Valor Econômico
O calendário marcava o dia 2 de janeiro
quando Flávio Dino tomou posse no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ao
concluir o discurso, dividiu-se entre Karl Marx e a Bíblia.
“O critério da verdade é a prática”, afirmou
citando a obra “Teses sobre Feuerbach”, sem mencionar o autor. No caso, Karl
Marx. Disse apenas que era uma frase de um filósofo da sua predileção. “As
nossas intenções, o nosso ideário, as nossas palavras são valiosíssimas. Mas,
acima de tudo, é a nossa prática que vai definir o perfil desse governo e o seu
julgamento perante o povo e perante a história. E o Tribunal da História leva
em conta uma frase bíblica que está numa das cartas de Paulo, a carta de Thiago:
‘A fé sem obras é morta’”, acrescentou.
Nessa toada, Dino assumiu o cargo defendendo a pacificação nacional e, ao mesmo tempo, destacando que ponderação não deveria ser confundida com leniência. Mas seus planos iniciais ruíram: poucos dias depois, viu-se no turbilhão provocado pelos ataques extremistas do 8 de janeiro.
O ministro esteve no centro da reação
institucional que restabeleceu a ordem em Brasília, e foi tornando-se um dos
principais porta-vozes do governo. Como era de se esperar, virou também um dos
alvos preferenciais da oposição.
Essa não foi a única crise que prejudicou seu
planejamento estratégico. Ainda em fevereiro, precisou lidar com a situação dos
Yanomamis. Acabou envolvido nas ações de desintrusão dos territórios invadidos
por garimpeiros e no combate às atividades ilegais na região.
No mês seguinte, precisou gerir as crises de
segurança pública no Rio Grande do Norte e de ataques a escolas, o avanço nas
investigações do caso Marielle, e a implementação de uma política para
restringir o acesso da população a armas e munições. Nesse período, viu a
Polícia Federal avançar em apurações que atingiram em cheio o ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL).
Também buscou estruturar, com a Polícia
Federal e os governos estaduais, novas formas de cooperação para combater
facções criminosas. Numa crise política recente, contudo, precisou explicar a
presença da mulher de um líder de facção em reuniões na pasta. Pegou mal.
No decorrer desses episódios, protagonizou
diversos embates com a oposição, os quais podem se repetir na sabatina dessa
quarta-feira (13) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), após
sua indicação ao Supremo Tribunal Federal. Mas seus aliados estão otimistas.
Não acreditam que eventuais incidentes sejam capazes de provocar um fato raro
na história brasileira: a rejeição da escolha pelos senadores.
Afinal, apenas cinco indicações ao STF foram
rejeitadas pelo Senado no período republicano. Todas em 1894, no governo do
marechal Floriano Peixoto.
As recusas tiveram motivação técnica, devido
à falta de notório saber jurídico dos indicados. O caso mais conhecido é o do
médico Barata Ribeiro, figura influente da época, justamente por falta de
formação na área.
Segundo registros da Agência Senado, Floriano
Peixoto indicou outros 11 ministros depois de Barata Ribeiro. Desses, mais
quatro foram rejeitados, entre eles um general e o então diretor-geral dos
Correios.
Não é exatamente o caso de Flávio Dino.
Relator da indicação, o senador Weverton (PDT-MA) detalha em seu parecer o
currículo do ministro da Justiça. Graduado em Direito, em seu mestrado o
ministro tratou da proposta de criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e
do controle do Judiciário. Foi professor da área e em 1994 foi aprovado em
primeiro lugar no concurso para juiz federal, função que abandonou para seguir
carreira política pelo PCdoB e, depois, pelo PSB.
Deve-se notar, contudo, que as negativas do
Senado às indicações de Floriano Peixoto também ocorreram por questões
políticas: eram conhecidas as dificuldades de interlocução do presidente com os
demais Poderes. E é dessa armadilha que Dino deve fugir durante a sabatina.
Para um grupo de senadores, é fator
importante a sua postura contrária ao aborto e ao uso de drogas, ainda que isso
não signifique a defesa da criminalização dessas condutas. Por outro lado, ele
precisará ser convincente quando afirmar que, ainda que motivado por um convite
do presidente e historicamente pertencer a um campo partidário, ao ser nomeado
para a Suprema Corte renunciará à política.
Nos últimos dias, aliás, tem dito que conhece
bem o código de conduta da magistratura, assim como a ética profissional que
exigirá de si discrição e isenção. Perfeito. Mas o fato é que governistas
nutrem grandes expectativas sobre sua atuação no Supremo Tribunal Federal e
acreditam que ele poderá gerar aos poucos, inclusive, uma nova dinâmica interna
na Corte. Reconhece-se que o presidente Lula terá mais um aliado no STF, sim,
mas por outro lado vai perder o mais aguerrido ministro da Esplanada.
Chancelado pelo Senado, serão as suas ações
como membro do Supremo que definirão seu papel na Corte e, também, como
servidor público do Estado nessa nova etapa profissional. O julgamento dessa
prática diária, assim como mencionou ele próprio em seu discurso de posse em
janeiro, ficará para o tribunal da História.
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