O Estado de S. Paulo
Todo dezembro, os dicionários de maior
prestígio no Ocidente apontam a ou as palavras que mais se destacaram durante o
ano. As mais faladas, escritas e abusivamente usadas, ao sabor de
acontecimentos e modismos passageiros.
Embora rito lexical de origem alemã,
americanos e britânicos se apossaram da ideia e, beneficiados pela língua
franca que trazem do berço, a universalizaram.
Não cultivamos esse hábito entre nós. Os
franceses tampouco, preferindo destacar apenas as palavras anualmente
incorporadas ao Larousse, ao Robert e congêneres. NFT, acrônimo em inglês de
“token não fungível”, só chegou agora ao Larousse, com as letras JNF e duas
temporadas de atraso em relação ao Collins Dictionairy.
Se já não falamos tanto, por motivos óbvios, em “pandemia” e “quarentena”, em compensação ainda ouvimos em demasia “desmatamento”, “polarização”, “fake news”, “narrativa”, “feminicídio”, e temo que tão cedo não nos livraremos de “icônico”, “robusto”, “surreal”, “camada” – e talvez nunca de “interessante”, o mais anódino e onipresente dos adjetivos, placebo semântico com maior ibope entre os comentaristas de nossa TV. “Interessante” é um qualificativo que nunca desceu do muro.
Para o dicionário MerrianWebster, “authentic”
foi a palavra de 2023. Autêntico como sinônimo de real, legítimo, sincero,
verdadeiro, o oposto de falso e imitação.
Celebridades do show biz se fartaram de
invocá-la, seguindo as pegadas de Taylor Swift, ela, sim, autêntica, além de
inspiradora do neologismo “swifties”, também superado, no cômputo final, por
“deepfake” (nome dado à criação de vídeos e áudios falsos por meio de
inteligência artificial), “distopic” (apesar de nascida no Parlamento britânico
há 155 anos, sempre válida e inserida no contexto) e “doppelgänger” (duplo,
sósia, gêmeo), mais uma contribuição alemã ao glossário universal, por sinal já
absorvida até pela moda e pelo mundo dos jogos eletrônicos. O mais novo livro
de Naomi Klein intitula-se Doppelgänger. Para a jornalista e ativista
canadense, Israel e Palestina formam uma “sociedade doppelgänger”.
A escolha do dicionário Oxford recaiu sobre
um neologismo enigmático e quase acrossêmico, “rizz”, facilmente traduzível por
charme pessoal e borogodó. O Cambridge, mais circunspecto, optou por
“hallucinate”. Nada a ver com Dua Lipa (seu homônimo hit é de 2020), mas com o
jargão surgido na esteira dos avanços da inteligência artificial. Quando uma
ferramenta de IA produz uma informação falsa, ela não erra, ela “alucina”.
Acabamos de conhecer um novo eufemismo.
Segundo o Cambridge , as “alucinações da IA”
são alertas aos seres humanos, para que nunca abdiquem de suas habilidades
cognitivas e do pensamento crítico ao se envolverem com ferramentas que, do
nada, podem pirar. Anotado.
*Jornalista e escritor, autor de ‘Esse mundo
é um pandeiro’, entre outros.
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