sábado, 27 de janeiro de 2024

Carlos Góes - O que a economia diz sobre a nova política industrial do governo

O Globo

Esperemos que guardem alguns milhares para avaliar os bilhões em subsídios. Aí no futuro poderemos aprender com nossa realidade

Esta semana, o governo federal lançou um grande pacote de política industrial, com vistas ao que ele mesmo denominou de “neoindustrialização”. Por meio do BNDES, o governo vai oferecer crédito (subsidiado) de até R$ 300 bilhões para a indústria nos próximos dois anos. O lobby da grande indústria, como a CNI e a Fiesp, como esperado, celebrou.

Por um lado, a medida evoca uma série de políticas de sucesso duvidoso da era da escolha de campeões nacionais, na década passada. Por outro, ela também vem na esteira de novas evidências científicas sobre políticas industriais, que mudaram o consenso negativo de outrora em relação a essas políticas.

E quais são essas novas evidências?

Um dos mais importantes estudos dessa nova leva é da economista Réka Juhász, da Universidade da Colúmbia Britânica. Ela estudou o evento histórico da guerra de Napoleão com a Inglaterra, no começo do século XIX.

O bloqueio napoleônico impediu o comércio do Norte da Europa com os ingleses, impondo uma política equivalente a uma proteção comercial às regiões do Norte — mas não às regiões do Sul do continente. O que ela demonstra é que as regiões mais protegidas pelo bloqueio foram mais propensas a se industrializar, embora o efeito tenha sido temporário.

Outro trabalho relevante é de Nathan Lane, professor da Universidade de Oxford. Ele analisou a celebrada política industrial e petroquímica da Coreia do Sul. Ele demonstra que a política foi bem-sucedida em promover a expansão dos setores focalizados em relação aos outros setores da economia coreana, mesmo após o fim da política. A política mudou o perfil das exportações coreanas, por exemplo.

Embora de muita qualidade, é preciso também algum cuidado ao interpretar esses estudos. Como eles sempre comparam uma região a outras ou um setor a outros, eles nunca respondem à pergunta que a maior parte das pessoas se faz, qual seja: qual é o efeito da política sobre a economia como um todo?

Para isso, é preciso pensar no efeito agregado. Focalizando nesse efeito agregado, Ernest Liu, economista de Princeton, concluiu que aqueles setores que fornecem muitos insumos para outros setores são os que devem ser focalizados em uma política industrial ótima. Isto porque eles “absorvem” as distorções de mercado dos setores subsequentes e acabam tendo um tamanho menor do que o ideal, devendo, portanto, ser estimulados pelo governo.

Ele demonstra que essa conclusão é consistente com as experiências de política industrial da China e da Coreia do Sul. Por essas e outras é que uma das políticas ótimas para o governo é investir em educação e ciência: elas tendem a servir como base para outros setores.

Como nada vem de graça, há alguns sacrifícios nessas conclusões agregadas. Se elas respondem à pergunta correta, a resposta vem de modelos matemáticos, que envolvem mais pressupostos teóricos que os trabalhos anteriores. A verdade científica está na combinação dessas duas respostas: a resposta precisa da pergunta indireta somada à resposta indireta da pergunta direta.

Política industrial não pode ser vista como um pecado. Claramente, em algumas situações, ela pode funcionar. Mas ela também não pode ficar presa a receitas do passado.

No caso sul-coreano, por exemplo, Nathan Lane enfatiza que ela sempre foi combinada com uma política de abertura comercial. Se há possibilidade de combinar uma política industrial a uma política que barateie o acesso de empresas à tecnologia, como a política de redução de tarifas a bens de capital, o governo deve levar isso em consideração.

O foco genérico em grandes setores também não ajuda. Paula Bustos, Juan Castro, Joan Monras e Jacopo Ponticelli estudaram a disseminação da soja geneticamente modificada no Brasil, que induziu a realocação de trabalhadores da agricultura para a manufatura de baixa produtividade. Houve industrialização, mas sem inovação, portanto. Ou seja, é importante pensar na produtividade de cada subsetor.

Essas lições da economia podem tornar a política mais eficiente.

Por fim, é decepcionante (mas não surpreendente) pensar que estamos implementando uma nova política similar ao que fizemos uma década atrás, sem ter avaliado a anterior. Dessa vez, já que o governo tem uma Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas, esperemos que guardem alguns milhares para avaliar os bilhões em subsídios distribuídos. Aí no futuro poderemos aprender com nossa própria realidade.

 

Um comentário:

Daniel disse...

Interessante e bem concluído. Mas a "verdade científica" suposta pelo colunista está só na cabeça dele! Em questões tão amplas e complexas como as que ele discutiu, certamente não existe uma "verdade científica" a ser encontrada com a junção que ele sugere.