemprego e a pobreza. A recuperação posterior ainda se mostra incipiente e acidentada.

Falta de oportunidades no mercado de trabalho é, como se pode intuir, um dos principais motivos que levam indivíduos a morar nas ruas —apontado por 40,5%, em declarações ao cadastro oficial.

A causa mais citada, no entanto, são problemas familiares, com 47,3%, enquanto o consumo de álcool e outras drogas é mencionado por 30,4% (os cadastrados podem citar mais de um fator).

Está-se diante de um fenômeno multifatorial, que vai além da questão econômica e demanda ações de diferentes esferas de governo.

A contagem e a identificação mais completa dos moradores ainda desafiam a política pública. É preciso viabilizar que tais pessoas tenham acesso aos benefícios sociais do Estado, sobretudo o Bolsa Família.

No âmbito local, há que buscar desde alternativas habitacionais a segurança e cuidados com dependentes químicos.

Não existe, infelizmente, solução rápida, muito menos fácil. O melhor começo, de todo modo, é um diagnóstico mais preciso.

Lixão Brasil

Folha de S. Paulo

Descaso histórico faz com que país tenha resultado pífio no descarte de resíduos

Das encostas de morros em bairros periféricos jorram cascatas de dejetos. Sacolas se espalham pela caatinga. Garrafas plásticas infestam rios e córregos. Esquinas, acostamentos e praças recebem toneladas de entulho. Só não vê a situação calamitosa dos resíduos sólidos no Brasil quem não quer.

Nesse caso, não se aplica nem mesmo a justificativa habitual para o descaso do poder público com esgotos —tubulações invisíveis debaixo da terra, diz o lugar comum, não dão voto a ninguém. O lixo urbano está à vista e se revela também num monturo de estatísticas.

Meros 61,1% dos resíduos foram destinados a aterros sanitários em 2022, constata a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente. Os restantes 38,9% terminaram a céu aberto, 27,9 milhões de toneladas em lixões insalubres ou aterros controlados e 5,3 milhões nem sequer foram coletadas.

Aterros sanitários contam com camada impermeabilizadora do solo, para evitar percolação de chorume até o lençol freático, e sistemas de captação do líquido poluente e de gases gerados pela decomposição. Os aterros controlados, em que pese o nome, carecem desses dispositivos sanitários.

A variação do índice sobre os 60,5% de 2021 foi desprezível, só 0,6 ponto percentual. Para um país que tinha por meta eliminar em 2014 a destinação inadequada, é um desempenho pífio. O objetivo foi postergado para 2024, mas terá de ser adiado de novo —no ritmo de 2021/22, seriam necessários 65 anos para alcançá-lo.

Tamanho fracasso é obra de sucessivos governos. A regra é acomodar-se com a falta de cobrança por eleitores e pela opinião pública.

Sudeste, Sul e Centro-Oeste têm os melhores desempenhos, com 98,6%, 97% e 94,9% de lixo coletado. Mas mesmo nas duas primeiras, as regiões mais urbanizadas e ricas do país, há indicadores acabrunhantes: 28,4% e 25,7% de seus resíduos sólidos, respectivamente, têm destinação inadequada.

Ademais, a reciclagem de material inorgânico também é vexatória. Apenas 14,7% da população urbana do país tem acesso à coleta seletiva. Sul e Sudeste novamente estão à frente, mas só com 31,9% e 20%.

Outro lugar comum diz que falta vontade política para reverter a situação. Mais precisamente, leis e metas são anunciadas periodicamente contra indicadores chocantes de nosso atraso civilizatório, mas pouco se acompanha de sua execução cotidiana.

Democracia cara, oportunismo barato

O Estado de S. Paulo

Arranjos para viabilizar um fundo eleitoral de inacreditáveis R$ 5 bi em 2024 revelam que parlamentares já nem disfarçam que seus interesses estão muito acima dos interesses do País

Às vésperas do recesso de fim de ano em Brasília, poucas coisas têm perturbado tanto o sono dos parlamentares quanto a busca frenética de meios para encaixar no Orçamento um aumento recorde do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundo eleitoral, com vista às eleições municipais de 2024. A desfaçatez das tratativas revela que simulacros de republicanismo – como a falácia segundo a qual a democracia, ora vejam, “tem um custo” – já foram deixados para trás. A barreira da suposta preocupação com a opinião pública também já foi superada. A coisa começa a descambar para o escárnio.

O governo do presidente Lula da Silva propôs na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um fundo de R$ 939,4 milhões para cobrir as despesas dos partidos com as eleições municipais de 2024. Já é muito dinheiro público para um fundo que nem sequer deveria existir, a bem da democracia representativa no Brasil. Mas, insaciáveis que são, os parlamentares ainda acham pouco, inclusive os do PT, partido de Lula. A revelar que a caradura não conhece limites, as bancadas da maioria dos partidos no Congresso se articulam para aprovar um fundo eleitoral de inacreditáveis R$ 5 bilhões em 2024.

Ignorando olimpicamente o fato de que o País está caçando moedas nos bolsos da calça para equilibrar as contas sem prejuízo de políticas públicas essenciais para a esmagadora maioria da população, os parlamentares seguem orientados por seus interesses particulares quando estes colidem com o interesse público. Como dinheiro não brota do chão, o aumento de mais de R$ 4 bilhões do fundo eleitoral, considerando o valor proposto na LDO e o desejo da maioria dos parlamentares, haverá de sair de alguma alínea do Orçamento. É quase certo que privilégios que fazem desta uma “República inacabada”, para usar a expressão de Faoro, seguirão intocados.

Uma das alternativas à mesa é abater aquela diferença bilionária do total de recursos destinados às emendas de bancada, que somam R$ 12,6 bilhões em 2024. Ou seja, para aumentar o fundo eleitoral, deputados e senadores teriam de abrir mão de recursos dos quais pode dispor o conjunto de parlamentares de cada Estado e do Distrito Federal. Eis o impasse. Se bem feitas, as emendas podem custear políticas públicas que têm impacto direto na vida dos cidadãos e lançam luz sobre seus patrocinadores. O fundo eleitoral, por sua vez, fortalece as candidaturas de aliados políticos ou dos próprios parlamentares que concorrerão a prefeito no ano que vem.

Conhecendo-se o histórico do Congresso em deliberações sobre temas que tocam diretamente os interesses dos parlamentares e dos partidos, não é improvável que esse impasse seja resolvido da pior forma possível para o País, qual seja: ao fim e ao cabo, as emendas de bancada, entre outras, serão preservadas e outras alíneas do Orçamento é que acabarão sacrificadas para que o fundo eleitoral atinja o patamar recorde de R$ 5 bilhões no ano que vem.

Desde 2015, quando o Supremo julgou, acertadamente, que as doações de empresas para financiamento de campanhas eleitorais eram inconstitucionais – pela óbvia razão de que pessoas jurídicas não são titulares de direitos políticos –, parlamentares de todos os matizes político-ideológicos têm feito de tudo para, eleição após eleição, aumentar cada vez mais o quinhão do Orçamento que abastece o fundo eleitoral. Só não têm feito o que deveriam fazer: aproximar-se da sociedade e angariar o apoio de eleitores dispostos a contribuir, por meio de doações, para o custeio tanto das atividades dos partidos com os quais têm afinidade como para suas campanhas eleitorais.

Porém, mal acostumados, aboletados no conforto do dinheiro público farto, fácil e seguro que abastece os cofres dos partidos, os parlamentares têm percorrido o caminho diametralmente oposto, fechando-se cada vez mais em seus próprios interesses, como se o Congresso fosse um mundo à parte.

Se, como apregoam os defensores dos fundos públicos, a democracia “tem um custo”, a brasileira tem se revelado cara demais.

De ‘boa-fé’ o inferno está cheio

O Estado de S. Paulo

Órgão fiscalizador de fundos de previdência privada trata como regular ato praticado de ‘boa-fé’ por gestores e abre brecha para critérios subjetivos no julgamento de irregularidades

Em resolução baixada em agosto, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) tornou mais difícil a punição administrativa de dirigentes de fundos de pensão por irregularidades na gestão dos recursos destinados ao pagamento de aposentadorias privadas a seus participantes. Ao estipular que qualquer medida tomada “de boa-fé” pelos administradores será considerada um “ato regular”, a Previc reveste de critérios subjetivos uma fiscalização que exige a adoção de parâmetros unicamente objetivos.

Como mostrou reportagem do Estadão, há cerca de quatro meses, poucos dias depois de a resolução entrar em vigor, 34 ex-gestores dos fundos de pensão da Petrobras (Petros) e da Vale (Valia) acusados de irregularidades na gestão pediram adiamento de julgamento na Câmara de Recursos da Previdência Complementar. Eles respondem pela aplicação de recursos das fundações que administravam no malfadado FIP Sondas, o fundo de investimentos que ajudou a custear a também fracassada Sete Brasil, iniciativa das gestões lulopetistas para bancar a utópica ideia de construir no País todos os equipamentos para a exploração de petróleo na região do pré-sal.

Em recuperação judicial desde 2016, com dívida superior a US$ 19 bilhões, a Sete Brasil corre sério risco de falência. Já os ex-administradores dos fundos de pensão procuram uma forma de inviabilizar as penalidades por infrações verificadas pelos órgãos de controle. Não bastasse apenas isso para comprovar o caráter viciado da resolução da Previc, pesa contra a medida o fato de ser de autoria de Danilo Martins, exprocurador-chefe afastado da entidade por medida cautelar, durante investigação na Procuradoria-Geral Federal (PGF). O processo, que tramita sob sigilo no âmbito da Advocacia-Geral da União (AGU), deriva de denúncias de procuradores da Previc que alegaram terem sido coagidos a descumprir trâmites legais para que a resolução fosse aprovada pelo colegiado.

Trata-se de mais um caso de afronta despudorada aos padrões básicos de governança travestida de “medida legal”. O artigo 230 da dita resolução não deixa dúvidas quanto à possibilidade de encobrir eventuais irregularidades, ao dizer que “a conduta caracterizada como ato regular de gestão não configura infração” para, em seguida, descrever como “ato regular de gestão (...) aquele praticado por pessoa física de boa-fé”. É a primeira referência de uma lista de fatores, como capacidade técnica e diligência, entre outros.

Ora, beira o absurdo o argumento de que somente serão considerados ilegais e lesivos os atos de administradores feitos com intenção comprovada de prejudicar as finanças dos fundos de pensão e de seus beneficiários. Ainda mais bizarra é a decisão ter partido da entidade que tem como principal atribuição o controle dos riscos que possam comprometer os objetivos e a segurança econômico-financeira e atuarial das entidades, como explicita, no texto, a própria resolução.

Mais de 250 entidades privadas de previdência atuam no Brasil, a grande maioria ligada a empresas privadas. Mas as três maiores em volume de investimentos são patrocinadas por estatais: Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa). Se o critério de classificação for a quantidade de participantes ativos, o Postalis (Correios) se junta ao grupo. Frequentemente é usado o argumento de que os fundos são privados, não são estatais e, por isso, não atendem a recomendações do governo. Sabe-se que em tese a alegação é verdadeira, mas na prática, nem tanto: a utilização dos fundos de estatais no financiamento a projetos de governo é comum.

Fundos de pensão são investidores em projetos de infraestrutura em qualquer lugar do mundo. A austeridade de gestão, contudo, é um princípio básico para resguardar os participantes que buscam, com os anos de contribuição, complementar o benefício do INSS. A Previc tem o dever de fiscalizar essas operações, de forma rigorosa e sem margem para interpretação dúbia ou subjetiva, que livre de punição os maus gestores, como aqueles que fizeram investimentos temerários em projetos megalomaníacos dos governos petistas.

Inflação controlada

O Estado de S. Paulo

Após dois anos, parece que o Banco Central conseguirá afinal cumprir a meta; já 2024 é uma incógnita

O cumprimento da meta inflacionária em 2023 está praticamente garantido com a leve alta de 0,28% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em novembro, como divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Depois de dois anos extrapolando a meta, a inflação parece ter afinal arrefecido, algo a ser celebrado num ano marcado por sucessivos avanços e retrocessos na condução da economia e pela intensa queda de braço entre Planalto e Banco Central (BC) em torno da política de juros.

Apesar da pressão no preço dos alimentos, resultado direto dos problemas climáticos que castigaram regiões agrícolas com chuvas intensas, o IPCA de novembro ficou um pouco abaixo do previsto e, em 12 meses, a taxa acumulada ficou em 4,68%, abaixo do teto da meta, de 4,75%. Somente uma explosão inflacionária em dezembro seria capaz de tirar do eixo o controle inflacionário, o que não deve ocorrer. O ano de 2023, portanto, deixou de ser uma preocupação. O grande desafio agora é 2024, cercado de incertezas em relação à manutenção do ciclo de queda de juros iniciado em agosto.

As expectativas poderiam ser melhores. Afinal, vitórias importantes da equipe econômica no Congresso Nacional, como a aprovação do novo arcabouço fiscal e da primeira etapa da reforma tributária, deveriam dar uma base segura à política monetária, mantendo preços sob controle e propiciando o afrouxamento dos juros. Mas é justamente aí que sinais emitidos muitas vezes pelo próprio governo tornam duvidoso o cenário para o ano que vem. A meta fiscal zero estipulada no arcabouço pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que já era pouco crível para o mercado, foi desmoralizada pelo próprio presidente Lula da Silva.

Para a implementação do novo modelo fiscal, que iniciará 2024 sob os efeitos do ceticismo do presidente, o governo terá de achar um caminho para eliminar tensões, uniformizar o discurso e fazer valer o conceito de responsabilidade fiscal. Mas, ao que parece, não é essa a prioridade de Lula, mais preocupado em rastrear recursos para custear as obras de seu “novo PAC”, especialmente em ano de eleições, mesmo que municipais.

O ano termina com bons resultados econômicos, a despeito de todas as dificuldades, resultado de uma contribuição excepcional do setor agropecuário que, no cenário doméstico, puxou períodos de deflação dos alimentos, o que garantiu em grande parte a manutenção do consumo das famílias. Nas contas externas, foi essencial para os bons saldos da balança comercial. Não há certeza de que 2024 consiga repetir as supersafras obtidas neste ano, principalmente por conta da crise climática.

Neste ano, o Banco Central não terá de escrever ao Ministério da Fazenda a carta de justificativa com os motivos de não ter cumprido sua função de garantir a manutenção da inflação dentro da meta. Já 2024 é uma grande incógnita.

A vez dos temporários

Correio Braziliense

De acordo com os especialistas, o aumento deve ser de 5,6% nas vendas, em comparação ao ano passado, com a contratação de 108,5 mil trabalhadores temporários somente no comércio — número inferior apenas ao contabilizado há 10 anos, época em que foram abertas 115,5 mil vagas

Fim do ano chegando e, enquanto uns estão às voltas com as compras de Natal, outros seguem focados nas vagas temporárias. Este ano, as expectativas são muito boas. Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram que a oferta de empregos temporários, neste período, deverá ultrapassar a média registrada desde 2013. De acordo com os especialistas, o aumento deve ser de 5,6% nas vendas, em comparação ao ano passado, com a contratação de 108,5 mil trabalhadores temporários somente no comércio — número inferior apenas ao contabilizado há 10 anos, época em que foram abertas 115,5 mil vagas.

Considera-se trabalhador temporário aquele contratado por um período máximo de 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 dias. Embora seja um tempo relativamente curto, a lei também estabelece que esse profissional deve receber os mesmos direitos trabalhistas dos efetivos da empresa, como férias, décimo terceiro salário e FGTS, entre outros benefícios.

A projeção de efetivação dos colaboradores temporários após o Natal é de 14,2%, percentual superior ao do ano passado, quando foram efetivados 12,3% dos funcionários contratados. O setor que mais deve contratar é mesmo o comércio, seguido por hospedagem e restaurantes (63 mil), além da área de transportes (17 mil) e atividades culturais e outros (7 mil).

Os especialistas acreditam que essa maior oferta de vagas neste ano se deve ao "embalo" da Black Friday e das vendas durante todo o mês de novembro — embora os números não tenham sido tão bons como em 2022 —, além das festividades de fim de ano. Com o mercado aquecido, há uma expectativa de aumento dos negócios, o que faz com que as empresas ampliem o volume de vagas no verão.

Para suprir essa demanda, há vagas em diversas áreas e com início imediato. No caso de quem ainda não passou pela experiência do primeiro emprego, também existem oportunidades que não exigem pré-requisito.

Como sempre, o estado de São Paulo lidera a projeção: 81 mil vagas temporárias no fim de 2023, seguido por Minas Gerais (30 mil), Paraná (20 mil) e Rio de Janeiro (16 mil). A previsão para o DF é de 4,3 mil postos. Vendedores (em lojas ou mercados), auxiliares-administrativos e trabalhadores de manutenção de edifícios figuram entre os mais procurados neste período.

Oportunidades existem, e o profissional é posto à prova justamente quando ocupa esse tipo de vaga. É neste momento que as empresas ficam de olho naquele colaborador que demonstra dedicação e força de vontade. Estudar a história da empresa, entender o que ela representa no nicho e as possibilidades de crescimento podem contar pontos.

Que as boas perspectivas se confirmem e perdurem, para que 2024 seja um ano mais promissor na economia, com a efetivação dos empregados e abertura de mais vagas. Empresários e trabalhadores agradecerão.

 

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