Folha de S. Paulo
Como a mudança nas regras foi aprovada, se
havia múltiplos atores com poder de veto?
O ministro Fernando
Haddad afirmou que a Reforma Tributária aprovada não é perfeita porque
é parte de um esforço coletivo. Para o presidente Lula, deveu-se a Deus
todo-poderoso e à arte da negociação. Na realidade, são outras as razões que
explicam por que ela foi aprovada e por que é imperfeita.
Lembro Maquiavel sobre a sina de reformas que impõem custos concentrados a setores específicos e benefícios difusos para toda a sociedade: "Não há nada mais difícil, perigoso e de resultado mais incerto do que começar a introduzir novas leis, porque o introdutor tem como inimigos todos aqueles a quem aproveitam as antigas e como frouxos defensores quantos viriam a lucrar com as novas".
Com setores antirreforma mobilizados e
reformistas desorganizados, o resultado é um viés pró status quo. Maquiavel
também argumentou que os "profetas armados", que combinavam ardor e
coerção, sempre triunfavam. Mas, nas democracias, essa opção está descartada.
Como a reforma foi aprovada, se há múltiplos atores com poder de veto?
A questão já foi explorada na literatura.
Reformas desse tipo tornam-se viáveis politicamente 1) compensando os
perdedores; e 2) diferindo
no tempo o impacto da mudança. O resultado da reforma depende da calibragem
desses dois aspectos. Mas, no caso da reforma tributária aprovada, claramente
ela falhou. Senão vejamos.
Para compensar os estados, setores e empresas
perdedoras foram criados fundos bilionários e alíquotas reduzidas: R$ 570
bilhões em 14 anos (2029 a 2042) e mais R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043
irão compor o Fundo de Desenvolvimento Regional (FNDR). Tudo fora do limite de
despesas primárias do arcabouço fiscal. O setor automobilístico terá RS 160
bilhões entre 1925 e 1932, que também não entrarão no cômputo das despesas
primárias.
As alíquotas serão de 60% para 13 setores da
economia, como o agronegócio; de 40% para saúde, transporte público e outros;
de 30% para profissionais liberais. Para outros, será zerada. O resultado
dessas compensações é uma elevadíssima alíquota-padrão no novo IVA.
As mudanças nas regras também são diferidas
no tempo e só entrarão em vigor plenamente após dez anos. A compensação dos
perdedores se estenderá por inacreditáveis duas décadas.
A peleja na qual se busca garantir tratamento
privilegiado recrudescerá no próximo semestre, quando as leis
complementares serão votadas.
Com tantas compensações e tamanha extensão no
tempo, os custos da transição representarão parcela desproporcional dos
benefícios futuros. O avanço é lampedusiano: só será sentido pelas gerações
futuras. É como se houvesse um grande conluio no qual setores rentistas
beneficiados cobram um robusto pedágio pela mudança.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
2 comentários:
1925 a 1932? Ou seria 2025 a 2032?
Perfeito
Postar um comentário