O Estado de S. Paulo
Se nos ativermos à chamada mentalidade
ocidental, as representações que os humanos fazem das coisas começaram lá atrás
com a luta entre gigantes, ou gigantomaquia, tal como representada no altar do
templo de Zeus na antiga Pérgamo, hoje oeste da Turquia. Depois vieram as
diatribes dos heróis, como nos contam as obras de Homero. Pouco a pouco, emerge
da representação das coisas a vida dos mortais comuns.
Na antiguidade, o entendimento era o de que os deuses conviviam em concórdia com os humanos, como nas bodas de Cadmo e Harmonia. Depois veio a ruptura entre os habitantes do Olimpo e os da terra, só tentativamente remediada por meio do sacrifício.
A novidade na grande guinada da mentalidade
dos ocidentais foi o aparecimento de Jesus. Era o “Verbo que se fez carne”, tal
como consta no prólogo do Evangelho de João. Foi a partir daí que muita coisa
mudou.
O conceito da Encarnação, ou o de Deus que se
fez gente, não como todo-poderoso senhor dos exércitos, mas como pessoa comum,
passou a dominar o pensamento e a vida do Ocidente, a despeito dos avanços e
recuos, das traições, das transgressões e de tudo o mais. Antes, pessoas comuns
não contavam. Depois, até mesmo escravos e desclassificados passaram a ter
valor. É como argumenta o
“prussiano de fé judaica” Erich Auerbach,
autor de Mimesis: a Representação da Realidade na Literatura Ocidental, editada
em português pela Perspectiva.
A divindade de Cristo não foi conceito
unânime entre os cristãos até o século 4. Foi o Concílio de Niceia – hoje
Isnik, Turquia –, convocado e presidido pelo imperador Constantino I em 325
d.C., que dirimiu as divergências entre Alexandre de Alexandria (líder da
corrente que defendia a divindade de Jesus Cristo) e os adeptos de Ário (que
sustentava posição contrária). Ou seja, a aceitação da Encarnação foi,
originalmente, um ato de política interna, porque Constantino temia rachadura
em seu império.
A nova mentalidade passou a permear o
comportamento ocidental. Até mesmo os papas do Iluminismo, como Voltaire e
Diderot que, pela primeira vez desde Constantino, lutaram pela extinção do
cristianismo, orientaram suas ações com base nos direitos humanos universais,
que têm a ver com a percepção da dignidade do ser humano, conceito
originariamente cristão.
É também o que demonstra obra recente do
historiador britânico Tom Holland, Do Domínio - O Cristianismo e a Criação da
Mentalidade Ocidental, editado pela Record, em que mostra como esse conceito
deixou marcas profundas em todos os campos do desenvolvimento humano no
Ocidente.
Isso nada tem a ver com profissão de fé. É
apenas conclusão, que pode ser considerada de orientação secular de quem avalia
a evolução da cultura.
Enfim, o Natal deve ser visto em sua dimensão
mais ampla como fenômeno que impregna corações e mentes, até mesmo neste nosso
tempo, marcado pelo materialismo, pela indiferença e pelo agnosticismo.
Um comentário:
Perfeito
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