sábado, 27 de janeiro de 2024

Hélio Schwartsman - Democracia amputada

Folha de S. Paulo

Sub-representação de paulistas na Câmara dos Deputados é falha institucional grave que cobra reparo

Se a escola pública fosse um pouco melhor e ensinasse direito os rudimentos da matemática, paulistas já teriam pegado em armas para pôr um fim à escandalosa sub-representação política a que estão submetidos. Se temos interesse em manter a democracia, como acho que temos, é importante apontar os garrotes que a apertam, de modo que possamos aprimorá-la.

Um desses gargalos é o teto constitucional de 70 deputados federais por estado. Apenas São Paulo é atingido por tal mecanismo, que representa uma violação ao mais elementar dos princípios democráticos, que é o de que o voto de todos os cidadãos deve idealmente ter o mesmo peso. Mas na Câmara dos Deputados, onde a lógica do "um homem, um voto" deveria prevalecer, isso não ocorre. A Casa abriga 513 parlamentares. Numa conta de guardanapo, SP, com 22,2% da população do país, faria jus a uma bancada de 114, mas, por causa do teto, tem sua representação tolhida em 44 assentos, o que equivale mais ou menos a um RJ.

Não ignoro que uma república funcional equilibra regras majoritárias com freios contramajoritários. Mas, no caso do Legislativo brasileiro, que é bicameral, o contrapeso federativo já aparece com força máxima no Senado, onde cada estado, independentemente do tamanho da população, tem direito a três representantes. Não faz sentido teórico aplicar um filtro redutor da população também na Câmara.

No polo oposto, estados com pouquíssimos habitantes têm sua força multiplicada pelo piso constitucional de oito deputados. Assim, Roraima, com 0,31% da população do país, deveria ter direito a 1,6 deputado. Dado que não é boa ideia fatiar indivíduos, poderíamos admitir que tivesse dois representantes, não oito.

Se é justo que os paulistas tenham sua representação limitada a pouco mais de 60% daquilo a que teriam direito, também é razoável que só paguem 60% dos impostos federais devidos. No taxation without representation.

 

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